sexta-feira, 20 de março de 2015

Bloco de Notas: Além do Princípio do prazer (1920) Sigmund Freud - Parte II


Na parte quatro do texto: Além do Princípio do Prazer (1920), Freud discute a princípio a consciência sob a perspectiva do inconsciente: A consciência deixa de ser atributo (adjetivo) dos processos psíquicos e passa a ser visto como  função (substantivo). Qual a diferença  que há entre ser atributo e função?

AtributoDiz-se da qualidade associada a um elemento já mencionado.Função: atividade natural ou característica de um órgão, aparelho, engrenagem etc. ou/e  obrigação a cumprir, papel a desempenhar.

Função da consciência: fornecer essencialmente percepções das excitações que provém do exterior, e sensações de prazer/desprazer que originam-se do interior do aparelho psíquico.

O sistema Pc - Cs (percepção-consciência) apresenta localização especial: na fronteira entre o exterior e interior do aparelho psíquico.  Não é só a consciência que fornece excitações ao  aparelho psíquico. Todo os processos de excitações que ocorrem em outros sistemas deixam traços duradouros que constituem o fundamento da memória. A consciência surge no lugar do traço de memória. Além desses traços duradouros que constituem a consciência há restos de lembranças que nem sempre se tornam conscientes. Onde esses restos de lembranças permanecem? Esses restos de lembranças permanecem recalcados no inconsciente. 

"O sistema Cs seria então caracterizado pela peculiaridade de que nele - ao contrário do que acontece em todos os outros sistemas psíquicos - o processo de excitação não deixaria atrás de si uma alteração permanente em seus elementos, mas se dissolveria, por assim dizer, no processo de tornar-se consciente. Essa exceção a uma regra geral só poderia ser explicada por um fator que se aplicasse exclusivamente a esse sistema específico. Esse fator, que estaria ausente em todos os outros sistemas, poderia perfeitamente ser a circunstância de o sistema Cs estar exposto, ou seja, seu contato direto com o mundo exterior." S. Freud. Além do Princípio do prazer (1920)

Na tentativa ainda de explicar como o organismo se protege contra o aumento das excitações, Freud recorre a Biologia e aos mecanismos do próprio psiquismo: existe algo na consciência (barreira de proteção) que funciona como protetor do aparelho psíquico contra o aumento de excitações. 

Além das excitações originárias do exterior, a consciência  recebe  também excitações  do interior. Como o aparelho psíquico se defende contra as excitações que advém do interior?  Para essas não há barreira de proteção.  Essa carga de excitação  que advém do interior estaria relacionado a pulsão.

O psiquismo defende-se da carga de excitação que advinda do interior,  como se eles tivessem originado do exterior, utilizando-se assim da barreira de proteção. (Mecanismo de projeção)  

Toda essa questão sobre a consciência e sua função tem por objetivo explicar o alcance e limites do princípio do prazer. 

Surge nova questão que desafia o equilíbrio do aparelho psíquico: O que ocorre quando o aparelho psíquico recebe excitações que ultrapassam ou rompem a barreira de proteção, as chamadas "traumáticas"(excitações)?

"Não há dúvida de que um acontecimento como o trauma exterior provoca uma grave perturbação na economia energética do organismo, além de acionar todos os mecanismo de defesa, e o princípio de prazer é logo de início, colocado fora de ação. Já que não é possível impedir que grandes quantidades de estímulos inundam o aparelho psíquico, só resta ao organismo tentar lidar com esse excesso de estímulos capturando-o e enlaçando-o para poder processá-lo." S. Freud. Além do Princípio do prazer (1920)

A dor física é consequência  deste rompimento de barreira. Neste caso, o excesso de excitação sera encaminhado a área afetada onde ocorre a dor num contra-investimento*  à invasão, como também uma enorme redução de qualquer outra função psíquica. Neste contra-investimento haverá a possibilidade de capturar toda a carga de investimento livre/móvel. 

*Esse  contra-investimento, que é um recurso próprio do recalcamento originário, como uma medida protetora contra a invasão excessiva de energia.

"No caso da dor física, diremos que mesmo um sistema altamente investido de cargas de energia é capaz de receber novos afluxos de energia e de transformá-los em cargas de investimento em repouso, isto é, de capturá-los  e "atá-los" psiquicamente. Quanto mais alta for a própria carga de investimento disponível em estado de repouso, tanto maiofr será também sua capacidade e força para capturar e inversamente, quanto mais baixo for seu estoque de carga de investimento em repouso, menor capacidade  terá o sistema de receber os novos afluxos de energia e tanto mais desastrosos serão as consequências de um eventual rompimento do escudo protetor." S. Freud. Além do Princípio do prazer (1920)

Na neurose traumática há  rompimento na barreira de proteção, dois elementos contribuem ao aumento de excitação da energia livre sem possibilidade de ser capturada -->  a surpresa e o susto. Se houvesse o medo ao invés dos dois primeiros elementos ocorreria a possibilidade de preparação para o "evento", funcionando então como um escudo protetor. O medo supostamente protege o aparelho psíquico: há um objeto a ser temido, há do que   fugir, ou se preparar para quando este objeto surgir.

Como já foi visto há um imenso trabalho do aparelho psíquico para proteger do  aumento de excitação(desprazer).  Por que então sujeito (neurose traumática) quando sonha retorna justamente ao momento mais traumático? O sujeito causa em si aumento de excitação(desprazer).

"Cabe então supor que esse tipo de sonho talvez se preste a outra tarefa que deve anteceder o início da soberania do princípio de prazer. De fato, acreditamos que esses sonhos buscam resgatar a capacidade do aparelho de processar os estímulos que afluem quando do desencadeamento do medo - processamento cuja ausência no passado foi causa da neurose traumática. Dessa maneira, eles nos mostram uma função do aparelho psíquico que, sem estar em contradição com o princípio de prazer ocorre de modo independente deste e provavelmente anterior ao propósito de obter prazer e evitar o desprazer." S. Freud. Além do Princípio do prazer (1920)

Nem todo sonho é realização de desejo, ou seja, muitas vezes os sonhos podem estar a serviço da compulsão a repetição. Se existe um Além do princípio do prazer, existe também um período anterior a tendência de realização de desejo. 

Freud aborda a compulsão à repetição fora do contexto da análise: na neurose de guerra, a própria compulsão a repetição, em casos onde se repetem destinos (todo marido que uma suposta mulher se casa é violento), parece que a compulsão a repetição é algo inerente a neurose. 

A repetição é uma tentativa de capturar as cargas de excitações livres/móveis para transformá-las em energias em repouso capturadas.   Numa tentativa de retorno a um estado anterior? Ou numa tentativa de aplacar o aumento de tensão devido ao excesso de carga de investimento livre? Enfim a serviço do que está a compulsão à repetição? Afinal, para onde nos leva o "Além do princípio do prazer"? Ou este além na realidade é um período anterior ao estabelecimento do princípio do prazer? 

Na parte cinco a questão gira em torno da pulsão sob a perspectiva da economia psíquica. 

A meta de qualquer pulsão é ser satisfeita, economicamente é possível pensá-la da seguinte maneira: Sâo excitações livres e móveis, que advém do interior (Processo primário), no sistema pcs-cs  essas  excitações devem ser transformadas, pois este sistema é regulado pelo processo secundário, onde as cargas estão capturadas, presas e tônicas. Enfim, esse tipo de carga de excitação no sistema Pcs-cs produz efeitos econômicos intensos.

"(...)Portanto a tarefa das camadas superiores do aparelho psíquico seria justamente enlaçar e atar a excitação das pulsões que chegam ao processo primário. No caso do fracasso desse enlaçamento provocar-se-ia uma perturbação análoga a neurose traumática. Só depois de ter havido um enlaçamento bem sucedido é que poder-se-ia se estabelecer o domínio irrestrito do princípio do prazer(e sua modificação em princípio de realidade).Enquanto isso não acontece, a tarefa  do aparelho psíquico de processar ou enlaçar a excitação teria prioridade, não em oposição ao princípio de prazer, mas operando independentemente dele e, em parte, sem levá-lo em consideração." S. Freud. Além do Princípio do prazer (1920)

Em relação a repetição que ocorre nas brincadeiras, Freud diz que não há nesta ato repetitivo algo que se opõe ao princípio do prazer, portanto não há problemas em relação a economia psíquica, a tensão permanece em equilíbrio.  O que não ocorre com a compulsão a repetição durante o processo analítico. Por que? Em análise o analisando age de maneira infantil revelando atos recalcados dos restos de lembranças  de suas primeiras experiências psíquicas - por serem originárias do Ics regidas pelo processo primário, essas cargas de excitações estão livres/móveis, portanto incapazes de operar no processo secundário no sistema Pcs-Cs. Economicamente, a compulsão a repetição mantém o aparelho psíquico sob estado de aumento de tensão. 

Este material recalcado dos restos de lembranças das primeiras experiências psíquicas também formam  as fantasias de desejo  a ser representadas nos sonhos. 

Do que é constituídos estes restos de lembranças das primeiras experiências psíquicas? 
Qual a natureza da relação entre a compulsão a repetição e a pulsão? 

"Uma pulsão seria portanto, uma força impelente(pressão), interna ao organismo vivo que visa a restabelecer um estado anterior que o ser vivo precisou abandonar devido à influência de forças perturbadoras externas. Trata-se portanto, de uma espécie de elasticidade orgânica, ou, se preferirmos, da manifestação da inércia na vida orgânica." S. Freud. Além do Princípio do prazer (1920)

Pulsão:

  • Força impelente:pressiona à satisfação
  • Manifestação conservadora do ser vivo.
  • objetivo maior: restabelecimento de um estado anterior. Capacidade de manter as coisas como estão. 
Existe algo no ser vivo que o impele a manter certa inércia ao mesmo tempo desde cedo o ser vivo é impelido a buscar. Existem forças contraditórias que impelem o ser vivo a caminhos opostos? 

"Claro que não podemos nos furtar a responder à razoável objeção de que, além das pulsões conservadoras que compelem à repetição, haja outras pulsões que atuam de forma oposta e pressionam para a produção de novas formações e impelem ao progresso, mas só mais adiante essa objeção será incorporada em nossas considerações."  S. Freud. Além do Princípio do prazer (1920)

Apesar da aparente oposição que as pulsões apresentam: enquanto umas impulsionam ao progresso e outras impulsionam o organismo a manter as coisas como estão, Freud afirma: "O objetivo da vida é a morte, e remontando ao passado: o inanimado já existe antes do vivo." S. Freud. Além do Princípio do prazer (1920)

Surge a questão: toda a pulsão é de morte?

As pulsões de autoconservação (Eu) - Pulsões de morte
As Pulsões sexuais - Pulsão de vida

As pulsões não necessitam de um objeto específico, a  meta de satisfação é  parcial. A partir do conceito da pulsão de morte a meta "maior" de uma pulsão é assegurar ao organismo seu próprio caminho para a morte. 

"Com essa redefinição das pulsões, também passa a ser explicável a enigmática ânsia de auto-afirmação do organismo, a qual parecia desafiar a própria pulsão de morte e que não conseguimos inserir em nenhum contexto. Deriva-se também daí que o organismo não queira morrer por outras causas que suas próprias leis internas. Ele quer morrer à sua maneira, e, assim, também essas pulsões que preservam a vida na verdade foram originalmente serviçais da morte." S. Freud. Além do Princípio do prazer (1920)

Apesar do objetivo maior da vida ser a morte. Há oposição entre as pulsões de vida (sexuais) e as pulsões de morte.   Como assim?

As pulsões sexuais são aquelas que zelam pela segurança, a fusão entre as células germinativas(reprodução), os investimentos aos objetos.  "São elas as verdadeiras pulsões de vida, elas trabalham contra as outras pulsões que têm por função conduzir a morte que entre esses dois grupos há uma oposição que, aliás, a teoria das neuroses já há muito tempo reconheceu como sendo muito significativa. É como se houvesse um ritmo alternante na vida dos organismos: um grupo de pulsões precipita-se à frente, a fim de alcançar o mais breve possível o objetivo final da vida; o outro grupo, após chegar a um determinado trecho desse caminho, apressa-se a voltar para trás, a fim de retomar esse mesmo percurso a partir de uma certo ponto e assim prolongar a duração do trajeto. Então, ainda que no início da vida não tenha existido uma sexualidade e tampouco a diferença entre os sexos, é possível pensarmos que essas pulsões que posteriormente podemos designar como sexuais tenham entrado em ação desde o inicio, em vez de só terem começado seu trabalho contra as "pulsões do Eu" em um momento mais tardio." S. Freud. Além do Princípio do prazer (1920)

A pulsão busca sempre ser satisfeita e jamais renuncia a isso.  Repetindo a primeira experiência de satisfação. Ao longo da vida, o sujeito está implicado na busca do objeto perdido que lhe proporcionará a satisfação plena, sem jamais poder encontrá-la. . Essa meta jamais  satisfeita e para sempre buscada através da repetição. 

O fator impelente da pulsão surge da diferença entre o prazer encontrado pela satisfação e o prazer almejado, numa conta que não fecha, permitindo que o organismo não estacione. 

"Gostaria de mencionar, ainda, que provavelmente o anseio de Eros em agregar a substância orgânica em unidades cada vez maiores talvez funcione como um substituto para essa suposta "pulsão de atingir a completude", cuja a existência de fato não há como admitir. Assim o anseio de Eros conjugado com os efeitos do recalque poderia explicar os fenômenos que atribuem à "pulsão de atingir a completude." S. Freud. Além do Princípio do prazer (1920)


Continua... 







Paula Adriana Neves Couto
Psicanalista
Consultório: Av. Voluntários da Pátria, 2.525 conj. 75 Santana SP
email: paulaadriana.couto@gmail.com
Telefone:(11) 3715.8494


sexta-feira, 6 de março de 2015

Bloco de Notas: Além do Princípio do prazer (1920) Sigmund Freud

Além do Princípio do prazer (1920) - Sigmund Freud - Parte I



Na obra de Freud, até este momento  do ponto de vista econômico os processos psíquicos eram comandados pelo Princípio do prazer que teria por objetivo manter a tensão no aparelho psíquico o mais baixo possível:



"Cada vez que uma tensão desprazerosa se acumula, ela desencadeia processos psíquicos que tomam, então, um determinado curso. Esse curso termina numa diminuição de tensão, evitando o desprazer ou produzindo prazer." S. Freud. Além do Princípio do prazer (1920) 



O prazer e o desprazer em psicanálise relacionam-se com a quantidade de excitação presente na vida psíquica -  quantidade de excitação livre, O desprazer corresponderia a um aumento na quantidade de excitação, e o prazer a uma diminuição dessa quantidade de excitação

O Princípio de prazer comandaria os processos psíquicos, mas o curso do aparelho psíquico não seria determinado somente pelo principio do prazer, pois, se o Principio do prazer fosse determinante, a maioria  de nossos processos psíquicos seriam semtidos como prazerosos, não haveria aumento de tensão no aparelho psíquico. Percebendo o sofrimento psíquico que ronda o sujeito, Freud articulou outras forças, que além do princípio do prazer "comandariam" o aparelho psíquico.

Diz Freud:  "Portanto somos obrigados a admitir que existe na psique uma forte tendência ao princípio do prazer, mas que certas outras forças ou circunstâncias se opõe a essa tendência, de modo que o resultado final nem sempre poderá corresponder à tendência ao prazer." S. Freud. Além do Princípio do prazer (1920) 

Quais forças ou circunstâncias impedem que o principio do prazer vigore?  



A primeira dessas forças inibidoras do princípio do prazer é o  princípio de realidade. Como o princípio do prazer é algo primitivo (primário) do aparelho psíquico, no decorrer da constituição do sujeito é substituído pelo princípio de realidade: Há uma postergação da satisfação imediata, entretanto o princípio de realidade não deixa de estar a serviço do princípio do prazer: o sujeito prolonga o desprazer visando ao final a satisfação.



O recalque também é um inibidor ao princípio do prazer: quando isola no inconsciente pulsões cujo as metas  são intoleráveis ao Eu. De início essas pulsões ficam privadas da possibilidade de uma satisfação. 



"Vemos assim que, em consequência de um antigo conflito psíquico que acabou por resultar em um recalque, o princípio do prazer volta a sofrer uma nova ruptura quando certas pulsões, justamente na obediência a esse princípio, tentavam obter novamente o prazer."  S. Freud. Além do Princípio do prazer (1920)

Essas duas forças: princípio de realidade e recalque não abarcam todo o desprazer contido no psiquismo. Freud aborda outra força que desencadeia o desprazer no aparelho psíquico: a percepção.

Essa percepção pode ser oriunda de uma pressão interna causada por pulsões insatisfeitas  ou provenientes do mundo externo. Entretanto, independente se essas percepções são internas ou externas, psiquicamente serão sempre reconhecidas  como "perigo" externo. Essas sensações quando reconhecidas pelo aparelho psíquico poderão ser encaminhadas de maneira adequada pelo princípio de prazer e realidade. O medo é um sinal de que houve reconhecimento da percepção. Já o susto e a surpresa demonstram o contrário, não houve preparo e isso tem consequências que serão abordadas a seguir na parte II.

Um exemplo de inibição ao princípio de prazer é o que acontece na "Neurose de guerra" (Casos frequentes na época de Freud por ser um período da guerra.)
Este tipo de neurose é semelhante a histeria, pela riqueza dos sintomas motores( este sujeito não apresenta lesão mecânica), seu sofrimento é subjetivo. Quando há uma ferida ou lesão, Freud percebeu que não ocorria a surgimento da neurose.

Freud assemelha a neurose de guerra a neurose traumática, justamente porque em ambas há o fator surpresa/susto envolvido. Os fatores surpresa/susto são decorrentes de situações onde não houve uma preparação. Quando ocorre um evento surpresa não há possibilidade de nomeação - "Não há como rapidamente dar nome aos bois".

Na neurose de guerra ou traumática ocorre algo peculiar que demonstra a inibição do princípio de prazer: pois, quando o sujeito sonha retorna justamente ao exato momento do trauma, onde foi surpreendido, causando um retorno do sofrimento.

O que neste caso faz com que o Princípio de prazer seja inibido?

Outro exemplo da inibição do princípio de prazer são as brincadeiras infantis. Freud observa por algumas semanas as primeiras brincadeiras de seu neto de um ano e meio de idade. Uma brincadeira repetida incansavelmente. Esta criança pouco falava, apresentava alguns sons significativos que eram entendidos pelos familiares. A característica mais importante neste momento é que a criança nunca chorava quando a mãe se ausentava, apesar de ser bastante ligada a ela.

A brincadeira:

A criança atirava todos os objetos pequenos para bem longe de si, para um canto do cômodo ou para debaixo da cama. Este ato era executado com alegria, interesse e satisfação.  Emitindo o seguinte som:"o-o-o-o-o", que a mãe julgava e nomeava como: "fort" (foi-se). Freud diz: "Finalmente me dei conta de que isso era uma brincadeira, e de que a criança apenas utilizava seus brinquedos para brincar de "fortsein"(ter ido embora, estar longe). com eles. Um dia fiz então uma observação que confirmou minha maneira de ver. A criança estava segurando um carretel de madeira enrolado com um cordão. Nunca lhe ocorria, por exemplo, que poderia arrastá-lo no chão atrás de si para brincar de carrinho com ele, mas, ao contrário, atirava o carretel amarrado no cordão com grande destreza para o  alto, de modo que caísse por cima da beirada de seu berço cortinado, onde o objeto desaparecia de sua visão, ao mesmo tempo que pronunciava seu "o-o-o-o" significativo; depois, puxava o carretel pelo cordão de novo para fora da cama e saudava agora seu aparecimento com um alegre "da (está ai, está aqui)" S. Freud. Além do Princípio do prazer (1920)

A brincadeira completa consistia em dois atos: o desaparecimento e o retorno,O primeiro ato era incansavelmente repetido, justamente o momento quando o objeto desaparece. O segundo ato havia um maior prazer(júbilo) envolvido, mas não era repetido tantas vezes.

Interpretação da brincadeira:

A possibilidade de brincar é um grande aquisição cultural à criança, pois trata-se de uma renúncia pulsional à satisfação imediata (Princípio de realidade?). A criança se ressarce de uma perda colocando em cena o brincar (desaparecimento - retorno), utilizando os objetos ao seu alcance. Recurso de linguagem importante, que a criança adquire para lidar com a presença - ausência do objeto.

Elaboração sobre presença/ausência:

- Não é só o outro que desaparece, mas ela também pode desaparecer.
- Frente a ausência do objeto, a criança tem como representá-lo.
- Se existe a possibilidade de ausência, já há uma marca de presença.

Vamos ao ponto fundamental da brincadeira que relaciona-se a inibição do Princípio de prazer: A criança quando brinca repete incansavelmente o  momento em que a mãe se ausenta, ao que parece tempo mais desprazeroso.
.
Neste caso há o princípio do prazer na forma de princípio de realidade(ganho cultural), mas também há repetição incansável do momento mais doloroso. Qual explicação de Freud para isso?

Hipóteses da repetição  do momento de desprazer:

1. A criança repete a brincadeira inteira para finalmente obter prazer no segundo ato. Em parte pode ser isso, entretanto repete a primeira parte muito mais vezes que a segunda parte. Algo tem neste sofrimento que a faz repetir.
2. Impeto (Drang) de processos psíquicos: transformação da passividade (quando a mãe se ausenta) em atividade (quando ao brincar vivencia a ausência e o retorno da mãe). Quem domina a cena é a criança. Quando sai da passividade para atividade a criança desloca de si o sofrimento para um componente da brincadeira.
3. Quando a criança atira o objeto no chão (primeiro ato) a fim de que este desapareça existe além do sofrimento envolvido, uma afronta a mãe (impulso de vingança): "É vá embora, não preciso de você. Eu mesmo te mando embora" S. Freud. Além do Princípio do prazer (1920)

Em relação ao brincar todas essas hipóteses podem ser verdadeiras, entretanto o que está em jogo nesta pesquisa é algo que vai além do princípio do prazer, tendências mais arcaicas que atuariam de forma mais independente do princípio do prazer, Existe o princípio do prazer, mas também existe algo além do princípio do prazer, diria até aquém (mais arcaico) do Princípio do prazer,

Até esse momento Freud não introduziu a pulsão de morte. Ele parte daquilo que não é para chegar no que é....muito bom!!!!

Na parte três, Freud inicia abordando as mudanças ao longo de 20 anos do trabalho na clínica psicanalítica.  Por que será que Freud se remete a clínica para introduzir a pulsão de morte?
Há 20 anos atrás o trabalho do analista era ouvir o analisante, decifrava o inconsciente não conhecido pelo doente, organizava esse material e comunicava isso. Com este manejo o analista não tinha êxito em seu objetivo terapêutico. Vinte anos depois: a posição do analisante é ativa,o sujeito recorda, elabora e conclui. A resistência é inerente ao processo de análise, Outro ponto importante da clínica é em relação ao inconsciente: pois neste sempre haverão lacunas, pela própria constituição subjetiva, ou seja, é impossível saber tudo.  A transferência tem lugar importante/fundamental no trabalho clínico, talvez o ponto principal de uma análise.

O sujeito em transferência  repete o recalcado como se isso fosse vivido no presente. Trata-se de uma recordação revivida com o analista  e que o sujeito desconhece.
Sobre a repetição do sujeito na transferência, Freud diz: "Na verdade. ele se vê mais forçado a repetir o recalcado como se fosse uma vivência do presente do que_tal como naturalmente seria a intenção do médico _ ao recordá-lo como sendo um Fragmento do passado. A reprodução que então emerge com uma fidelidade tão indesejada invariavelmente se desenrola no campo da relação transferencial com o médico e tem sempre como conteúdo um fragmento da vida sexual infantil, ou seja, do complexo de Édipo e de seus sucedâneos. " S. Freud. Além do Princípio do prazer (1920)

Essa repetição do recalcado  que se manifesta no decorrer do trabalho analítico Freud denomina de:Compulsão a repetição. As resistências que se impõe no decorrer da análise são provenientes dos "sistemas superiores" que originalmente produziram o recalque, entretanto a princípio essas resistências são Ics, mas isto se modifica. Isso não ficou claro, neste parágrafo, Freud logo abaixo aborda a questão de qual sistema é responsável pela resistência. Na realidade, o autor propõe a não oposição entre o Ics-Cs. Sugerindo que grande parte do Eu é inconsciente, além disso, aquilo que chamamos de pré-consciente condiz com uma pequena parcela do Eu, As resistências são do Eu e a compulsão a repetição é atribuído ao recalcado, inconsciente.

Em análise a ideia é evocar o Princípio de realidade, a fim de que o material recalcado advenha. O processo analítico conduz a um afrouxamento do recalque, advindo assim a compulsão a repetição. Já as resistências parecem estar a serviço do Principio do Prazer, na procura de evitar o desprazer que a liberação do recalcado provoca. 

Freud então coloca uma questão: como se estabelece a relação entre Princípio de prazer e Compulsão a repetição, que é a manifestação da força do recalcado? 
Quase tudo que é revivido pelo analisante a partir da compulsão a repetição causa desprazer, até porque trata-se do recalcado, mas enquanto para um sistema é desprazeroso, para outro sistema não o é. Por isso, não há contradição ao Princípio de prazer.

Freud aponta um fato novo: "O fato novo e impressionante que iremos descrever em seguida é que a compulsão à repetição também faz retornar certas experiências do passado que não incluem nenhuma possibilidade de prazer e que, de fato, em nenhum momento teriam proporcionado satisfações prazerosas, nem mesmo para moções pulsionais recalcadas naquela ocasião do passado." S. Freud. Além do Princípio do prazer (1920)

Existe algo do recalcado que é desprazeroso para qualquer sistema e que insiste em advir. Do que fala Freud? Se é tão desprazerosa porque impõe sua presença? É impossível eliminar isso que causa tamanho desprazer? 

A própria constituição da sexualidade é algo de extremo desprazer. Imagine um corpo despreparado recebendo uma intensidade de excitações? O encontro do bebê com o amor e os desejos infantis intoleráveis e inconciliáveis; a impossibilidade de por vezes nomear ou organizar essas sensações,  frustrações e privações. Enfim todas essas sensações são profundamente dolorosas que no processo analítico surgem através da compulsão a repetição e são repetidas pelo neurótico na transferência. 
A compulsão a repetição vai além do trabalho analítico, muitas vezes é essa repetição que nos faz buscar uma análise. É como se revivêssemos essas sensações dolorosas, através de perseguições, amores, desamores que criamos (criação forçada).

"Ao levarmos em conta essas observações a respeito da transferência e a fatalidade presente no destino de tantos seres humanos, nos vemos encorajados a assumir a hipótese de que realmente existe na vida psíquica uma compulsão a repetição que ultrapassa o princípio de prazer. Estaremos também inclinados a relacionar essa compulsão aos sonhos que ocorrem na neurose traumática, bem como ao impulso da criança para a brincadeira, Contudo não podemos esquecer que são raros os casos em que os efeitos da compulsão a repetição se manifestem e são observáveis em estado puro, sem a participação de outros motivos."S. Freud. Além do Princípio do prazer (1920)

Finalmente, a compulsão a repetição ultrapassa o principio de prazer, entretanto o funcionamento de um não inibe o funcionamento do outro, podem atuar ao mesmo tempo só que em sistemas diferentes. A compulsão a repetição parece mais arcaico, elementar e mais pulsional do que o Princípio do prazer ao qual ela suplanta. Freud apresenta então a Pulsão de morte.


Continua... 







Paula Adriana Neves Couto
Psicanalista
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