terça-feira, 31 de julho de 2012

O amor no decorrer dos tempos

As concepções sobre o amor romântico foram se modificando no decorrer dos tempos. Mudanças externas  inseridas pela sociedade. Num primeiro momento  pela necessidade de manter a ordem, estabilidade e o controle das riquezas existiu o casamento por conveniência e o amor era colocado como algo da fantasia. Não existia a consequência: nos amamos e por isso nos casamos.   
A Igreja e outras instituições estipularam uma série de valores e normas dirigidas ao amor. Inicialmente o amor só poderia existir se fosse por Deus. Já na sociedade de cortesia o amor por Deus é deslocado para a imagem da Dama, que não se trata de alguém real, mas algo inatingível. Os casamentos nesta época eram feitos por “arranjos comerciais”.  O amor real não existia, podia somente ser vivido na fantasia do “enamorado” e do poeta.
O amor cortês foi a primeira manifestação do amor como hoje conhecemos: uma relação pessoal. Surgiu no século XII com os trovadores pertencentes à nobreza da Provença, mais tarde estendeu-se a outras regiões da Europa. Até então, o que havia era o desejo sexual e a busca de sua satisfação, muito diferente da experiência do apaixonar-se vivida por esses jovens. Do amor fazem parte a aventura e a liberdade e não as obrigações e  as dívidas. A virtude era o atributo que isentava esse amor de toda carnalidade. Os trovadores nunca cantavam o amor consumado. A maioria rejeitava claramente todo desejo de possuir suas damas. Exaltavam o amor infeliz, eternamente insatisfeito.
Poesia do amor cortês, a exaltação do amor, a visão da mulher idealizada e a não concretização do amor.
(Sem Título) 


Preguntar-vos quero por Deus,
senhor fremosa, que vos fez
mesurada e de bom prez (1),
que pecados foron os meus
que nunca tevestes por bem
de nunca mi fazerdes bem.
Pero (2) sempre vos soub'amar
des aquel dia que vos vi,
mais que os meus olhos em mi,
e assi o quis Deus guisar (3)
que nunca tevestes por bem
de nunca mi fazerdes bem.
Des que vos vi, sempr' o maior
bem que vos podia querer,
vos quiji (4) a todo meu poder;
e pero quis nostro senhor
que nunca tevestes por bem
de nunca mi fazerdes bem.
                              D. Dinis

 Os casamentos nesta época eram considerados uma maneira de manter a ordem, riqueza e a reprodução. O matrimônio impõe o sério e a compostura. Nas relações entre os cônjuges  poderia existir estima, mas não o amor.  A paixão, o desejo, o impulso sexual eram entendidos como desordem e perturbação.
Em nossa cultura, concepções a respeito do amor romântico foram  transformando-se e atualmente na sociedade atual as pessoas estão buscando consumir; o efêmero para proteger-se contra a intimidade, tornando–se indiferentes umas as outras. Esse fato não ocorre somente com o amor romântico, mas com as atitudes e comportamentos.
 Apesar de vivermos numa sociedade consumista e efêmera, o amor romântico tem um grande espaço na realidade e no desejo de cada indivíduo. O amor passa a ser uma meta. Tenta-se a cada relacionamento encontrá-lo, mas ao mesmo tempo,  as dificuldades e a intimidade que o amor real exige não são toleradas. Enfim busca-se um relacionamento amoroso, mas para acontecer a intimidade, nossas imperfeições e as dos outros vêm a tona. Será que estamos dispostos a pagar este preço?

segunda-feira, 30 de julho de 2012

A idealização do amor romântico


O amor romântico na atualidade é uma experiência que na maioria das vezes é percebida como uma recompensa aos obstáculos que a vida apresenta, vivido como uma recompensa. Sendo assim, a vivência de um amor supostamente daria a garantia da perfeição e complementação. Qualquer diferença ou obstáculo que os parceiros encontrem não é sentido e percebido como amor. 

Em nossa cultura o amor romântico aparece em toda parte: na literatura e teatro - romances como Romeu e Julieta e no Mito Tristão e Isolda que consistem Na exaltação do amor. Ambas histórias apresentam obstáculos aos parceiros. Obstáculos gratuitos, mas que levam os protagonistas a sofrerem e lutarem pela realização desse amor e finalmente quando conseguem superá-los, criam obstáculos imaginários, separando–se definitivamente. Os dois casais acabam morrendo, em nome desse sentimento, exaltando a possibilidade do amor eterno. Nos contos de fada, como Cinderela e a Bela Adormecida, os parceiros lutam para realizarem seu amor. Geralmente o casal mal se conhece e a história refere-se à fase da conquista e quando finalmente, os parceiros conseguem ficar juntos, a história termina, com a metáfora: “Casaram-se e foram felizes para sempre”.

Nas novelas da TV, via de regra, vale tudo em nome do amor e da felicidade. O casal passa a novela inteira lutando para ficarem juntos, passando por diversos obstáculos: inveja e inimizades e, quando finalmente conseguem ultrapassar todas as dificuldades, a novela termina. Penso que nessas histórias, existe uma exaltação do amor e não dos parceiros, ama-se o fato de amar. Apaixona-se pela paixão.

Quase todas as pessoas em nossa cultura, estão aprisionadas pela idéia de que só é possível haver felicidade se existir um grande amor. Não importa muito se a relação amorosa é limitante ou tediosa. Qualquer coisa é melhor do que ficar sozinho. O fundamental é ter alguém ao lado, o restante constrói-se ou modifica-se como num passe de mágica. Busca-se então desesperadamente o amor pelo medo da solidão. A pessoa amada não é percebida com clareza, mas através de uma névoa que distorce o real.

Para manter-se envolto na névoa que cobre o amor romântico, depois de algum tempo, é necessário que o outro corresponda à idealização, evitando qualquer intimidade real, calando-se sobre os pensamentos e sentimentos mais íntimos, bem como evitando o aprofundamento do relacionamento físico. Enfim esta visão do amor romântico idealizada construída no decorrer dos tempos é geralmente um impecilho à vida real, pois uma relação de amor é construída por dois seres humanos reais, sujeito a qualidades e defeitos. Sujeitos também a obstáculos diários, a tristezas e alegrias. Talvez, colocar a relação amorosa como algo real, com seus altos e baixos, seja a única possibilidade de viver uma relação com o amor.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Ser mulher...

Somos seres constituídos pela falta: à medida que estamos inseridos na cultura, somos homens ou mulheres, não podemos fazer tudo que nos dá prazer, alias, aquilo que é prazer para alguns é desprazer para outros, enfim é impossível sermos completos, preenchidos, apesar de almejarmos isso o tempo todo.
Somos seres que nascemos como consequência de  uma falta. A mulher por sua  constituição é não toda, e segundo Freud apresenta o penisneid, a inveja do pênis e o desejo de ser mãe advém justamente desta falta. Enfim, nascemos do desejo, pois há falta, há movimento.
Ter um bebê, segundo Freud é uma das saídas para feminilidade. Esse bebê (menino ou menina) vai ocupar pelo menos por um tempo, o lugar de falo para esta mãe. A mulher quando está grávida, imagina este bebê, cria inúmeras expectativas. Enfim, existe um bebê imaginado
Quando o bebê real nasce, geralmente não há uma intersecção entre o bebê imaginado e o bebê real. Para que ele ocupe o lugar de falo no desejo da mãe, é necessário um “banho de imaginário neste bebê real”. O bebê real é insustentável. Aquilo que faz esse recobrimento é o narcisismo. Neste primeiro momento, apesar de já ter nascido. O bebê, é uma parte do corpo da mãe, mas para isso, há uma suposição: falta algo a ela para este bebê preencher.
Ai está um curto circuito, o bebê só preenche porque há falta, mas também por um longo tempo vai perceber a mãe como preenchida. Até que num determinado momento: existe a percepção da mãe  como castrada. A mãe é não toda.
Na menina a  percepção da falta da mãe a conduz à sua própria falta. É um momento fundamental, pois a mãe é seu objeto de amor e de identificação. A relação mãe menina é passional e esse desenlace é devastador. A figura paterna não faz essa substituição (da mãe para o pai, como no caso dos meninos).Não há um deslocamento instintual da mãe para o pai. Há uma decepção.
A menina desloca-se para o pai, porque nele está a possibilidade de receber o falo. No Édipo: a menina se identifica com a mãe, e o seu objeto de amor é o pai, entretanto como não ocorreu uma substituição, o amor que a menina tem pelo pai, é um deslocamento da relação que a menina tinha com sua mãe. A figura paterna recobre apenas uma parte desta passionalidade entre mãe e filha,  há um fracasso na metáfora paterna, pois a menina como a mãe é não toda e seria impossível esta substituição.Quanto a saída do Édipo,  Freud propões três possibilidades de saídas:
ü  Maternidade
ü  Aceita a sua falta: Máscara fálica.
ü  Retorna a fase anterior – posição masculina/homossexual.
Como mulher e praticante da psicanálise  sempre penso: como lido com a falta estrutural já que é inerente? Será que cada estrutura tem um jeito próprio de lidar com isso? Como isso se reflete na realidade e na clínica?

terça-feira, 24 de julho de 2012

A menina e sua mãe.

A menina entra no Complexo de Édipo a partir do complexo de castração. Entretanto no momento pré edipiano, tanto no menino como na menina: o primeiro objeto de amor é a mãe.

Frente a castração materna, a menina constata que a mãe não tem o falo, e ela também não o tem. A menina decepcionada apresenta um sentimento de menos valia, inferioridade, mas também responsabiliza a mãe por não ter lhe dado.

“Assim como uma cicatriz, na mulher que reconhece sua ferida narcísica, instala-se um sentimento de inferioridade.”[1]  É a partir do narcisismo, das identificações que a que inveja do pênis (penisneid) traduz seus primeiros efeitos.  

O complexo de castração prepara a menina para o Complexo de Édipo. “Em vez de destruí-lo, a menina é forçada a abandonar a ligação com a mãe. Através de sua inveja do pênis e entra na situação edipiana como se esta fosse um refúgio.”[i][2]

Em relação ao primado fálico, menina se apoia no narcisismo, e a questão da diferença sexual fica envolta a um vel. Entretanto a menina partilha com os meninos o desprezo que o homem sente pelo sexo feminino.

Ao se julgar inferior torna-se igual ao homem por esse julgamento. Isso ocorre também, em relação a sua mãe. Acrescentando ainda ao fato de que a filha crê que sua mãe não lhe deu um verdadeiro  órgão genital como deu ao menino.

O sexo feminino permanece encoberto e assim é possível a identificação mãe e filha, entretanto relação marcada por esta desvalorização.  A mãe é uma das últimas mulheres a qual se tem a percepção de que é destituída de pênis.

Freud vai sempre se deparar com o mesmo obstáculo: a relação com o pai não faz realmente desaparecer, para a menina, a relação primária à mãe. [ii][3]

O pai neste momento é o elemento central. Essa passagem da mãe ao pai seria um deslocamento da figura materna. Inclusive com características semelhantes da primeira relação. E esse deslocamento(metonímia) acompanha a menina durante a vida adulta, nos relacionamentos amorosos com seus parceiros. É como se a figura paterna jamais substituísse(metáfora) a figura materna.

“Tudo se passa na realidade como se para a menina, o pai nunca substituísse completamente a mãe, como se fosse sempre esta última que continuasse a agir através da figura do primeiro.”[4]

Isso não significa que a menina não esteja assujeitada ao nome-do-pai, senão a menina seria psicótica. Apenas, é impossível que a mulher esteja inscrita totalmente na ordem fálica.

A renúncia do pênis não é tolerada pela menina sem alguma tentativa de compensação. Ela desliza. Ao longo da linha de uma equação simbólica poder-se-ia dizer – do pênis para um bebê como presente – de dar-lhe um filho. Freud aponta ainda que dois desejos permanecem catexizados na menina: desejo de pênis e o desejo de bebê.

Entretanto, existem outras saídas à menina para o Complexo de Édipo. A relação com a mãe permanece muito importante, percebemos isso no trabalho clínico, onde esta figura permanece intensamente presente, como amor ou como rivalidade. 



[1]Freud. A organização sexual infantil 1923
[2] Freud. A organização sexual infantil 1923
[3] Freud. A organização sexual infantil 1923
[4] Andre, S. O que quer uma mulher. P 179



[i] Freud. A organização sexual infantil 1923
[ii]André S. O que quer uma mulher? p 202

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Os impasses da feminilidade


Nesta semana a proposta é abordar a feminilidade. Como podemos pensar a constituição do sujeito feminino pelo viés da psicanálise? Este texto existe muito mais como questão, do que de uma certeza sobre a constituição da feminilidade.

Na clínica, nos deparamos com um mal estar estrutural que norteia a feminilidade. Por esta não ter um significante que a nomeia. No caso do menino existe o significante fálico que lhe dá uma nomeação, um ponto que lhe garante alguma coisa. Esse mal estar relaciona-se a complexidade da constituição do feminino.

Em psicanálise o sexo feminino não está enunciado desde o princípio, trata-se de uma construção. A feminilidade é um se tornar, que paradoxalmente, se inaugura para a menina a partir de seu complexo de masculinidade.

No inconsciente o que fica colocado é o primado fálico. A princípio para a criança tanto menina como menino, todos os seres tem pênis.  A descoberta desta divisão entre os sexos é sempre traumática, para ambos os sexos. Como diz Freud:  a sexualidade permanece traumática: “Enquanto o complexo de Édipo no menino se dissolve sob o efeito do complexo de Castração, o da menina é tornado possível e introduzido pelo complexo de castração.”

A descoberta da castração da mãe acarreta tanto para o menino quanto para a menina, uma desvalorização do personagem materno. A menina, ao tornar a mãe responsável por sua própria falta de pênis, junta esse desprezo um ressentimento, que se traduz por desejo(duplo sentido inveja e desejo) com relação aquele que tem pênis. E como se identificar com a mãe, já que esta a priori já esta numa posição desvalorizada e alvo de ressentimento?
Nas elaborações de Freud a femilidade é colocada como um enígma.
A feminilidade é colocada sob duas vertentes: de um inominável, de um real que faz furo na fala. E de um avesso nomeado pelo primado fálico que nomeia a falta da castração. Vimos que Freud encontra o inominável sob a forma de três figuras: o real da carne(feminino aparece como dessexualizado),  morte(mutismo),lacuna do psiquismo(umbigo do qual giram as representações). Enfim a feminilidade ficaria num lugar da falta de palavras para dar uma significação de si. No viés lacaniano poderíamos pensar a feminilidade com certa aproximação entre real e imaginário e certo distanciamento do simbólico, mas o que isso pode significar?

Freud também articula a feminilidade, através de certa analogia com o Complexo de Édipo masculino, entretanto através de seus estudos, construções e desconstruções aborda a feminilidade como algo de certa complexidade. O Complexo de Édipo feminino inicia-se, quando no menino há sua saída.

Na constituição do sujeito feminino há duas mudanças que supostamente deveriam ocorrer: a primeira em relação ao objeto de amor: do objeto mãe iria para o pai. A outra mudança seria em relação a zona erógena: clitóris deslocaria-se para a vagina.

Segundo Freud a menina não ama seu pai desde o inicio. Em ambos, os menino e a menina,  a mãe é o primeiro objeto de amor: ela é conduzida ao pai progressivamente, através de sua relação com a mãe. A menina frente à castração materna constata que sua mãe não é fálica, é não toda. A menina busca uma compensação a essa falta. Sendo assim é levada a se voltar para o pai, portador do pênis, na esperança de receber dele aquilo que sua mãe, por natureza, não lhe pode dar. Em outros termos, é na medida em que ela quer ter aquilo que falta a sua mãe que se torna uma mulher.
Como não ocorre o recobrimento total desta relação com o Outro, a consequência será em relação a mãe algo do amor/ódio. Algo da ordem do devoramento.
O corte é bem mais sutil o resquício de um primeiro momento é atualizado. A menina em relação a mãe apresenta o amor e o ódio e toda sua constituição se dá por metonímia.
Freud aponta que a maternidade seria uma das saídas para a feminilidade.  As outras duas saídas seriam: masculinização ou o recalque, ou seja a homossexualidade ou o abandono de qualquer sexualidade. Entretanto, em Freud o limite da análise seria: penisneid. A inveja do pênis.
Em Lacan o falo e a castração não mais se colocam como obstáculos à feminilidade, mas ao contrário , como as condições para toda a feminilidade possível. Existe na realidade a insuficiencia da inscrição total da mulher no significante Nome-do-pai, o que acarreta em Freud, na insuficiência superegoica, a mulher não é toda castrada.
"O destino da menina aparece assim, como o de uma metáfora impossível ou de uma luta permanente para se elevar do registro da metonímia para o da metáfora. "
Talvez uma saída feminina para este mal estar estrutural seja aceitar essa impossibilidade. Não como submissão, mas algo de uma aposta na palavra,  no movimento, e finalmente na poesia.


Referências:

André, S. (1986). O que quer uma mulher. Rio de Janeiro. Imago. 1998

Sanada, E. (2006). A/ Mulher e o não saber: Um estudo psicanalítico sobre os avatares da sexualidade feminina. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo.





sexta-feira, 20 de julho de 2012

Os três tempos do Édipo


Primeiro tempo do Édipo:

Segundo Faria (2003), a criança  em relação à mãe, ocupa o lugar previlegiado como falo , se mantém num curto circuito, a identificação fálica por um lado,  lhe dá condições de fazer a passagem de um corpo despedaçado, a uma unidade do eu; entretanto por outro lado,  mantém a criança em um completo assujeitamento diante da onipotência ao Outro.

Esse assujeitamento da criança a esse Outro onipotente, Lacan denominou de Dom: o Dom está relacionado à satisfação que o Outro materno onipotente fornece ou recusa. Para a criança a mãe tem e dá ou não quer dar a satisfação. A frustraçao denomina-se justamente a impossibilidade da demanda ser atendida. Entretanto quando há frustação,   há movimento de busca por um novo objeto. Portanto esse momento de frustração não é tão sentido pela criança como a privação e castração.   

“Só há frustração – a palavra implica isso – se o sujeito entra na reivindicação, na medida em que o objeto é considerado como exigível por direito.”[1]

Segundo Faria (2003), a função paterna, entra em jogo para organizar o mundo simbólico, mantendo a hiância que separa mãe-criança, garantindo esta relação. Esta dialética do desejo, operada através do falo, que funda a possível subjetividade humana. Trata-se na verdade, da luta do sujeito, capturado nesta relação fálica (devoração) com a mãe. Em relação à mãe, o pai já ocupa um lugar desde o início. O pai, no primeiro tempo do Édipo, está presente como uma potência, mas não em ato, e quem autoriza a entrada dele, é o desejo materno.
Em algum momento desta relação(mãe-criança-falo(pai), vai  produzir-se a separação entre a criança e a mãe. De alguma maneira, a mãe deverá deixar de ser “tudo” para a criança, deve deixar de ser “toda” para ela – é o que Freud denomina de castração materna.
A mãe transmite a criança, um lugar terceiro entre ela e a criança, o qual será ocupado, geralmente, pela presença do pai – um homem para quem seu desejo de mulher se vê endereçado.  O pai é um operador simbólico, o qual não remete à existência de nenhum pai da realidade. Trata-se de uma entidade simbólica que ordena uma função que é estruturante do ponto de vista do inconsciente.
Segundo Melman (2004), o pai na cadeia de significantes, não é mais um significante, mas um nome que representa outro nome, que condiz a coisa. Enfim a palavra pai é uma metáfora de nada, mas que pode representar qualquer coisa.

Segundo tempo do Édipo:

Este momento  situa-se a saída da criança de seu “acoplamento” ao desejo materno.
Há uma quebra da ilusão de ser o falo materno, implicando na percepção que a mãe não é fálica. Se a mãe não tem o falo é porque a criança não o é.
Essa dupla incidência da falta se dá segundo Lacan, na ausência e presença da mãe, é porque a mãe pode estar presente, ou ausente que se instaura a falta. A questão da ausência e presença, não se dá de forma concreta, mas sim em relação ao desejo da mãe.
A criança, frente a essa “situação” de ausência e presença da mãe é inserida no campo simbólico, com o objetivo de lidar com essa ausência, a partir da representação do objeto que falta. 
A partir deste momento, a criança formula a questão: o que quer esta mulher de mim? Entrando assim o enigma (x).
O pai se desvela como um outro na relação. Sendo que a castração é de alguma forma introduzida, pela dimensão da intrusão paterna. O pai neste momento é considerado pelo filho como uma ameaça à sua posição fálica.
No segundo tempo do Édipo, a criança terá que lidar com um Outro faltante e desejante. Essa falta, Lacan denominou de privação.

"Está bastante claro, que o pai não castra a mãe de uma coisa que ela não tem. Para que fique postulado que ela não o tem, é preciso que isso de que se trata já esteja projetado no plano simbólico como símbolo. Mas há de fato uma privação, uma vez que toda privação real exige a simbolização.” [2] 

A entrada do pai se dá progressivamente. Toda vez que a mãe está ausente, a criança capta isso, como se a mãe estivesse com o pai, sendo aquele que proíbe a mãe de dar aquilo que ela tem. Sendo percebido como um tirano, a criança, por sua vez coloca-se numa rivalidade imaginária em relação ao pai.
No Seminário: As formações do inconsciente (1957-1958), Lacan aborda que diante da rivalidade da criança para com o pai, tal agressividade, é percebida como advinda do pai, por isso o pai tirano. A criança, neste momento é confrontada com a lei do pai, percebendo que a mãe também depende deste outro para se satisfazer. Segundo Dor (1989), a criança, neste momento descobre a dimensão essencial que estrutura o desejo: cada um é submetido à lei do desejo do Outro.
O pai surge na vida subjetiva da criança como um objeto fálico. O pai interdita a relação mãe-criança, através de duas vertentes: que a criança cometa o incesto e que a criança seja o falo da mãe. “Tu não reintegrarás seu produto.” (Você não pode engolir o seu filho) e “Não te deitarás com a tua mãe”.  A falta é Real e o objeto imaginário
O pai é detentor do falo, e a mãe deseja o desejo do pai e a criança frente à  dialética do ser e ter o falo, sob a dupla relação, frustração e privação.
”Com sua presença privadora, o pai é aquele que sustenta a lei, e isto se faz não mais de uma forma velada, mas de uma forma mediada pela mãe, que é a que coloca como aquele que lhe dita a lei.”[3]

Segundo Lacan, o pai, neste segundo tempo do Édipo aparece mediado no discurso da mãe, comparecendo menos velado, mas não totalmente revelado, para que o pai tenha seu lugar enquanto lei, o pai deve aparecer como uma mensagem da mãe, Lacan refere-se ao pai como: “(...) uma mensagem sobre uma mensagem.”[4]  

Lacan situa o segundo tempo do Édipo como ponto nodal, a criança neste momento percebe que existe uma falta na sua relação com a mãe e é ao pai que atribui a responsabilidade por esta falta. Segundo Lacan:

“(...) num dado momento da evolução do Édipo, coloca-se para o sujeito a questão de aceitar, de registrar, de simbolizar ele mesmo, de dar valor de significação a essa privação da qual a mãe revela-se o objeto, essa privação o sujeito infantil  a assume ou não, aceita ou recusa.”[5] 

A maneira como a criança recusa ou aceita da castração materna, determinará as diferentes saídas do complexo de Édipo.

Terceiro tempo do Édipo:


 O pai neste momento adquire um novo estatuto, neste terceiro tempo “intervém” o pai permissivo e doador. O pai é detentor do falo, mas pode doá-lo.

Segundo Lacan (1957-1958), o pai pode dar a mãe o que ela deseja, e pode dar porque o possui isso no sentido genital do termo, um pai potente. Esse é o pai doador do terceiro tempo, diferente do pai onipotente do segundo tempo do Édipo.

Sendo assim, a mudança de estatuto do pai é também uma mudança de estatuto do objeto. Lacan afirma no que diz respeito ao objeto:

 “Com efeito, tudo o que se pode transmitir na troca simbólica é sempre alguma coisa que é tanto ausência como presença. Ele é feito para ter essa espécie de alternância fundamental, que faz com que, tendo aparecido num ponto, desapareça para reaparecer num outro. Em outras palavras, ele circula, deixando atrás de si o signo de sua ausência no ponto de onde vem, Em outras palavras ainda, o falo em questão – nós o reconhecemos desde logo – é um objeto simbólico” [6]

Segundo Faria (2003), os movimentos de idas e vindas da mãe oferece a criança a possibilidade de situar um objeto ligado ao enigma do desejo materno – por isso ela se ausenta – ao mesmo tempo em que o situa como algo que não preenche esse desejo completamente – por isso ela volta para a criança que, percebe-se dando também alguma satisfação. 

Enfim, a criança pode compreender o pai, como aquele que tem. Um pai potente, que dá a mãe o que ela deseja, e que isso que a mãe busca e deseja no pai pode ser um objeto buscado e desejado também pela criança.

Neste terceiro tempo do Édipo, o pai se apresenta como morto. O falo poderá circular como equivalente a puro significante. Por conta desta questão, o pai deixa de ser onipotente e se torna doador:

É por intervir no terceiro tempo como aquele que tem o falo e não que o é, que se pode produzir a báscula que reinstaura a instancia do falo como objeto desejado pela mãe, e não mais apenas como objeto do qual o pai pode privar”[7]  

O filho passa pela dialética ser ou ter o falo materno, elegendo a dimensão do ter, instituindo-se a metáfora do nome-do-pai. O significante do nome-do-pai passa a estar associado aquilo que dá significação ao sujeito, Grande Outro.  O desejo materno é recalcado.

Segundo Faria (2003) o falo, tendo adquirido o estatuto de objeto simbólico, indica para o sujeito, que a partir desse momento ele pode tê-lo, com a condição de que seja “para mais tarde“ ter um falo, uma vez que se identifica ao pai como aquele que tem. A partir daí a criança detém consigo todas as condições de desfrutar suas funções e atributos sexuais.  Segundo Lacan:

Os três tempos do Édipo não ocorrem de maneira cronológica, mas sim de maneira lógica. Quando se entra no primeiro tempo se passa pelos três tempos. Na passagem do Édipo, o sujeito recebe um nome, possibilitando-o ser um ser sexual, abrindo a possibilidade de ser pai ou mãe. 

Segundo Dor (1989), a nomeação do pai possibilita à criança nomear o objeto de seu desejo. Porém, a maneira como ocorre, pertence a uma simbolização metafórica, pois se torna uma designação inconsciente. Isto é, o pai imaginário impõe a castração, sendo o privador da mãe. A identificação da criança com este pai é fálica e estritamente imaginária. Dessa forma, pela mediação do pai imaginário, é possível o pai real ser investido como pai simbólico

Segundo Lacan(1957-1958), a instauração da posição do pai como detentor do falo é o que oferece o ponto de identificação do menino, isto é, introjeção do pai, no sujeito, como ideal de eu, e isso ocorre, porque o pai intervém como detentor do falo. É nesse momento que o complexo de Édipo declina.

“É nessa medida que o terceiro tempo do Édipo pode ser transposto, isto é, a etapa de identificação, na qual se trata de o menino se identificar com o pai como possuidor do pênis e a de a menina reconhecer o homem como aquele que o possui." “Ela, a mulher, sabe onde ele está, sabe onde deve ir buscá-lo, o que é do lado do pai, e vai à direção àquele que o tem.” [8]

Segundo Faria (2003), a substituição significante, denominada de metáfora paterna consiste de uma nova significação, o falo como produto da metáfora paterna, e a conexão metonímica do significante oculto, o desejo materno como o resto da cadeia. O processo metafórico consiste em introduzir um significante novo (S2), fazendo com que o significante antigo (S1), passe sob a barra de significação, mantendo-o inconsciente. A fim de que haja a metáfora paterna é necessária uma substituição significante, na qual o pai toma lugar como um significante que vem substituir o significante do desejo materno.

Ao longo da substituição significante do desejo da mãe, S1, é, portanto, objeto de um recalque e torna-se inconsciente:

“É na medida em que o pai substitui a mãe como significante que irá se produzir o resultado ordinário da metáfora, expresso na formula:”[9]



[1] Lacan, 1995, Seminário 4 A relação de objeto p. 101
[2] Lacan, 1999. Seminário 5 As formações do inconsciente p.191
[3] Lacan, 1999. Seminário 5 As formações do inconsciente. p.180
[4] Lacan, 1999. Seminário 5 As formações do inconsciente p.209
[5] Lacan, 1999. Seminário 5 As formações do inconsciente p.191
[6] Lacan, 1995 Seminário 04. A relação de objeto. p.155 
[7] Lacan 1999, Seminário 5 As formações do inconsciente. P. 200
[8] Lacan 1999, Seminário 05. As formações do inconsciente. p. 202
[9] Lacan 1998, De uma questão preliminar de todo tratamento possível da psicose. in escritos P. 557.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Do desejo dos pais ao desejo do sujeito


O desejo dos pais começa antes mesmo do nascimento do bebê. Existem expectativas, frustrações, projetos, projeções e inibições a serem realizadas por esta futura criança, tanto concretamente, quanto nos aspectos inconscientes e inacessíveis. Segundo Manonni(1987), a criança, geralmente tem por missão reparar o fracasso dos pais, ou mesmo, de realizar-lhes os sonhos perdidos.

O nascimento traz um bebê da realidade, com suas características que lhe são próprias. Entretanto, diferente daquele bebê que os pais fantasiaram. Segundo Tepermen(1996), o desejo fantasiado da gestação precisa de uma adequação, àquele que nasce. Os pais, a princípio, darão significados a cada característica deste bebê, e geralmente se adaptando a realidade.

O bebê nasce imerso num mal entendido fundamental, à medida que é um ser falado. Entretanto, o bebê tem para com os pais, um lugar único. Essa apropriação por parte dos pais e do bebê se dá naturalmente, a partir dos recursos disponíveis.

Num primeiro momento, o bebê está numa posição de desamparo e dependência absoluta. Esta dependência absoluta, não se trata de passividade, Rodulfo (1990) frisa o movimento do bebê na, escolha dos significantes disponíveis do mito familiar:

“(...)para ir em busca desses significantes indispensáveis, é condição necessária que ali haja Outro: corpo familiar, mito, arquivo; que ofereça significantes, que dê lugar.” [1]   

O processo de assujeitamento, que o bebê se submete, em favor do desejo do Outro, denomina-se alienação. Entretanto, essa submissão não é total, existindo uma brecha para as diferenças individuais. O bebê entra com algo que é seu. Portanto a construção do corpo do bebê, não ocorre somente por parte dos pais, trata-se de um jogo assimétrico, situado a partir de uma dependência absoluta ao Outro.

Na realidade, o bebê se vê a partir da mãe, que é, o Outro, tesouro de significantes. O ser humano, na realidade desconhece quem é, pois ainda neste momento, se encontra na profunda alienação.

Num determinado momento, a partir do estádio do espelho, ocorre uma antecipação do psíquico, ao biológico, fazendo com que o bebê tenha a ilusão de integração.

“O estádio do espelho é um drama cujo alcance interno se precipita da insuficiência para a antecipação e que para o sujeito, tomado no equivoco da identificação espacial”.[2]

O estádio do espelho é um momento de identificação, consistindo na transformação, que se produz no sujeito quando ele assume uma imagem. “Esse é você” irá resultar num “sou eu”. A criança se vê através do olhar do outro, mas para ela se apoderar dessa imagem, é necessário que tenha um lugar no Outro.

A mãe dá ao bebê, sua primeira nomeação. No colo, quando a criança volta à cabeça em direção à sua mãe e olha de volta para o espelho, ela está pedindo que a mãe comprove sua descoberta e diga-lhe: “sim, é você, fulano, meu filho”.

Em relação à constituição da linguagem, o bebê, se assujeita ao desejo do Outro, consequentemente é um ser de linguagem, existindo, à medida que a palavra o moldou de um vazio. 

“A alienação dá origem a uma pura possibilidade de ser”[3]

A alienação representa a instituição da ordem simbólica, a atribuição de um lugar para este sujeito no campo simbólico.[4]

Segundo Fink(1989), o sujeito lacaniano está baseado na nomeação de um vazio. Aquilo que funda o sujeito é o significante, este causado pelo desejo do Outro.

A Linguagem e desejo são tramas do mesmo tecido, a linguagem é permeada pelo desejo, e o desejo é inconcebível sem a linguagem, feito da matéria prima da linguagem.[5] 

Segundo Tepermen(1996) o  olhar da mãe, que conjugado à sua voz, nomeia, e dá um lugar para o bebê na família, na sociedade, no campo do simbólico. Esse Outro irá instituir um lugar a partir do qual, o mundo poderá ser organizado, um mundo onde o imaginário pode incluir o real e ao mesmo tempo formá-lo.

 “O que a criança busca é fazer-se desejo de desejo, poder satisfazer o desejo da mãe, quer dizer to be or not to be, o objeto de desejo da mãe (...). Para agradar a mãe (...) é preciso e basta ser o falo. “[6]  

O que parece uma relação dual, na realidade trata-se de uma tríade entre: mãe-bebê-falo. A criança é o objeto de desejo da mãe. Um jogo de demanda e desejo da dupla: mãe e bebê. A mãe é tudo e toda para o bebê, pois neste momento não há nada fora da mãe.
No entanto, esta relação exclusiva e excludente, tão necessária nos primórdios da vida, em determinado momento, deve ser interrompida, pois a lei da mãe é uma lei não controlada.


[1] Rodulfo, 1990 O brincar e o significante. p 52
[2] DOR ,1989, Introdução a Leitura de Lacan- O inconsciente estruturado como linguagem. p.79
[3] FINK,1998, O sujeito Lacaniano: entre a linguagem e o gozo.p.74
[4] FINK, 1998, O sujeito Lacaniano: entre a linguagem e o gozo.p.75
[5] FINK ,1998,  O sujeito Lacaniano: entre a linguagem e o gozo.p.73
[6] Lacan (1999) Seminário 5. Formações do Inconsciente  p. 192