terça-feira, 21 de agosto de 2012

Desejo de saber


A sociedade hoje é extremamente imediatista e visual. Temos a ilusão que sabemos sobre tudo e se não sabemos sobre algo é que ainda não fizemos uma busca na internet.

Basta uma palavra buscada, aparecem conceitos, sinônimos, filosofias, crônicas e filmes. Como um passe de mágica, do não saber, passamos ao saber. Com a internet temos a sensação de que temos acesso a toda informação, podemos saber e entender sobre tudo, e aquilo que desconhecemos basta  procurar no Google. Do saber ao não saber não há distância.

Temos acesso a milhões de informações, mas quais delas apreendemos de fato, em nossas vidas?  Acredito que para sabermos realmente sobre algo é necessário que  este conhecimento advenha de nosso interior para o exterior e que a partir dessas informações consigamos fazer articulações. A princípio trata-se de um desejo de saber, um  enigma é colocado. A partir dai procuramos significações. Neste pequeno movimento de nos questionar existe um trabalho criativo, intelectual  e instigante.

Será que quando encontramos o conhecimento pronto e um “modo de fazer” pré- estabelecido. De alguma forma não estamos apenas repetindo o mesmo? Não deixando um espaço para surgir o novo?

Quando crianças, geralmente, temos uma intensa curiosidade sobre nós e os outros. Da onde nascem os bebês? Desejo de saber sobre nossa origem. Todo conhecimento nasce deste desejo de saber sobre a natureza, o corpo, sobre o que existe e é, em algum momento, obscuro para nós. Querer saber sempre revela uma falta, a de que não sabemos. A ignorância é nosso estado natural, mas o desejo de saber é o que nos coloca dentro da cultura, mesmo que ele não seja mais do que um processo em busca do saber.

Na sociedade atual tenho a impressão que existe a tentativa de se saber sobre tudo, mas sem saber sobre nada de fato. A internet nos responde sobre tudo, mas muitas vezes respostas equivocadas. Não deixando espaço para o não saber, uma tentativa de tamponar a falta, não havendo espaço para a ignorância. Por outro lado a ignorância em nossa sociedade é vista de forma pejorativa, como se o não saber fosse algo vergonhoso, mas saber por saber sem desejo, adianta para que?

Sábios de fato são aqueles que, como Sócrates assumem o sei-que-nada-sei, ou seja, descobrem que o saber está na caminhada e não o objetivo, que sua construção é a busca e não um estágio final bem-aventurado onde toda dúvida se dissipa. As descobertas, seja na ciência, seja na vida, são sempre momentos, passos, num caminho infinito de buscas.

 

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Perda, despedida e o luto...



Há alguns venho me despedindo: de amigos, dos meus pais, de um trabalho, de uma imagem de mim. Dessas perdas, algumas  abri mão para buscar algo melhor,  outras foram obrigatórias, mas tanto num caso quanto sempre dói perder. Quando perdemos algo ou alguém parece que pelo menos momentaneamente uma parte de nós se vai junto com aquele ou aquilo que partiu.

Alguns amigos se vão porque deixam de compartilhar nossa felicidade, tristezas e ambições. Meus pais se foram por conta do fim trazido pela morte. Nossa como dói perder alguém que amamos.

O trabalho se foi porque ao longo do tempo eu tinha um sonho que fui construindo ao longo do tempo, uma nova perspectiva. Tive que fazer escolhas, e quando escolhemos algo deixamos para trás.

Entretanto voluntaria ou involuntariamente todo final e sua respectiva despedida é triste, mesmo quando sabemos que não temos mais nada a fazer por ali. A lembrança dos momentos felizes, a saudade por aquilo que não aconteceu. Na despedida sentimentos às vezes contraditórios entram na pauta.

Quando perdi minha mãe, percebi que nunca tinha vivido algo parecido. Meu coração doía. Após todos os rituais funerários, voltei para a casa e dormi. No dia seguinte quando vi a luz do Sol percebi que naquele momento eu tinha duas opções, me amargurar com essa perda ou simplesmente viver. Optei pela segunda opção, não que o processo de luto tenha sido fácil. A morte de meu pai se deu no ano seguinte, sofri e chorei e mais uma vez apostei na vida.

O processo de luto é bem doloroso. A princípio cada foto, cada aniversário, dia das mães e dia dos pais parece que nos remete àquela primeira dor, mas ao longo do tempo a perda vai sendo elaborada e permanece a saudade dos momentos felizes e tristes. 

Existem vários estudiosos que abordam a questão da perda e do luto, tema interessante, que eu sempre estudei. Esses autores apontam o processo do luto como uma experiência que traz muita dor e desorganização e nos coloca diante de intensas e difíceis emoções que podem dar a impressão de que a vida nunca mais será a mesma. Realmente, após uma grande perda a vida não é mais a mesma.

Num processo de luto somos levados a construir novos significados tanto para as experiências passadas, quanto presentes, transformando as vivências futuras. Ao mesmo tempo em que passar pelo processo de luto é doloroso, pode ser também fortalecedor, pois ainda que não houvesse o desejo de passar por ele, é possível se restabelecer e crescer com esta experiência. Acho que cresci muito após essas duras perdas, porque não sabia que era tão forte, e nem deixava vir à tona minhas fragilidades.

A morte é a vivência radical da perda e um fato incontestável. Diante da morte não há palavras, entretanto ao longo da vida diariamente perdemos quando escolhemos um amor, um trabalho, sempre perdemos, mas quando escolhemos geralmente apostamos na vitória, mas mesmo quando escolhemos podemos realmente perder, pois não há garantias é sempre um risco viver.

A perda por um amor que se vai, uma viagem que deixou de ser realizada, um projeto que não deu certo, o desemprego, são situações que  abalam e geram um profundo sofrimento, sendo necessário viver um processo de luto para que possamos nos reorganizar.

Sendo assim o luto pode ser uma possibilidade de gerar um caminho interessante, diante da experiência da perda. A vida não será mais a mesma, mas além da experiência da perda podemos carregar em nossa bagagem a experiência de superação e a possibilidade de reconstrução de novas relações e novos sentidos para a vida.

Adriana. 

quarta-feira, 8 de agosto de 2012


Filme Melancolia  Um filme que nos possibilita questionar  nosso posicionamento frente as demandas da cultura, que por mais que façamos, não para de demandar: um casamento, um trabalho, ser uma ótima filha, uma ótima irmã...

A ilusão do amor como complemento.

O Real que se coloca no choque dos planetas e o fim dos tempos como irremediável. E as diversas possibilidades de lidar com isso. Neste momento surpreendidos, falta-nos a palavra só nos resta nos re-inventar com toda a simplicidade...

Título Original: Melancholia
País de Origem: Dinamarca, França, Alemanha, Itália e Suécia
Gênero: Ficção Científica
Tempo de Duração: 130 minutos
Ano de Lançamento: 2011
Direção: Lars von Trier


INSTANTE DE VER:

Desde o primeiro momento deste filme, percebe-se o jogo de imagens e sons. Significantes que aparecem e desaparecem, como num jogo de ausência e presença, que é próprio ao significante. Algo que nos intriga, mas ao mesmo tempo causa-nos certo estranhamento. Uma narrativa do filme através de imagens, como num sonho.

É Interessante que como numa sessão de análise esses significantes, mesmo que desarticulados, sem significação, parecem que dizem algo do sujeito. E que ao final do filme e no decorrer das sessões, é justamente, através das significações dadas essas imagens que aparecem repetidamente  apresentam um sentido inconsciente.

A insustentável leveza do ser: A imagem desesperançada de Justine/ Justine  envolta em borboletas/noiva/ Justine maestro/soltando certa luz pelas mãos/ Noiva carregando um grande peso, tentando seguir em frente/apesar de presa/ Uma pessoa carregando outra/pegadas/ Noiva morta/ Solidão

Queda: Folhas que caem/ Cavalo caído

Final dos tempos: Relógio /2 tempos do filme/Movimento de um Planeta/ 2 planetas (um grande/pequeno)/ 2 planetas se chocando/2 planetas próximos se dissolvendo.

TEMPO DE COMPREENDER
Primeira parte: JUSTINE

O filme propriamente dito se inicia com a ida de Justine e Michael ao próprio casamento. Eles estão numa limusine branca e tentam atravessar uma pequena estrada de terra. Já neste instante percebe-se certo descompasso, através de idas e vindas do casal conseguem passar por essa sinuosa e minúscula via e finalmente chegam ao próprio casamento. Comemoração organizada pela irmã de Justine e pelo cunhado milionário. Neste momento já é possível pensar: esse casamento realiza o sonho de quem?Justine, ou Claire? Casamento com tudo que o sonho capitalista pode oferecer: limusine, jantar elegante, marido fantástico, pais presentes, convidados vestidos luxuosos e regras a serem preenchidas.

 Entretanto, já neste momento percebemos certa tristeza ,ausência da noiva e um peso nas pernas, como se tivesse impossível se sustentar. Ao que parece Justine não está implicada ao que supostamente seria a felicidade capitalista ou ao seu casamento,  mas a que Justine está implicada?  A responder a demanda do Outro. Mas como? Se nem ao menos sabe o que quer?Como se perguntasse a todos: O que queres? Vê-se em situações e lugares em que não gostaria de estar. Em nome do amor, ou para ser amada e por sua inconsistência Justine fica a mercê do capricho do Outro.

Chegam horas atrasados ao próprio casamento. Justine frustra a irmã e consequentemente se frustra, porque neste momento o que quer, apesar de não conseguir sustentar é corresponder a demanda da irmã.Além disso frustra os seus próprios ideais de perfeição, inerentes ao neurótico. Quanto maior os ideais, maior será a decepção. Porque a própria estrutura da neurose é insustentável.

Outro ponto importante, diz respeito a relação de Justine com seus pais, e algumas marcas desses pais, aparecem em Justine.

Pai : Homem sarcástico, brinca com as leis/regras. Ausente e não implicado com as filhas. Em sua fala demonstra total desconhecimento sobre Justine:   “Você está linda e radiante” – “ Eu nunca te vi mais feliz do que hoje” Sendo que é perceptível a infelicidade da filha.  Justine apesar de decepcionada com essa figura tenta salvá-lo, mantê-lo numa posição dentro da constelação familiar, mas o pai a decepciona/a frustra, pois ele foge.

Mãe: Essa mulher ao que parece, apesar de sua dureza está decepcionada com o amor, mas o utiliza na via contrária no ódio e na amargura. Para ela, Justine não deveria se casar para não se decepcionar: “Justine se você tem alguma ambição, não foi herdada pelo lado paterno da família” “Eu não acredito em casamento.”De alguma maneira, essa mãe é uma referência para Justine e se identifica com ela. Justine ambiciosa é uma ótima profissional e se sustenta nesta posição. E é justamente nas questões afetivas que a fazem mancar. E através de uma metáfora aborda suas dificuldades no amor: “Eu tenho dificuldade de andar corretamente.”“Então vá embora mancando. Pare de sonhar Justine” “Eu tenho medo – Então ignore”“Agora saia daqui.”

Justine na tentativa de corresponder às demandas de amor da irmã, da mãe e do pai e dos seus próprios ideais vive um conflito, pois percebe sua insustentabilidade. Além da família, tem o noivo. Será que Justine o ama? Ou será que ele é apenas um figurante deste drama? 

O noivo somente sorri desconcertado frente a inconsistência de Justine e de sua família.  “Eu nunca sonhei que teria uma esposa tão linda como você.” “Eu te amo.” Percebendo a tristeza a frustração de Justine, coloca-se como o responsável pelo mal estar que a moça sente. “A culpa é minha por seu mal estar”  e foge, como o pai.

Será que existem culpados, ou será que são todas vítimas de uma neurose, ou da própria fragilidade  que circunda o mal estar no ser humano. É difícil abrir mão dos ideais, assumir suas próprias responsabilidades, implicar com seus desejos.

No consultório ouvimos diariamente as narrativas de nossos analisantes: Suas queixas, suas repetições, lutos, suas dores, ações e reações ao amor e desamor.  Numa análise, como analistas, mas que dependem do analisante, temos vários objetivos, um deles é que o sujeito possa reconstruir a sua história, através das suas significações e ressignificações, outro objetivo, é que esses ideais intangíveis tornem-se tangíveis/possíveis, porque os ideais são importantes, pois sustentam, aquilo que é insustentável, mas não podem manter o sujeito paralisado frente a qualquer frustração.

Esse primeiro momento do filme, aborda também as questões imaginárias, dos ideais próprios e da sociedade e consequentemente das demandas de amor e das frustrações. Justine acreditou poder sustentar uma nova posição: sorrindo, mas como sorrir diante da decepção e frustração.

Justine, neste primeiro momento, perde....

Não sustenta a posição de casada, de mulher, se ausenta do próprio sexo com o Marido, para transar com um outro  durante o próprio casamento. Michael solicita uma posição que ela não consegue sustentar. E diz: “Poderia ter sido diferente” “É poderia, mas também o que você esperava?” Tem razão...

E agora José

Está sem trabalho...

Está sem marido...

Está sem irmã...

Está sem pai, nem mãe..

E agora José...

MOMENTO DE CONCLUIR:
Segunda parte: Claire

Justine cai em depressão, Claire tenta  sustentar mais uma vez sua irmã, entretanto essa sustentação  vem do marido: homem, uma figura fálica,  de posses que garante a felicidade de Claire e ao mesmo tempo uma  sustentação “do saber”, garantindo sua vida, a do filho e de Justine. Diante da ameaça do mundo acabar graças ao choque do planeta Melancholia  e o  planeta terra.

Claire não mede esforços para inserir Justine em seu mundo sofisticado e elegante e num segundo momento a realidade concreta. Justine demonstra traços depressivos extremamente profundos, como na cena e que ela sequer consegue se levantar para tomar banho. O quadro de apatia, anunciado na primeira parte do filme, certa fragilidade,  aqui aparece como um estado melancólico.  Na cena em que Justine come o apetitoso rocambole de carne feito por Claire, e então põe-se a chorar dizendo sentir apenas o gosto de cinzas, coloca-se de forma dramática a coisa insossa que é a vida diante de um melancólico. Para ele, não há prazer possível.

A tristeza, o mal estar, é uma condição como a alegria. Atualmente, ao menor sinal de tristeza, utilizam-se os fârmacos, pois é proibido falar e sentir tristeza ou qualquer mal estar. Diz o slogan: “Sorria você está sendo filmado.”

No filme, Justine demonstra a exacerbação de uma tristeza, o que num primeiro momento poderíamos pensar: trata-se de uma melancolia? Entretanto, através da primeira parte do filme, podemos perceber em Justine apresenta uma estrutura neurótica e por isso não poderia se tratar de uma melancolia, mas sim uma depressão neurótica. O que vem ao encontro da primeira parte do, onde Justine perde todos os objetos pelos quais investia, além de “desinvestir-se”. Justine em grande parte do filme está perdida. E Claire, só não está porque de alguma forma este marido e filho a sustenta, o amor a sustenta e lhe dá uma possibilidade de gozo.

Talvez Justine seja mais corajosa que Claire principalmente na segunda parte quando diante da ameaça, Justine espera o final, despida de qualquer artimanha e sem se segurar em ninguém, ao contrário sustentando sua irmã e seu sobrinho, já que diante da ameaça o marido se suicida.

Mais do que o choque entre os planetas e um suposto final dos tempos, como foi bem marcado no início do filme através das imagens. Podemos pensar sobre um final de análise. Diante da queda dos objetos, das identificações, das demandas, chegamos ao desejo (simbólico) e a morte (real, castração). Só neste momento é possível se reinventar, lidar com a vida de maneira diferente. Como se cada dia fosse o último dia, através da própria singularidade de cada um.  E tudo isso, graças a perdas: é perder para ganhar. 

O filme Melancolia é um convite a várias interpretações, mas a mim soa como um convite a pensar o amor,desamor, a insustentável leveza do ser e o ser diante do inevitável: a morte.










Por ser tímida e introspectiva desde pequena,  sempre gostei de observar as pessoas, os comportamentos e a personalidade. Algo que me intriga e instiga é a questão da imagem. Penso a imagem como uma invenção de si mesmo. E como essa invenção de si mesmo faz toda a diferença. Por isso que as vezes nos sentimos estranhos quando alguém fala alguma faceta de nós mesmos que não reconhecemos como nossa e que faz parte de nós, mas faz. 

Eu sempre acreditei na imagem, no estereótipo, naquilo que a pessoa acreditava que era e sempre acreditei na minha própria imagem. Entretanto, ao que parece essa imagem nem sempre corresponde aos fatos. Às vezes as pessoas “se acham” isso ou aquilo, 

No consultório isso é muito comum, por exemplo, uma mulher linda e inteligente, as vezes possui uma auto imagem distorcida, e sente e burra, não conseguindo interagir com o dia a dia, por conta desta imagem e em todas as suas relações se posiciona desta maneira. Não adianta você falar para ela: “menina você é tão linda, tão inteligente, é claro que ele iria gostar de você.” O caso da anorexia é outro exemplo mais radical desta distorção, a menina já esta muito magra, e quando olha no espelho se vê obesa, e não come nada, e as vezes morre por conta desta distorção. Sendo assim, podemos pensar e nos questionar de onde se origina essa imagem que construímos de nós mesmos.

Essa imagem e ideais que temos sobre nós e o mundo foi constituído desde muito cedo em nossas vidas, e geralmente são recalcados mantendo-se no inconsciente, mas interferem diretamente na vida de cada um, pois enxergamos o mundo sob essa perspectiva particular. Sendo assim o meio sofre muito mais a interferência do nosso olhar, do que o contrário.

A vida se torna muito mais leve, a medida que vamos desconstruindo esses ideais, quando esse Eu vai se livrando dessas identificações construídas ao longo da vida. Pois por um lado essa imagem num determinado, momento quando éramos pequeninos foi muito importante, foi constituinte para sermos seres de linguagem, entretanto é importante que essas identificações sejam desconstruídas passo a passo. Os ideais são importantes, pois são eles que possibilitam termos repertórios para lidar com a vida, entretanto esses mesmos ideais podem ser massacrantes e paralisantes, pois buscamos a perfeição, a complementação. E a realidade geralmente é repleta de obstáculos, frustrações e imperfeições. Já dizia o poeta:

“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.” Fernando Pessoa.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Rompimento amoroso

Depois de tanto falar de amor, hoje pretendo discutir sobre o rompimento amoroso.

No término de uma relação sempre há uma sensação de que algo deixou de ser feito, ou falado. 
Como psicanalista acredito que a fala faz toda a diferença em qualquer tipo de relação, inclusive no amor.
Como é difícil lidar com o fim, diante disso faltam as tais palavras, sobram as sensações.
O termino de um relacionamento amoroso, faz com que tenhamos que lidar com todas as nossas perdas.
No dia seguinte ao acordarmos e  pensamos, "não foi um pesadelo, isso realmente aconteceu", sentamos em nossa cama e retomamos ponto a ponto, a série de diálogos, surgem os arrependimentos," talvez se eu não tivesse falado isso, mas falei." E tem uma voz interior que nos diz....A vida segue...ou....você é uma porcaria, sempre fala a coisa errada. 

Abrimos o guarda roupa e escolhemos a melhor roupa, maquiagem....Ele vai ver o que perdeu....
Abrimos o guarda roupa e não escolhemos nada...apenas seguimos em frente...ou
Não abrimos o guarda roupa, mas telefonamos desesperadas para o nosso ex, numa tentativa de  reaproximação. ou ainda
Colocamos aquela música, relembramos os momentos preciosos de convivência e choramos.  

Enfim, cada um lida com o amor e com o seu rompimento de uma maneira particular, mas a cada fim somos colocados frente ao limite.

Um corte foi colocado, algo terá que ser repensado ou não. Somos seres constituídos por perdas e separações: separamos de nossa mãe, de nosso pai, de nosso corpo infantil, de nossos sonhos mirabolantes da adolescência, daquele nosso melhor amigo,  do nosso primeiro amor, segundo amor....

Entretanto são justamente essas perdas e separações que nos possibilitam crescer, sermos seres autônomos, sujeitos de nosso próprio desejo, sempre inapreensível. Enfim é perder para ganhar...

No auge de nossa dor é impossível perceber a perda como algo que nos faça amadurecer. Neste momento é importante vivermos a dor e a tristeza, pois ela geralmente passa...E quando realmente falamos sobre a nossa dor, choramos pelo nosso rompimento, existe a possibilidade da elaboração, a fim de que o novo advenha, como uma nova possibilidade e não como a repetição dos antigos amores.  

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Ainda o amor....


Para a psicanálise o amor surge do desamparo e da percepção da finitude: Freud em “Inibição, Sintoma e Ansiedade” (1926 ), descreve o extenso período em que o recém nascido da espécie humana acha-se em condição de desamparo e dependência. O bebê humano chega ao mundo em condições de inconclusão ou seja,  ele nasce totalmente dependente de outro ser, sua mãe.
A mãe(cuidador) lhe apresenta o amor através de seus cuidados, pois além de satisfazer as necessidades básicas do bebê a mãe lhe dá amor.  Quando o bebê tem a percepção  que é uma entidade separada da mãe, e ainda não tem condições de viver sem ela. O bebê passa a percorrer a trilha do amor e do desejo.  A separação da mãe significa autonomia e singularidade, mas também é uma grande fonte de ansiedade e angústia. A única forma de solucioná-la é pela via do amor. A partir desta primeira relação, normalmente com a mãe, surgirão alguns padrões, que determinarão a forma como serão conduzidas as relações afetivas futuras.
A percepção da finitude acontece mais tarde, e gera grande angústia. O homem percebe, ainda que na maioria das vezes com pouca clareza, que  tanto seu nascimento quanto sua morte independem da sua vontade. A percepção de sua impotência mais a percepção da separação e, conseqüentemente sua solidão, originam o desejo de libertar-se através da união com outro ser humano: amor.
Em qualquer investimento que fazemos, o desejo é peça fundamental, pois ele nos impulsiona Em nossas buscas imaginárias ou reais. Por que dentre milhões de pessoas, a paixão ocorre por apenas uma?”.  “Cada amor é a peça que falta no próprio desejo”.
No amor romântico, procura-se recuperar os amores dos primeiros desejos, encontrando no presente, figuras amadas do passado: o pai ou a mãe inacessíveis da paixão edipiana, a mãe do amor incondicional da infância, a união simbiótica na qual dois “eus”  confundem-se, como foi outrora.
A partir do encontro amoroso, surgem as diversas maneiras de relacionar-se, mas independente da forma de amar, existe a questão do retorno ao primeiro desejo. Para ele o amor complementar – nasce a partir das expectativas de que o outro, possa preencher a solidão e diminuir a dor. Idealiza-se o amor antes mesmo de encontrá-lo. É o reencontro com as próprias expectativas: a de que outra pessoa  resolva ou preencha suas faltas. O desejo sexual, na maioria das vezes ocorre pela angústia e não pela erotização, propriamente dita.
Chico Buarque, conhecido cantor e compositor brasileiro, coloca muito claramente a situação do amor idealizado na música, através da metáfora do entrelaçar das pernas ou da desordem do armário embutido.....onde existe a idéia da fusão entre o sujeito e o parceiro.

Eu te amo

                                                                        
   (Chico Buarque de Holanda)

Ah, se já perdemos a noção da hora, se juntos já jogamos tudo fora, me conta agora como hei de partir....
Ah, se ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios, rompi com o mundo queimei meus navios. Me diz pra aonde ainda posso ir....
Se nós, nas travessuras das noites eternas, já confundimos tanto as nossas pernas, diz com que pernas eu devo seguir...
Sim, entornaste a nossa sorte pelo chão, se na bagunça do teu coração, meu sangue errou de veia e se perdeu...
Como se na desordem do armário embutido, meu palito enlaça seu vestido, e o meu sapato ainda pisa  no teu.
Como se nos amamos feito dois pagãos, teus seios, ainda estão nas minhas mãos, me explica com que cara ainda vou sair. Não, acho que estas só  fazendo de tonta, te dei meus olhos para tomaste conta, agora conta como hei de partir