Amor e a transferência
A transferência é um conceito
fundamental em psicanálise. Algo que se dá numa análise: como motor e como
resistência. Por experiência própria a
análise é um processo libertador, mas também bastante doloroso, que é sustentado
pela transferência. É importante que o analista sustente um lugar que é dado
pelo analisando, mas que não se iluda, com esse “poder ou não poder” que o
analisando lhe dá. E não responda àquilo que o analisando lhe demanda, até
porque ele não o tem, pois amar é dar aquilo que não se tem.
Quando o sujeito procura uma análise, na realidade procura um objeto que o satisfaça que o complete em sua falta estrutural, entretanto este objeto foi perdido desde sempre. Nesta busca há movimento entre os significantes. O desejo é sempre desejo de desejar.
Na análise o sujeito encontra uma falta radical, desejo do nada. A partir da transferência, apreende-se isso amando. Como não encontra uma resposta imediata para o que procura, vai buscando um sentido e neste percurso o analisante encontra, na verdade um destinatário para o seu sintoma: o analista
Anna O
e Dr. Breuer
Breuer
descobriu, em 1880, que ele havia aliviado os sintomas de depressão e
hipocondria (histeria) de uma paciente, Bertha
Pappenheim, depois de induzi-la
a recordar experiências traumatizantes sofridas por ela na infância. Para isso
Breuer fez uso da hipnose e de um método novo, a terapia de conversa. p
Por dois
anos, o caso de Bertha fascinou Breuer e, a partir de certo momento, a própria
Bertha o seduziu. Assim, além de inventar a terapia de conversa, Breuer
descobriu também o principal problema desse método: os fenômenos que depois Sigmund
Freud chamaria
Transferência e Contra-transferência.
Os problemas
de Bertha Pappenheim, de 21 anos, - na ficha médica "Anna O" -, eram
depressão e nervosismo, com um quadro de hipocondria com os mais diversos
sintomas (uma condição na época denominado "histeria"). Em certas
ocasiões se acreditava paralítica, em outras acreditava estar impossibilitada
de deglutir e por algum tempo não conseguia comer ou beber água, mesmo estando
com fome e sede. Em outras ocasiões tinha distúrbios visuais, paralisia das
extremidades e contraturas musculares, perda de sensibilidade na pele, tosse
nervosa, de modo que sua personalidade ora era a de uma deficiente, ora a de
uma pessoa normal. Por vezes sentia-se incapaz de falar seu próprio idioma, o
alemão, e recorria ao Francês ou Inglês para se comunicar. Breuer submeteu-a a
hipnose e ela relatou casos de sua infância, essa recordação fazia que se
sentisse bem após o transe hipnótico.
Após
estimular a paciente a conversar sem rodeios, aos poucos ficou claro para
Breuer que a hipnose poderia ser dispensada, caso o médico conduzisse a
conversa habilmente, no sentido de provocar as recordações mais difíceis de
serem trazidas à consciência. Aos poucos entendeu que os sintomas eram conexões
simbólicas com recordações dolorosas – relacionadas à morte de seu pai – as
quais ela revelou durante a terapia.
O interesse
de Breuer por Bertha despertou a atenção de sua esposa e a crise matrimonial
que isto deflagrou levou Breuer a interromper o relacionamento. Bertha então
forçou um encontro íntimo por meio de um artifício: enviou um chamado ao
terapeuta dizendo-se grávida e em estado de parto. Breuer atendeu ao falso
apelo, mas com a decisão de se afastar dela definitivamente. No dia seguinte
embarcou com sua mulher para uma viagem destinada a recondicionar o clima de
afeição em sua vida conjugal.
Tomado de um horror, Breuer foge e abandona sua paciente a um colega. Anna O. passa meses numa clínica
para recuperar sua saúde. Freud aproximou-se de Anna O. e a partir deste ponto
constrói o conceito de transferência.
Qual a origem do amor de Anna
O. por Dr. Breuer?
Segundo Freud o amor daquela moça era amor de transferência. Freud
percebe um sentido nas narrativas de suas pacientes, uma novela familiar, onde
circulam os elementos: procriação/sexo/morte/amor. E por conta destes elementos
recorrentes recorre ao Édipo.
Em seu artigo sobre os Três
Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. Freud já nos advertia bastante
precocemente da íntima conexão entre os destinos da libido recalcada, presa a
fantasias inconscientes, que não encontram outra expressão além dos sintomas.
“A psicanálise não encontra
dificuldades em mostrar a pessoas desta espécie que elas estão amando, no
sentido ordinário da palavra, estes seus parentes consangüíneos, pois, com o
auxílio de seus sintomas e outras manifestações de sua doença, ela pesquisa
seus pensamentos conscientes. Nos casos em que alguém que antes fora sadio,
adoece após uma experiência infeliz de amor, é também possível mostrar com
certeza que o mecanismo da doença consiste num retorno da sua libido para
aqueles a quem preferia na infância”.
Este protótipo
da experiência que será reeditada na transferência, sob a forma do amor de
transferência. Demonstrando a dificuldade do neurótico no abandono do amor
incestuoso, e, portanto toda a sua
dificuldade em relação à castração.
É essencial,
por outro lado, que o analista suporte todas as projeções incestuosas que o
amor de transferência lança sobre ele, renunciando ao gozo de amor que o
analisando lhe oferece.
Lacan recoloca
a questão da transferência da seguinte maneira: Trata-se das Imagos
maternas/paternas afetados pela Presença Real do analista. Numa análise, as
posições amado/amante conformam-se numa báscula dialética. Ao analista cabe, enquanto
a função de suporte dessa escuta, não se confundir com o agalma a ele
atribuído pelo analisante, Não haverá jamais coincidência entre o que falta a
um e aquilo que possa existir de oculto no outro.
Amar é dar aquilo que não se tem, pois o amor
vela a falta constitutiva, sendo também a única possibilidade de expressividade
do desejo.
O desejo é
algo constitutivo no vértice entre a necessidade e o amor. A partir do ponto
que essa necessidade se transforma em demanda por sua insuficiência contingente e esse amor é alienado por essa
necessidade. E a linguagem se constitui pela inadequação e a falta do objeto.
Jamais haverá um objeto que lhe satisfaça, ou que lhe corresponda, por isso é
indestrutível.
Como se articulam
o desejo e a linguagem na transferência?
Para existir o amado
deve existir o amante. O desejo é uma falta, que se movimenta, a partir do
sentido dado S2, criando atributos S1, sempre de maneira retroativa.
S1-S2-Sq
•
Quanto mais se fala, à procura de sentido, mais
se ama/odeia aquele com quem se fala. Instalada a transferência, o analista
participa do sintoma do paciente. É o que Lacan denomina o
Sujeito-Suposto-Saber. O analisante acredita não apenas que o analista tem um saber,
mas que ele está na origem do seu sofrimento.
•
Ao analista cabe aceitar este lugar de
amado/odiado que o analisante lhe atribui para que uma análise possa se
desenvolver. Porém, sem jamais esquecer a origem deste amor, expressão
sintomática, que está diretamente ligada a fantasias inconscientes. Dr. Breuer
acreditou de fato neste amor, e fugiu...
•
E várias são as maneiras do analista fazer uso
deste poder que lhe é conferido, quer seja ao acreditar que possui todo o saber
que lhe é depositado pelo analisando, quer seja ainda colocando-se numa posição
de superioridade, deixando todo o sofrimento, desgraça e infortúnio do lado do
analisando, como se a análise não fosse um processo que acontece no “entre
dois” da relação analítica.
Se o analista acreditar que possui todo o saber nele depositado, acaba ensurdecendo para toda nova fala do analisando, o que não deve significar ser ignorante em relação à teoria que dá suporte à sua prática. Já o “não saber” do neurótico, por sua vez, é o desconhecimento que ele porta sobre seu sofrimento, é o que experimenta em si mesmo como a estranheza do seu sintoma.
O efeito terapêutico de uma análise está atrelado à transferência, que utiliza a linguagem como instrumento. Graças à transferência, o bem mais precioso de uma análise, entrelaçada à interpretação, analisando e analista juntos trilham o percurso de uma análise.
Referências:Se o analista acreditar que possui todo o saber nele depositado, acaba ensurdecendo para toda nova fala do analisando, o que não deve significar ser ignorante em relação à teoria que dá suporte à sua prática. Já o “não saber” do neurótico, por sua vez, é o desconhecimento que ele porta sobre seu sofrimento, é o que experimenta em si mesmo como a estranheza do seu sintoma.
O efeito terapêutico de uma análise está atrelado à transferência, que utiliza a linguagem como instrumento. Graças à transferência, o bem mais precioso de uma análise, entrelaçada à interpretação, analisando e analista juntos trilham o percurso de uma análise.
FREUD S. Sobre o início
do tratamento (1913). In: Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1980.
FREUD S. A dinâmica da
transferência (1915). In: Obras
Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1980.
FREUD S. Observações
sobre o amor transferencial (1914). In:
Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1980.
DOR, J. Estruturas e
clínica psicanalítica. Rio de Janeiro: Taurus, 1994.
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