sexta-feira, 20 de julho de 2012

Os três tempos do Édipo


Primeiro tempo do Édipo:

Segundo Faria (2003), a criança  em relação à mãe, ocupa o lugar previlegiado como falo , se mantém num curto circuito, a identificação fálica por um lado,  lhe dá condições de fazer a passagem de um corpo despedaçado, a uma unidade do eu; entretanto por outro lado,  mantém a criança em um completo assujeitamento diante da onipotência ao Outro.

Esse assujeitamento da criança a esse Outro onipotente, Lacan denominou de Dom: o Dom está relacionado à satisfação que o Outro materno onipotente fornece ou recusa. Para a criança a mãe tem e dá ou não quer dar a satisfação. A frustraçao denomina-se justamente a impossibilidade da demanda ser atendida. Entretanto quando há frustação,   há movimento de busca por um novo objeto. Portanto esse momento de frustração não é tão sentido pela criança como a privação e castração.   

“Só há frustração – a palavra implica isso – se o sujeito entra na reivindicação, na medida em que o objeto é considerado como exigível por direito.”[1]

Segundo Faria (2003), a função paterna, entra em jogo para organizar o mundo simbólico, mantendo a hiância que separa mãe-criança, garantindo esta relação. Esta dialética do desejo, operada através do falo, que funda a possível subjetividade humana. Trata-se na verdade, da luta do sujeito, capturado nesta relação fálica (devoração) com a mãe. Em relação à mãe, o pai já ocupa um lugar desde o início. O pai, no primeiro tempo do Édipo, está presente como uma potência, mas não em ato, e quem autoriza a entrada dele, é o desejo materno.
Em algum momento desta relação(mãe-criança-falo(pai), vai  produzir-se a separação entre a criança e a mãe. De alguma maneira, a mãe deverá deixar de ser “tudo” para a criança, deve deixar de ser “toda” para ela – é o que Freud denomina de castração materna.
A mãe transmite a criança, um lugar terceiro entre ela e a criança, o qual será ocupado, geralmente, pela presença do pai – um homem para quem seu desejo de mulher se vê endereçado.  O pai é um operador simbólico, o qual não remete à existência de nenhum pai da realidade. Trata-se de uma entidade simbólica que ordena uma função que é estruturante do ponto de vista do inconsciente.
Segundo Melman (2004), o pai na cadeia de significantes, não é mais um significante, mas um nome que representa outro nome, que condiz a coisa. Enfim a palavra pai é uma metáfora de nada, mas que pode representar qualquer coisa.

Segundo tempo do Édipo:

Este momento  situa-se a saída da criança de seu “acoplamento” ao desejo materno.
Há uma quebra da ilusão de ser o falo materno, implicando na percepção que a mãe não é fálica. Se a mãe não tem o falo é porque a criança não o é.
Essa dupla incidência da falta se dá segundo Lacan, na ausência e presença da mãe, é porque a mãe pode estar presente, ou ausente que se instaura a falta. A questão da ausência e presença, não se dá de forma concreta, mas sim em relação ao desejo da mãe.
A criança, frente a essa “situação” de ausência e presença da mãe é inserida no campo simbólico, com o objetivo de lidar com essa ausência, a partir da representação do objeto que falta. 
A partir deste momento, a criança formula a questão: o que quer esta mulher de mim? Entrando assim o enigma (x).
O pai se desvela como um outro na relação. Sendo que a castração é de alguma forma introduzida, pela dimensão da intrusão paterna. O pai neste momento é considerado pelo filho como uma ameaça à sua posição fálica.
No segundo tempo do Édipo, a criança terá que lidar com um Outro faltante e desejante. Essa falta, Lacan denominou de privação.

"Está bastante claro, que o pai não castra a mãe de uma coisa que ela não tem. Para que fique postulado que ela não o tem, é preciso que isso de que se trata já esteja projetado no plano simbólico como símbolo. Mas há de fato uma privação, uma vez que toda privação real exige a simbolização.” [2] 

A entrada do pai se dá progressivamente. Toda vez que a mãe está ausente, a criança capta isso, como se a mãe estivesse com o pai, sendo aquele que proíbe a mãe de dar aquilo que ela tem. Sendo percebido como um tirano, a criança, por sua vez coloca-se numa rivalidade imaginária em relação ao pai.
No Seminário: As formações do inconsciente (1957-1958), Lacan aborda que diante da rivalidade da criança para com o pai, tal agressividade, é percebida como advinda do pai, por isso o pai tirano. A criança, neste momento é confrontada com a lei do pai, percebendo que a mãe também depende deste outro para se satisfazer. Segundo Dor (1989), a criança, neste momento descobre a dimensão essencial que estrutura o desejo: cada um é submetido à lei do desejo do Outro.
O pai surge na vida subjetiva da criança como um objeto fálico. O pai interdita a relação mãe-criança, através de duas vertentes: que a criança cometa o incesto e que a criança seja o falo da mãe. “Tu não reintegrarás seu produto.” (Você não pode engolir o seu filho) e “Não te deitarás com a tua mãe”.  A falta é Real e o objeto imaginário
O pai é detentor do falo, e a mãe deseja o desejo do pai e a criança frente à  dialética do ser e ter o falo, sob a dupla relação, frustração e privação.
”Com sua presença privadora, o pai é aquele que sustenta a lei, e isto se faz não mais de uma forma velada, mas de uma forma mediada pela mãe, que é a que coloca como aquele que lhe dita a lei.”[3]

Segundo Lacan, o pai, neste segundo tempo do Édipo aparece mediado no discurso da mãe, comparecendo menos velado, mas não totalmente revelado, para que o pai tenha seu lugar enquanto lei, o pai deve aparecer como uma mensagem da mãe, Lacan refere-se ao pai como: “(...) uma mensagem sobre uma mensagem.”[4]  

Lacan situa o segundo tempo do Édipo como ponto nodal, a criança neste momento percebe que existe uma falta na sua relação com a mãe e é ao pai que atribui a responsabilidade por esta falta. Segundo Lacan:

“(...) num dado momento da evolução do Édipo, coloca-se para o sujeito a questão de aceitar, de registrar, de simbolizar ele mesmo, de dar valor de significação a essa privação da qual a mãe revela-se o objeto, essa privação o sujeito infantil  a assume ou não, aceita ou recusa.”[5] 

A maneira como a criança recusa ou aceita da castração materna, determinará as diferentes saídas do complexo de Édipo.

Terceiro tempo do Édipo:


 O pai neste momento adquire um novo estatuto, neste terceiro tempo “intervém” o pai permissivo e doador. O pai é detentor do falo, mas pode doá-lo.

Segundo Lacan (1957-1958), o pai pode dar a mãe o que ela deseja, e pode dar porque o possui isso no sentido genital do termo, um pai potente. Esse é o pai doador do terceiro tempo, diferente do pai onipotente do segundo tempo do Édipo.

Sendo assim, a mudança de estatuto do pai é também uma mudança de estatuto do objeto. Lacan afirma no que diz respeito ao objeto:

 “Com efeito, tudo o que se pode transmitir na troca simbólica é sempre alguma coisa que é tanto ausência como presença. Ele é feito para ter essa espécie de alternância fundamental, que faz com que, tendo aparecido num ponto, desapareça para reaparecer num outro. Em outras palavras, ele circula, deixando atrás de si o signo de sua ausência no ponto de onde vem, Em outras palavras ainda, o falo em questão – nós o reconhecemos desde logo – é um objeto simbólico” [6]

Segundo Faria (2003), os movimentos de idas e vindas da mãe oferece a criança a possibilidade de situar um objeto ligado ao enigma do desejo materno – por isso ela se ausenta – ao mesmo tempo em que o situa como algo que não preenche esse desejo completamente – por isso ela volta para a criança que, percebe-se dando também alguma satisfação. 

Enfim, a criança pode compreender o pai, como aquele que tem. Um pai potente, que dá a mãe o que ela deseja, e que isso que a mãe busca e deseja no pai pode ser um objeto buscado e desejado também pela criança.

Neste terceiro tempo do Édipo, o pai se apresenta como morto. O falo poderá circular como equivalente a puro significante. Por conta desta questão, o pai deixa de ser onipotente e se torna doador:

É por intervir no terceiro tempo como aquele que tem o falo e não que o é, que se pode produzir a báscula que reinstaura a instancia do falo como objeto desejado pela mãe, e não mais apenas como objeto do qual o pai pode privar”[7]  

O filho passa pela dialética ser ou ter o falo materno, elegendo a dimensão do ter, instituindo-se a metáfora do nome-do-pai. O significante do nome-do-pai passa a estar associado aquilo que dá significação ao sujeito, Grande Outro.  O desejo materno é recalcado.

Segundo Faria (2003) o falo, tendo adquirido o estatuto de objeto simbólico, indica para o sujeito, que a partir desse momento ele pode tê-lo, com a condição de que seja “para mais tarde“ ter um falo, uma vez que se identifica ao pai como aquele que tem. A partir daí a criança detém consigo todas as condições de desfrutar suas funções e atributos sexuais.  Segundo Lacan:

Os três tempos do Édipo não ocorrem de maneira cronológica, mas sim de maneira lógica. Quando se entra no primeiro tempo se passa pelos três tempos. Na passagem do Édipo, o sujeito recebe um nome, possibilitando-o ser um ser sexual, abrindo a possibilidade de ser pai ou mãe. 

Segundo Dor (1989), a nomeação do pai possibilita à criança nomear o objeto de seu desejo. Porém, a maneira como ocorre, pertence a uma simbolização metafórica, pois se torna uma designação inconsciente. Isto é, o pai imaginário impõe a castração, sendo o privador da mãe. A identificação da criança com este pai é fálica e estritamente imaginária. Dessa forma, pela mediação do pai imaginário, é possível o pai real ser investido como pai simbólico

Segundo Lacan(1957-1958), a instauração da posição do pai como detentor do falo é o que oferece o ponto de identificação do menino, isto é, introjeção do pai, no sujeito, como ideal de eu, e isso ocorre, porque o pai intervém como detentor do falo. É nesse momento que o complexo de Édipo declina.

“É nessa medida que o terceiro tempo do Édipo pode ser transposto, isto é, a etapa de identificação, na qual se trata de o menino se identificar com o pai como possuidor do pênis e a de a menina reconhecer o homem como aquele que o possui." “Ela, a mulher, sabe onde ele está, sabe onde deve ir buscá-lo, o que é do lado do pai, e vai à direção àquele que o tem.” [8]

Segundo Faria (2003), a substituição significante, denominada de metáfora paterna consiste de uma nova significação, o falo como produto da metáfora paterna, e a conexão metonímica do significante oculto, o desejo materno como o resto da cadeia. O processo metafórico consiste em introduzir um significante novo (S2), fazendo com que o significante antigo (S1), passe sob a barra de significação, mantendo-o inconsciente. A fim de que haja a metáfora paterna é necessária uma substituição significante, na qual o pai toma lugar como um significante que vem substituir o significante do desejo materno.

Ao longo da substituição significante do desejo da mãe, S1, é, portanto, objeto de um recalque e torna-se inconsciente:

“É na medida em que o pai substitui a mãe como significante que irá se produzir o resultado ordinário da metáfora, expresso na formula:”[9]



[1] Lacan, 1995, Seminário 4 A relação de objeto p. 101
[2] Lacan, 1999. Seminário 5 As formações do inconsciente p.191
[3] Lacan, 1999. Seminário 5 As formações do inconsciente. p.180
[4] Lacan, 1999. Seminário 5 As formações do inconsciente p.209
[5] Lacan, 1999. Seminário 5 As formações do inconsciente p.191
[6] Lacan, 1995 Seminário 04. A relação de objeto. p.155 
[7] Lacan 1999, Seminário 5 As formações do inconsciente. P. 200
[8] Lacan 1999, Seminário 05. As formações do inconsciente. p. 202
[9] Lacan 1998, De uma questão preliminar de todo tratamento possível da psicose. in escritos P. 557.

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