Nesta semana a proposta é abordar a feminilidade. Como podemos pensar a
constituição do sujeito feminino pelo viés da psicanálise? Este texto existe
muito mais como questão, do que de uma certeza sobre a constituição da
feminilidade.
Na clínica, nos deparamos com um mal estar estrutural que norteia a
feminilidade. Por esta não ter um significante que a nomeia. No caso do menino
existe o significante fálico que lhe dá uma nomeação, um ponto que lhe garante
alguma coisa. Esse mal estar relaciona-se a complexidade da constituição do
feminino.
Em psicanálise o sexo feminino não está enunciado desde o princípio, trata-se de uma construção. A feminilidade é um se tornar, que paradoxalmente, se inaugura para a menina a partir de seu complexo de masculinidade.
No inconsciente o que fica colocado é
o primado fálico. A princípio para a criança tanto
menina como menino, todos os seres tem pênis.
A descoberta desta divisão entre os sexos é sempre traumática, para
ambos os sexos. Como diz Freud: a
sexualidade permanece traumática: “Enquanto
o complexo de Édipo no menino se dissolve sob o efeito do complexo de Castração,
o da menina é tornado possível e introduzido pelo complexo de castração.”
A descoberta da castração da mãe
acarreta tanto para o menino quanto para a menina, uma desvalorização do
personagem materno. A menina, ao tornar a mãe responsável por sua própria falta
de pênis, junta esse desprezo um ressentimento, que se traduz por desejo(duplo
sentido inveja e desejo) com relação aquele que tem pênis. E como se
identificar com a mãe, já que esta a priori já esta numa posição desvalorizada
e alvo de ressentimento?
Nas elaborações de Freud a femilidade é colocada como um enígma.
A feminilidade é colocada sob duas vertentes: de um inominável, de um real
que faz furo na fala. E de um avesso nomeado pelo primado fálico que nomeia a
falta da castração. Vimos que Freud encontra o inominável sob a forma de três
figuras: o real da carne(feminino aparece como dessexualizado), morte(mutismo),lacuna do psiquismo(umbigo do
qual giram as representações). Enfim a feminilidade ficaria num lugar da falta
de palavras para dar uma significação de si. No viés lacaniano poderíamos
pensar a feminilidade com certa aproximação entre real e imaginário e certo
distanciamento do simbólico, mas o que isso pode significar?
Freud também articula a feminilidade, através de certa analogia com o Complexo de Édipo masculino, entretanto através de seus estudos, construções e desconstruções aborda a feminilidade como algo de certa complexidade. O Complexo de Édipo feminino inicia-se, quando no menino há sua saída.
Na constituição do sujeito feminino há duas mudanças que supostamente deveriam ocorrer: a primeira em relação ao objeto de amor: do objeto mãe iria para o pai. A outra mudança seria em relação a zona erógena: clitóris deslocaria-se para a vagina.
Segundo Freud a menina não ama seu pai desde o inicio. Em ambos, os menino e a menina, a mãe é o primeiro objeto de amor: ela é conduzida ao pai progressivamente, através de sua relação com a mãe. A menina frente à castração materna constata que sua mãe não é fálica, é não toda. A menina busca uma compensação a essa falta. Sendo assim é levada a se voltar para o pai, portador do pênis, na esperança de receber dele aquilo que sua mãe, por natureza, não lhe pode dar. Em outros termos, é na medida em que ela quer ter aquilo que falta a sua mãe que se torna uma mulher.
Como não ocorre o recobrimento total desta relação com o Outro, a consequência será em relação a mãe algo do amor/ódio. Algo da ordem do devoramento.
O corte é bem mais sutil o resquício de um primeiro momento é
atualizado. A menina em relação a mãe
apresenta o amor e o ódio e toda sua constituição se dá por metonímia.
Freud aponta que a maternidade seria uma das saídas para a feminilidade. As outras duas saídas seriam: masculinização ou o recalque,
ou seja a homossexualidade ou o abandono de qualquer sexualidade. Entretanto, em Freud o limite da análise seria: penisneid. A inveja do pênis.
Em Lacan o falo e a castração não mais se colocam como obstáculos à feminilidade, mas ao contrário , como as condições para toda a feminilidade possível. Existe na realidade a insuficiencia da inscrição total da mulher no significante Nome-do-pai, o que acarreta em Freud, na insuficiência superegoica, a mulher não é toda castrada.
"O destino da menina aparece assim, como o de uma metáfora
impossível ou de uma luta permanente para se elevar do registro da metonímia
para o da metáfora. "
Talvez uma saída feminina para este mal estar estrutural seja aceitar essa impossibilidade. Não como submissão, mas algo de uma aposta na palavra, no movimento, e finalmente na poesia.
Referências:
André, S. (1986). O que quer uma mulher. Rio de Janeiro. Imago. 1998
Sanada, E. (2006). A/ Mulher e o não saber: Um estudo psicanalítico sobre os avatares da sexualidade feminina. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo.
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