terça-feira, 9 de julho de 2013

Camille Claudel - A loucura de ser mulher


Informações Técnicas
Título no Brasil:  Camille Claudel
Título Original:  Camille Claudel
País de Origem:  França
Gênero:  Drama
Tempo de Duração: 175 minutos
Ano de Lançamento:  1988
Site Oficial:
Estúdio/Distrib.:
Direção:   


A trajetória de Camille Claudel já foi retratada de diversas maneiras. Através de sua biografia escrita por Paris(1988), Leonard(1993), Wahba(1997) e Guatimosim(1998), além disso o filme de Bruno Nuytten(1993) , que retrata sua vida: início, auge da carreira, paixão por Rodin,seu declínio e a loucura.
O início desta história data de 08 de dezembro de 1864, quando nasce Camille, numa pequena cidade do distrito francês de Champagne. A menina é a mais velha dos três filhos da família, vive uma infância e adolescência conturbadas, ao lado dos pais e dos irmãos,Paul e Louise.  Camille, ocupa um lugar bastante delicado nesta família, a incumbência de ocupar o lugar de um morto: o irmão falecido ainda criança. 
A presença de um ambiente familiar conflituoso, regado a constantes brigas e desentendimentos, devia-se principalmente a disparidade de opiniões entre seus pais, sobretudo no que dizia respeito ao desenvolvimento de seu talento artístico o que, no entanto, não a impedia de prosseguir em sua ânsia de reconhecimento.
 O pai, alguém que a incentivava em sua carreira, mas que também aquele que mais lhe cobrava resultados. Queria que Camille ocupasse uma posição de prestígio.
O pai, totalmente dedicado à formação dos filhos, não media esforços para proporcionar-lhes uma educação de primeira classe em Paris, ainda que isto lhe custasse trabalho árduo ou mesmo freqüente distanciamento da família. Em algumas biografias, existe uma contradição entre essa figura dedicada e por outro lado figura autoritária, distante e de temperamento difícil.
A mãe de Camille, por sua vez, é caracterizada: uma mulher fria e muito rígida, presa a convenções sociais e as aparências. Mostrava-se avessa a criatividade da filha, apresentava certa rivalidade com a filha em relação ao pai, principalmente porque seu marido investia e apostava no sucesso da filha como artista. A mãe manifestava-se sempre no sentido de repudiar sua arte. 
Paul, seu irmão quatro anos mais novo, era alguém que apoiava Camille, e no futuro tornou-se um escritor francês. Essa amizade entre os irmãos, é repleta de uma aura misteriosa: trocas de confidencias calorosas entre ambos e alguns boates que entre eles existiu relações incestuosas, porém isso não foi confirmado.
Camille, ainda tinha uma irmã – chamava-se Louise, o mesmo nome da mãe e a única a fracassar em suas habilidades voltadas para a música. A mãe e Louise mantinham uma aliança, onde Camille era excluída. No futuro, Camille através de uma obra  condensou as duas figuras num único significante – Louise.
As figuras de Louise e de Rodin tornaram-se fantasmas persecutórios do delírio de Camille.
De acordo com a história representada no filme sobre a trajetória da artista Camille, sua obra teria iniciado a partir do trabalho com barro que, que no princípio, era retirado do próprio quintal de sua casa e cujos modelos ela tomava em seu próprio lar, seus próprios parentes posavam para que ela esculpisse.
Chama a atenção a paixão que Camille tinha por seu ofício, pois  seu olhar era  totalmente voltado para sua arte, até se  apaixonar  por Rodin. 
Aos quinze anos, após ter criado três peças de destaque, seu talento foi reconhecido por Alfred Boucher – o qual levou Camille a trabalhar com Rodin.
Rodin, era famoso nesta época e tomou Camille como aluna, como era muito competente em sua arte, Camille logo passou a categoria de colaboradora. Ajudou-o a esculpir, entre outras obras o trabalho intitulado: “Porta do inferno”.  Apesar de talentosa que assina suas obras é Rodin, ela é tida por ele como talentosa.
Camille a medida que auxiliava Rodin em sua obra, ia se aperfeiçoando e por volta de 1883, tem início o romance ardente entre os dois, uma relação que duraria cerca de 15 anos. Como se Camille deslocasse sua obsessão pela escultura para Rodin. 
Rodin por sua vez a instala num estúdio situado num antigo edifício clássico quase em ruínas, criando um espaço para o encontro amoroso do casal, porém ele se mantém casado, mostrando-se incapaz de deixar essa mulher e assumir Camille, nem mesmo quando ela lhe diz que está grávida e que sofre um aborto. Amor clandestino entre o mestre e sua aprendiz. 
Sua mãe e irmã a criticavam muito por Camille manter o romance com Rodin, um relacionamento ilícito. Isso se agravava muito porque sua família tinha que mantê-la financeiramente.
Sua obra, como sua vida, é marcada por momentos de ascensão e declínio, trabalhando sempre no limite entre o desejo e o gozo trágico. 
Por volta de 1892/1893, Camille decide abandonar o estúdio alugado por Rodin, passando a viver e trabalhar sozinha, dando início a separação, mas não ao rompimento definitivo com o amante. No que diz respeito a sua arte, queria ser reconhecida pela sua própria obra, porém amorosamente mantinha seus encontros e correspondências com Rodin.
A partir de 1894, a relação de Camille com Rodin começa a desmoronar, marcando sua entrada no caminho que a levaria à decadência da mulher e da artista.
Através de sua produção artística é possível vislumbrar o abalo da relação entre Camille e Rodin, imprimindo obras em tons suplicantes.
Em 1898, quando sua relação com Rodin já esta estremecida, Camille através de sua obra “A idade madura”, tenta expor publicamente sua relação com Rodin – até esse momento, mantida na clandestinidade por ele, numa tentativa de ver-se assumida como mulher.
Rodin, não permite que essa obra seja levada a publico, graças ao prestígio que ele tem junto ao diretor da escola de Belas Artes. A partir desta intervenção de Rodin, o relacionamento entre ambos termina.
Idade madura
Esta obra “A Idade madura”, representa a trajetória de sofrimento, vazio e renúncia frente à impossibilidade de viver um verdadeiro amor que a reconhecesse e a tomasse como mulher. 




No mesmo ano, numa representação ainda mais drástica a obra: “A verdade” , obra na qual, não só a personagem, mas principalmente a artista nela retratada, parece não dispor mais de recursos para manter-se psiquicamente frente ao fracasso e ao vazio em que se transformara sua existência, o que se observa na figura da dançarina cuja a cabeça se sustenta apenas sobre o toco de um ombro, único suporte que lhe restou depois de ter os braços decepados.
A partir desta obra é possível verificar a dimensão do dano causado em Camille, frente o não reconhecimento por Rodin, como mulher ou como artista, deixando-lhe entregue a uma vivência de despedaçamento e a uma sensação de lhe terem sido roubados todos os instrumentos capazes de lhe restituir o potencial criativo, tal como aparece em seus delírios, como se verdadeiramente seus braços tivessem sido cortados. Após essa obra Camille foi isolando-se, e ano a ano destruiria seu acervo, em 1913 foi internada.
Camille, tem 30 anos, quando termina o relacionamento com Rodin, sua vida amorosa é dada por encerrada. Camille passa a descrever os anos passados de sua juventude como analogias dos épicos de Ilíada e Odisséia, chegando a explicitar numa carta endereçada ao negociante Eugene Blot, o desamparo e a estranhesa por ela vivenciados nos últimos tempos, ao dizer que, diante de sua historia:
“Seria necessário um Homero para contá-lo. Eu não vou tentar fazê-lo hoje e não quero entristecer você. Eu cai num vazio. Eu vivo num mundo que é tão curioso e estranho. Este é o pesadelo dentro do sonho que era a minha vida.”
Neste momento, Camille já está na pobreza, quem a sustenta financeiramente é o pai e o irmão, sem que a mãe e a irmã saibam. Não comercializava mais suas obras, pois se recusava fazê-lo. Numa critica a Rodin, pois ele comercializava as obras dele. Camille, dia após dia, situava Rodin na posição de oponente, num ódio voraz. Acreditava que ele roubava suas idéias, que contratava pessoas para estragar sua arte, perseguí-la, chegando ao ponto de não comer determinados alimentos, pois acreditava que estavam envenenados.
Em 1913, morre o seu pai e após alguns dias é internada à força num hospício, por decisão conjunta entre o irmão e sua mãe. Não produziu mais suas obras. Seria como esperasse por seu fim, aguardando o desfecho inevitável.
Algumas considerações do filme “Camille Claudel” sob a ótica da psicanálise:
Será que existiria alguma possibilidade de Camille Claudel não enlouquecer?
A primeira relação de amor que a menina tem é com sua mãe,  A menina permanecerá para sempre ligada à mãe (ou a substitutos dela) esperando que esta lhe dê uma identificação feminina.
Diante de sua falta de lugar enquanto mulher só resta a essa fazer-se objeto para o Outro não fazendo concessões, oferecendo seu corpo, sua alma, seus bens, como aponta  Lacan em Televisão (1974).
O mundo feminino que a mãe de Camille teria a compartilhar,  era o avesso daquilo que Camille queria. Mãe e filha eram rivais não do amor do pai, mas das apostas do pai. A medida que ele  apostava no sucesso da filha, demonstrava para mãe que desvalorizava o mundo dela.    
A quem Camille poderia recorrer?

Esse trecho  extraído de uma carta de Sra. Claudel ao diretor do asilo em que Camille estava internada:
Eu recebi uma nova carta de minha filha C. Claudel informando-me de que esta muito infeliz e que deseja ser transferida para Saint-Anne, em Paris. Eu me pergunto como ela se encontra aí para me enviar cartas por outros intermediários e não pelo médico ou por
vocês mesmos. Eu me encontro excessivamente preocupada com isso porque ela bem pode da mesma forma enviá-las a outras pessoas (...) eu não quero, sob nenhum pretexto, retirá-la de vocês (...) quanto a recebê-la novamente em minha casa ou reenviá-la à sua própria residência, como ela estivera outrora, jamais, jamais. Eu tenho 75 anos, eu não posso ocupar-me de uma garota que tem idéias tão extravagantes (...) que nos detesta e está pronta a nos fazer toda sorte de mal que puder (...). Guardem-na, eu os imploro (...). Por fim, ela porta todos os vícios, eu não quero revê-la, ela nos faz tanto mal3 . (LESSANA,2000, p. 244).4
Camille buscou o reconhecimento, a fim de realizar o desejo de seu pai: ser uma exceção entre os Claudel, mas ser exceção a deixaria de fora de uma linhagem: os Claudel. Algo impossível de ser realizado. Um impasse que fazia Camille ir do sucesso ao fracasso e solidão. A medida que o pai investia seus bens no sucesso da filha, a dívida dela para com ele só aumentava. 
 Camille, não conseguiu realizar o desejo de seu pai, de tornar-se reconhecida a partir de sua arte. Fracassou enquanto mulher, pois não conseguiu um relacionamento amoroso que a reconhecesse.
Viveu 15 anos de um amor ardente, mas que não pode sair da clandestinidade. Rodin era ao mesmo tempo: objeto amoroso e um rival, pois ela só poderia ser reconhecida de fato como artista se rompesse com Rodin ou se ele desaparecesse. Eles jamais romperem, porque Rodin a  perseguia em seus pensamentos e em suas idéias persecutórias. Ao que parece Camille deslocava de objeto em objeto visando: fracasso, a solidão e a morte. 


Referências bibliográficas:
RIBEIRO M. A.C. “Um certo tipo de Mulher: mulheres obsessivas e seus rituais. Rio de Janeiro. Rios Ambiciosos, 2001.
ROZA, G.A.L. “Freud e o inconsciente”.Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 1992. 
SANADA, E.R. “A mulher e o (não) saber: Um estudo psicanalítico sobre os avatares da sexualidade feminina. Sâo Paulo. Tese de Doutorado – Universidade de São Paulo, 2006.

WAHBA, L.L. “Camille Claudel: criação e loucura. Rio de Janeiro, Rosa dos Ventos, 1997.




A situação da mulher e os primórdios da psicanálise

No século XIX a realidade da mulher era ainda de submissão extrema. O casamento por conveniência era ainda a única saída para a mulher  de sobreviver com dignidade, a infidelidade era algo considerado extremamente grave para a mulher. Este lugar de submissão ao homem, a coloca como objeto particular. Ainda neste período não haviam direitos igualitários entre sujeitos femininos e masculinos. 

Por outro lado, é percebido nos países europeus e também nos Estados Unidos, neste mesmo período, um contexto de queda brusca das taxas de natalidade - o que obviamente implicava a desvinculação do sexo do seu objetivo reprodutor. A sexualidade sai do campo privado do casamento e da procriação, para o público, onde as novas relações são entendidas como perversas. 
mulher sensual
Neste período surge a teoria de Freud sobre o papel da sexualidade na etiologia das "doenças nervosas". Vai surgindo também a ideia de que as transgressões da sexualidade eram uma prerrogativa masculina: a liberdade sexual e o poder intelectual como condição masculina.
As práticas sexuais pecaminosas (sexo sem procriação) e as transgressivas (prostituição, aborto, travestismo e amizades românticas) tinham como resultado a punição, porque eram vistos como transgressões à moral sexual .
Os primeiros escritos da psicanálise surgem neste período. Nos hospitais psiquiátricos  Freud deparou-se com algumas mulheres, que apresentavam  paralisia em alguma parte de seu corpo. Esse sintoma não correspondia a nenhum dano neurológico que  pudesse explicar ou fornecer alguma justificativa médica para tal. Utilizando-se dos recursos psicoterapêuticos existentes na época, Freud concluiu que esses sintomas representavam a forma como aquelas mulheres lidavam com dolorosas emoções vivenciadas em momentos anteriores ao aparecimento do sintoma. 
A partir de Freud as mulheres puderam ser ouvidas, abrindo o caminho para que o desejo e o prazer se desvinculassem do religioso e da punição cultural. Enunciou o inconsciente como fonte de onde é possível ouvir o que é o bem e o mal para o sujeito.
Até o fim do século passado e início deste, as mulheres, em geral, não eram alfabetizadas e nem tinham ocupação profissional, não podiam votar e entrar sozinhas em um  restaurante. Eram educadas para casar, quase sempre sendo escolhidas por seus parceiros. Era esperado também que tivessem filhos. Não tinham quase direito a fazer qualquer escolha, a não ser cuidar do marido, de sua família e de sua casa.
É trabalhando com essas mulheres, que de repente achavam que não mais podiam andar, gritavam de terror ou riam como loucas, que Freud descobre a presença de algo no corpo ou no comportamento, que delata um psiquismo, desejos que não estão expressos e satisfeitos.