terça-feira, 4 de setembro de 2012

“Édipo – O complexo do qual nenhuma criança escapa.”Nasio

O Complexo de Édipo é considerado a pedra fundamental da psicanálise. Seu nome foi retirado do mito grego do rei Édipo, que ao nascer recebeu um oráculo que dizia que ele mataria seu próprio pai e se casaria com a sua mãe. Mesmo sendo tomadas todas as providências para que a profecia não se cumprisse, ele acabou matando o seu pai (sem saber quem era) e casando-se e tendo um filho com a sua própria mãe (só descobrindo posteriormente que era sua mãe).

A utilização deste mito como um conceito psicanalítico surgiu para explicar questões encontradas na prática clínica: como se forma a nossa sexualidade e de como alguém se torna neurótico.

O que é uma neurose?

É um sofrimento psíquico provocado pela coexistência de sentimentos contraditórios de amor, ódio, medo e desejos incestuosos para com quem se ama e de quem se depende. Sendo assim, o Édipo já se trata de uma neurose. A primeira neurose “saudável” na vida de um pequeno sujeito. De um lado há um afluxo pulsional transbordante e de outro um eu infantil em formação, sendo assim há uma defasagem, o Eu da criança ainda não dispõe de meios para conter a escalada impetuosa de seus desejos. A neurose no adulto é o retorno da angústia da castração traumatizante, vivida durante a infância.  

O Complexo de Édipo nos meninos


O Complexo de Édipo nos meninos


A partir dos três anos de idade, os meninos focalizam o seu prazer sobre o pênis. Nessa idade, o pênis se torna a parte do corpo mais rica em sensações e se impõe como a zona erógena dominante. Objeto mais amado e o que reclama mais atenções. 

Num primeiro momento para criança tanto os meninos como para as meninas: todas as criaturas do mundo são dotados de pênis (falo). Essa idolatria ao falo vai ser acompanhada da angústia de perdê-lo. 

O menino, excitado sexualmente, vê surgir dentro de si uma força misteriosa, até então desconhecida: o impulso de se dirigir ao outro, ou, mais exatamente, de se dirigir aos seus pais - aos corpos deles - para ali encontrar prazer. Mas que desejo é esse? É um desejo sexual. O desejo sexual do menino em direção a seus pais não é um desejo exclusivamente genital pelo fato de ser sexual.

Desejo de possuir o corpo do outro(mãe). Desejo de ser possuído pelo pai e desejo de suprimir e/ou ser suprimido o/pelo pai. A satisfação de  qualquer um desses desejos incestuosos é impossível. Por conta da impossibilidade da realização concreta destes desejos:

O menino cria fantasias que lhe dão prazer ou angústia, mas que, de toda forma, satisfazem imaginariamente seus desejos. As fantasias  são cenas imaginárias, geralmente conscientes, que propiciam certo consolo à criança. Ela tem como função substituir uma ação ideal que baixa a tensão do desejo e propicia prazer. 

O menino neste momento masturba-se e sofre sucessivas ameaças dos pais ou cuidadores, por conta disso. Num primeiro momento essas ameaças são deixadas de lado pelo menino até que o menino tem a visão do corpo nu feminino, e que este é  desprovido de pênis. Enfim, percebe que existem seres castrados, sem pênis. 

Então, surgem as fantasias de angústia, pois, se existem seres que não possuem pênis, ele também pode perder o seu. Essas fantasias de angústia são: o medo de ser castrado pelo pai repressor, o medo de ser castrado pelo pai sedutor e o medo de ser castrado pelo pai rival.

O menino deve fazer uma escolha: salva seu falo-pênis ou fica com a sua mãe. Por causa do medo de perder seu falo-pênis, ele renuncia aos pais como objetos sexuais e recalca os seus desejos inconscientes.

A identidade sexual é instalada progressivamente pelo seu contexto familiar, social e lingüístico, assim como pelas sensações erógenas que emanam de seu genital e a atração pelo pai de sexo oposto. Antes do Édipo, a criança ainda não saberia dizer se é menino ou menina, que o pai é um homem e a mãe uma mulher. Através do Édipo é que ocorre a partilha dos sexos. Entretanto, é só na puberdade que essa identidade vai se consolidar.

O Complexo de Édipo nas meninas:

Complexo de Édipo nas meninas

O Complexo de Édipo nas meninas se desenvolve de maneira diferente que nos meninos.

Até os três anos aproximadamente, a menina  julga deter, assim como o menino, um pênis (falo), e se sente onipotente. Um evento crucial ofuscará essa situação: ela verá o corpo nu masculino, dotado de um pênis(falo), e verá que o menino possui algo que ela não tem. 

A reação da menina é de decepção,té então, fiava-se em suas sensações de poder vaginal e clitoridiano, que a confortavam em seu sentimento de onipotência. Julga então que o poder está no corpo do outro, no sexo masculino. A menina vê-se assim dolorosamente despossuída, pois o cetro da força não é mais encarnado por suas sensações erógenas, mas pelo órgão visível do menino.

A partir desta constatação a menina sofre com a dor de ter sido privada do falo. A menina vive a dor de uma privação, de uma perda. 

A menina sofre uma dor real - uma dor de ter sido privada de algo que ela julgava possuir. Ela responsabiliza a mãe por não ser portadora do falo, pois a mãe como ela, também é desprovida de falo. É nesse exato momento que a menina esquiva-se da mãe.

Entra em cena a figura do pai, o grande detentor do (pênis) falo. É quando a menininha se volta para o pai reivindicando seu poder e sua potência. Quer ser tão forte quanto o pai e ter de volta aquilo que nunca teve. Impossível!

É então que o pai lhe fala: "Não posso lhe dar o falo, simplesmente porque esse falo não existe! O falo que você me pede é um sonho, uma criação".. Claro que nenhum pai diz isso à filha; esse pai é um pai caricatural, fantasiado.  Essa recusa do pai é recebida pela filha  como perda, dor e fim a toda esperança de um dia possuir o mítico falo. 

Entretanto mesmo assim lança-se agora com todas as forças nos braços do pai não mais para lhe arrancar o poder, mas para ser ela mesma a fonte do poder. Sim, ela queria ter o falo, mas agora ela quer ir além, ela quer ser o falo, quer ser o próprio falo, a favorita do pai.

Em virtude do não, da primeira recusa paterna, surge agora o desejo incestuoso de ser possuída por ele, de ser o falo do pai. Assim, ao sexualizar o pai, a menina entra efetivamente no Édipo.  A fantasia de prazer que melhor ilustra o desejo edipiano de ser possuída pelo pai é geralmente expressa pela frase: "Quando crescer, vou me casar com o papai".

Essa entrada no Édipo é também o momento em que a mãe, após ter sido afastada, volta à cena e fascina a filha por sua graça e feminilidade. A menina então, espontaneamente, aproxima-se e identifica-se com a mãe. O comportamento edipiano da menina inspira-se completamente no ideal feminino encarnado pela mãe, na observação e no aprendizado de como seduzir um homem.

É nessa fase que as meninas adoram observar a mãe se maquiando ou se embelezando. Mas é aqui que a mãe é vista, além de como um ideal, como uma grande rival. Assim, realiza-se o primeiro movimento de identificação da filha com o desejo da mãe: o de ser a mulher do homem amado(pai) e dar-lhe um filho.

O pai faz uma nova recusa: - "Não a quero como mulher!" levando a filha a identificar-se com a pessoa do pai. Uma vez que a menina não pode ser o objeto sexual do pai, ela quer ser então como ele. "Já que você não quer saber de mim como mulher, então vou ser como você!". A menina aceita recalcar o seu desejo de ser possuída pelo pai, sem com isso renunciar à sua pessoa. 

A menina  obstina-se audaciosamente a se apoderar do pai. Ela mata seu pai fantasiado, mas o ressuscita como modelo de identificação. Identificada com os traços masculinos do pai após ter se identificado com os traços femininos da mãe, a menina enfim abandona a cena edipiana, abrindo-se agora para os futuros parceiros de sua vida como mulher.

Notem que as duas identificações constitutivas da mulher - identificação com a feminilidade da mãe e com a virilidade do pai - foram desencadeadas por duas recusas do pai: recusa de dar o falo à filha e recusa de tomá-la como falo.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Desejo de saber


A sociedade hoje é extremamente imediatista e visual. Temos a ilusão que sabemos sobre tudo e se não sabemos sobre algo é que ainda não fizemos uma busca na internet.

Basta uma palavra buscada, aparecem conceitos, sinônimos, filosofias, crônicas e filmes. Como um passe de mágica, do não saber, passamos ao saber. Com a internet temos a sensação de que temos acesso a toda informação, podemos saber e entender sobre tudo, e aquilo que desconhecemos basta  procurar no Google. Do saber ao não saber não há distância.

Temos acesso a milhões de informações, mas quais delas apreendemos de fato, em nossas vidas?  Acredito que para sabermos realmente sobre algo é necessário que  este conhecimento advenha de nosso interior para o exterior e que a partir dessas informações consigamos fazer articulações. A princípio trata-se de um desejo de saber, um  enigma é colocado. A partir dai procuramos significações. Neste pequeno movimento de nos questionar existe um trabalho criativo, intelectual  e instigante.

Será que quando encontramos o conhecimento pronto e um “modo de fazer” pré- estabelecido. De alguma forma não estamos apenas repetindo o mesmo? Não deixando um espaço para surgir o novo?

Quando crianças, geralmente, temos uma intensa curiosidade sobre nós e os outros. Da onde nascem os bebês? Desejo de saber sobre nossa origem. Todo conhecimento nasce deste desejo de saber sobre a natureza, o corpo, sobre o que existe e é, em algum momento, obscuro para nós. Querer saber sempre revela uma falta, a de que não sabemos. A ignorância é nosso estado natural, mas o desejo de saber é o que nos coloca dentro da cultura, mesmo que ele não seja mais do que um processo em busca do saber.

Na sociedade atual tenho a impressão que existe a tentativa de se saber sobre tudo, mas sem saber sobre nada de fato. A internet nos responde sobre tudo, mas muitas vezes respostas equivocadas. Não deixando espaço para o não saber, uma tentativa de tamponar a falta, não havendo espaço para a ignorância. Por outro lado a ignorância em nossa sociedade é vista de forma pejorativa, como se o não saber fosse algo vergonhoso, mas saber por saber sem desejo, adianta para que?

Sábios de fato são aqueles que, como Sócrates assumem o sei-que-nada-sei, ou seja, descobrem que o saber está na caminhada e não o objetivo, que sua construção é a busca e não um estágio final bem-aventurado onde toda dúvida se dissipa. As descobertas, seja na ciência, seja na vida, são sempre momentos, passos, num caminho infinito de buscas.

 

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Perda, despedida e o luto...



Há alguns venho me despedindo: de amigos, dos meus pais, de um trabalho, de uma imagem de mim. Dessas perdas, algumas  abri mão para buscar algo melhor,  outras foram obrigatórias, mas tanto num caso quanto sempre dói perder. Quando perdemos algo ou alguém parece que pelo menos momentaneamente uma parte de nós se vai junto com aquele ou aquilo que partiu.

Alguns amigos se vão porque deixam de compartilhar nossa felicidade, tristezas e ambições. Meus pais se foram por conta do fim trazido pela morte. Nossa como dói perder alguém que amamos.

O trabalho se foi porque ao longo do tempo eu tinha um sonho que fui construindo ao longo do tempo, uma nova perspectiva. Tive que fazer escolhas, e quando escolhemos algo deixamos para trás.

Entretanto voluntaria ou involuntariamente todo final e sua respectiva despedida é triste, mesmo quando sabemos que não temos mais nada a fazer por ali. A lembrança dos momentos felizes, a saudade por aquilo que não aconteceu. Na despedida sentimentos às vezes contraditórios entram na pauta.

Quando perdi minha mãe, percebi que nunca tinha vivido algo parecido. Meu coração doía. Após todos os rituais funerários, voltei para a casa e dormi. No dia seguinte quando vi a luz do Sol percebi que naquele momento eu tinha duas opções, me amargurar com essa perda ou simplesmente viver. Optei pela segunda opção, não que o processo de luto tenha sido fácil. A morte de meu pai se deu no ano seguinte, sofri e chorei e mais uma vez apostei na vida.

O processo de luto é bem doloroso. A princípio cada foto, cada aniversário, dia das mães e dia dos pais parece que nos remete àquela primeira dor, mas ao longo do tempo a perda vai sendo elaborada e permanece a saudade dos momentos felizes e tristes. 

Existem vários estudiosos que abordam a questão da perda e do luto, tema interessante, que eu sempre estudei. Esses autores apontam o processo do luto como uma experiência que traz muita dor e desorganização e nos coloca diante de intensas e difíceis emoções que podem dar a impressão de que a vida nunca mais será a mesma. Realmente, após uma grande perda a vida não é mais a mesma.

Num processo de luto somos levados a construir novos significados tanto para as experiências passadas, quanto presentes, transformando as vivências futuras. Ao mesmo tempo em que passar pelo processo de luto é doloroso, pode ser também fortalecedor, pois ainda que não houvesse o desejo de passar por ele, é possível se restabelecer e crescer com esta experiência. Acho que cresci muito após essas duras perdas, porque não sabia que era tão forte, e nem deixava vir à tona minhas fragilidades.

A morte é a vivência radical da perda e um fato incontestável. Diante da morte não há palavras, entretanto ao longo da vida diariamente perdemos quando escolhemos um amor, um trabalho, sempre perdemos, mas quando escolhemos geralmente apostamos na vitória, mas mesmo quando escolhemos podemos realmente perder, pois não há garantias é sempre um risco viver.

A perda por um amor que se vai, uma viagem que deixou de ser realizada, um projeto que não deu certo, o desemprego, são situações que  abalam e geram um profundo sofrimento, sendo necessário viver um processo de luto para que possamos nos reorganizar.

Sendo assim o luto pode ser uma possibilidade de gerar um caminho interessante, diante da experiência da perda. A vida não será mais a mesma, mas além da experiência da perda podemos carregar em nossa bagagem a experiência de superação e a possibilidade de reconstrução de novas relações e novos sentidos para a vida.

Adriana. 

quarta-feira, 8 de agosto de 2012


Filme Melancolia  Um filme que nos possibilita questionar  nosso posicionamento frente as demandas da cultura, que por mais que façamos, não para de demandar: um casamento, um trabalho, ser uma ótima filha, uma ótima irmã...

A ilusão do amor como complemento.

O Real que se coloca no choque dos planetas e o fim dos tempos como irremediável. E as diversas possibilidades de lidar com isso. Neste momento surpreendidos, falta-nos a palavra só nos resta nos re-inventar com toda a simplicidade...

Título Original: Melancholia
País de Origem: Dinamarca, França, Alemanha, Itália e Suécia
Gênero: Ficção Científica
Tempo de Duração: 130 minutos
Ano de Lançamento: 2011
Direção: Lars von Trier


INSTANTE DE VER:

Desde o primeiro momento deste filme, percebe-se o jogo de imagens e sons. Significantes que aparecem e desaparecem, como num jogo de ausência e presença, que é próprio ao significante. Algo que nos intriga, mas ao mesmo tempo causa-nos certo estranhamento. Uma narrativa do filme através de imagens, como num sonho.

É Interessante que como numa sessão de análise esses significantes, mesmo que desarticulados, sem significação, parecem que dizem algo do sujeito. E que ao final do filme e no decorrer das sessões, é justamente, através das significações dadas essas imagens que aparecem repetidamente  apresentam um sentido inconsciente.

A insustentável leveza do ser: A imagem desesperançada de Justine/ Justine  envolta em borboletas/noiva/ Justine maestro/soltando certa luz pelas mãos/ Noiva carregando um grande peso, tentando seguir em frente/apesar de presa/ Uma pessoa carregando outra/pegadas/ Noiva morta/ Solidão

Queda: Folhas que caem/ Cavalo caído

Final dos tempos: Relógio /2 tempos do filme/Movimento de um Planeta/ 2 planetas (um grande/pequeno)/ 2 planetas se chocando/2 planetas próximos se dissolvendo.

TEMPO DE COMPREENDER
Primeira parte: JUSTINE

O filme propriamente dito se inicia com a ida de Justine e Michael ao próprio casamento. Eles estão numa limusine branca e tentam atravessar uma pequena estrada de terra. Já neste instante percebe-se certo descompasso, através de idas e vindas do casal conseguem passar por essa sinuosa e minúscula via e finalmente chegam ao próprio casamento. Comemoração organizada pela irmã de Justine e pelo cunhado milionário. Neste momento já é possível pensar: esse casamento realiza o sonho de quem?Justine, ou Claire? Casamento com tudo que o sonho capitalista pode oferecer: limusine, jantar elegante, marido fantástico, pais presentes, convidados vestidos luxuosos e regras a serem preenchidas.

 Entretanto, já neste momento percebemos certa tristeza ,ausência da noiva e um peso nas pernas, como se tivesse impossível se sustentar. Ao que parece Justine não está implicada ao que supostamente seria a felicidade capitalista ou ao seu casamento,  mas a que Justine está implicada?  A responder a demanda do Outro. Mas como? Se nem ao menos sabe o que quer?Como se perguntasse a todos: O que queres? Vê-se em situações e lugares em que não gostaria de estar. Em nome do amor, ou para ser amada e por sua inconsistência Justine fica a mercê do capricho do Outro.

Chegam horas atrasados ao próprio casamento. Justine frustra a irmã e consequentemente se frustra, porque neste momento o que quer, apesar de não conseguir sustentar é corresponder a demanda da irmã.Além disso frustra os seus próprios ideais de perfeição, inerentes ao neurótico. Quanto maior os ideais, maior será a decepção. Porque a própria estrutura da neurose é insustentável.

Outro ponto importante, diz respeito a relação de Justine com seus pais, e algumas marcas desses pais, aparecem em Justine.

Pai : Homem sarcástico, brinca com as leis/regras. Ausente e não implicado com as filhas. Em sua fala demonstra total desconhecimento sobre Justine:   “Você está linda e radiante” – “ Eu nunca te vi mais feliz do que hoje” Sendo que é perceptível a infelicidade da filha.  Justine apesar de decepcionada com essa figura tenta salvá-lo, mantê-lo numa posição dentro da constelação familiar, mas o pai a decepciona/a frustra, pois ele foge.

Mãe: Essa mulher ao que parece, apesar de sua dureza está decepcionada com o amor, mas o utiliza na via contrária no ódio e na amargura. Para ela, Justine não deveria se casar para não se decepcionar: “Justine se você tem alguma ambição, não foi herdada pelo lado paterno da família” “Eu não acredito em casamento.”De alguma maneira, essa mãe é uma referência para Justine e se identifica com ela. Justine ambiciosa é uma ótima profissional e se sustenta nesta posição. E é justamente nas questões afetivas que a fazem mancar. E através de uma metáfora aborda suas dificuldades no amor: “Eu tenho dificuldade de andar corretamente.”“Então vá embora mancando. Pare de sonhar Justine” “Eu tenho medo – Então ignore”“Agora saia daqui.”

Justine na tentativa de corresponder às demandas de amor da irmã, da mãe e do pai e dos seus próprios ideais vive um conflito, pois percebe sua insustentabilidade. Além da família, tem o noivo. Será que Justine o ama? Ou será que ele é apenas um figurante deste drama? 

O noivo somente sorri desconcertado frente a inconsistência de Justine e de sua família.  “Eu nunca sonhei que teria uma esposa tão linda como você.” “Eu te amo.” Percebendo a tristeza a frustração de Justine, coloca-se como o responsável pelo mal estar que a moça sente. “A culpa é minha por seu mal estar”  e foge, como o pai.

Será que existem culpados, ou será que são todas vítimas de uma neurose, ou da própria fragilidade  que circunda o mal estar no ser humano. É difícil abrir mão dos ideais, assumir suas próprias responsabilidades, implicar com seus desejos.

No consultório ouvimos diariamente as narrativas de nossos analisantes: Suas queixas, suas repetições, lutos, suas dores, ações e reações ao amor e desamor.  Numa análise, como analistas, mas que dependem do analisante, temos vários objetivos, um deles é que o sujeito possa reconstruir a sua história, através das suas significações e ressignificações, outro objetivo, é que esses ideais intangíveis tornem-se tangíveis/possíveis, porque os ideais são importantes, pois sustentam, aquilo que é insustentável, mas não podem manter o sujeito paralisado frente a qualquer frustração.

Esse primeiro momento do filme, aborda também as questões imaginárias, dos ideais próprios e da sociedade e consequentemente das demandas de amor e das frustrações. Justine acreditou poder sustentar uma nova posição: sorrindo, mas como sorrir diante da decepção e frustração.

Justine, neste primeiro momento, perde....

Não sustenta a posição de casada, de mulher, se ausenta do próprio sexo com o Marido, para transar com um outro  durante o próprio casamento. Michael solicita uma posição que ela não consegue sustentar. E diz: “Poderia ter sido diferente” “É poderia, mas também o que você esperava?” Tem razão...

E agora José

Está sem trabalho...

Está sem marido...

Está sem irmã...

Está sem pai, nem mãe..

E agora José...

MOMENTO DE CONCLUIR:
Segunda parte: Claire

Justine cai em depressão, Claire tenta  sustentar mais uma vez sua irmã, entretanto essa sustentação  vem do marido: homem, uma figura fálica,  de posses que garante a felicidade de Claire e ao mesmo tempo uma  sustentação “do saber”, garantindo sua vida, a do filho e de Justine. Diante da ameaça do mundo acabar graças ao choque do planeta Melancholia  e o  planeta terra.

Claire não mede esforços para inserir Justine em seu mundo sofisticado e elegante e num segundo momento a realidade concreta. Justine demonstra traços depressivos extremamente profundos, como na cena e que ela sequer consegue se levantar para tomar banho. O quadro de apatia, anunciado na primeira parte do filme, certa fragilidade,  aqui aparece como um estado melancólico.  Na cena em que Justine come o apetitoso rocambole de carne feito por Claire, e então põe-se a chorar dizendo sentir apenas o gosto de cinzas, coloca-se de forma dramática a coisa insossa que é a vida diante de um melancólico. Para ele, não há prazer possível.

A tristeza, o mal estar, é uma condição como a alegria. Atualmente, ao menor sinal de tristeza, utilizam-se os fârmacos, pois é proibido falar e sentir tristeza ou qualquer mal estar. Diz o slogan: “Sorria você está sendo filmado.”

No filme, Justine demonstra a exacerbação de uma tristeza, o que num primeiro momento poderíamos pensar: trata-se de uma melancolia? Entretanto, através da primeira parte do filme, podemos perceber em Justine apresenta uma estrutura neurótica e por isso não poderia se tratar de uma melancolia, mas sim uma depressão neurótica. O que vem ao encontro da primeira parte do, onde Justine perde todos os objetos pelos quais investia, além de “desinvestir-se”. Justine em grande parte do filme está perdida. E Claire, só não está porque de alguma forma este marido e filho a sustenta, o amor a sustenta e lhe dá uma possibilidade de gozo.

Talvez Justine seja mais corajosa que Claire principalmente na segunda parte quando diante da ameaça, Justine espera o final, despida de qualquer artimanha e sem se segurar em ninguém, ao contrário sustentando sua irmã e seu sobrinho, já que diante da ameaça o marido se suicida.

Mais do que o choque entre os planetas e um suposto final dos tempos, como foi bem marcado no início do filme através das imagens. Podemos pensar sobre um final de análise. Diante da queda dos objetos, das identificações, das demandas, chegamos ao desejo (simbólico) e a morte (real, castração). Só neste momento é possível se reinventar, lidar com a vida de maneira diferente. Como se cada dia fosse o último dia, através da própria singularidade de cada um.  E tudo isso, graças a perdas: é perder para ganhar. 

O filme Melancolia é um convite a várias interpretações, mas a mim soa como um convite a pensar o amor,desamor, a insustentável leveza do ser e o ser diante do inevitável: a morte.










Por ser tímida e introspectiva desde pequena,  sempre gostei de observar as pessoas, os comportamentos e a personalidade. Algo que me intriga e instiga é a questão da imagem. Penso a imagem como uma invenção de si mesmo. E como essa invenção de si mesmo faz toda a diferença. Por isso que as vezes nos sentimos estranhos quando alguém fala alguma faceta de nós mesmos que não reconhecemos como nossa e que faz parte de nós, mas faz. 

Eu sempre acreditei na imagem, no estereótipo, naquilo que a pessoa acreditava que era e sempre acreditei na minha própria imagem. Entretanto, ao que parece essa imagem nem sempre corresponde aos fatos. Às vezes as pessoas “se acham” isso ou aquilo, 

No consultório isso é muito comum, por exemplo, uma mulher linda e inteligente, as vezes possui uma auto imagem distorcida, e sente e burra, não conseguindo interagir com o dia a dia, por conta desta imagem e em todas as suas relações se posiciona desta maneira. Não adianta você falar para ela: “menina você é tão linda, tão inteligente, é claro que ele iria gostar de você.” O caso da anorexia é outro exemplo mais radical desta distorção, a menina já esta muito magra, e quando olha no espelho se vê obesa, e não come nada, e as vezes morre por conta desta distorção. Sendo assim, podemos pensar e nos questionar de onde se origina essa imagem que construímos de nós mesmos.

Essa imagem e ideais que temos sobre nós e o mundo foi constituído desde muito cedo em nossas vidas, e geralmente são recalcados mantendo-se no inconsciente, mas interferem diretamente na vida de cada um, pois enxergamos o mundo sob essa perspectiva particular. Sendo assim o meio sofre muito mais a interferência do nosso olhar, do que o contrário.

A vida se torna muito mais leve, a medida que vamos desconstruindo esses ideais, quando esse Eu vai se livrando dessas identificações construídas ao longo da vida. Pois por um lado essa imagem num determinado, momento quando éramos pequeninos foi muito importante, foi constituinte para sermos seres de linguagem, entretanto é importante que essas identificações sejam desconstruídas passo a passo. Os ideais são importantes, pois são eles que possibilitam termos repertórios para lidar com a vida, entretanto esses mesmos ideais podem ser massacrantes e paralisantes, pois buscamos a perfeição, a complementação. E a realidade geralmente é repleta de obstáculos, frustrações e imperfeições. Já dizia o poeta:

“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.” Fernando Pessoa.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Rompimento amoroso

Depois de tanto falar de amor, hoje pretendo discutir sobre o rompimento amoroso.

No término de uma relação sempre há uma sensação de que algo deixou de ser feito, ou falado. 
Como psicanalista acredito que a fala faz toda a diferença em qualquer tipo de relação, inclusive no amor.
Como é difícil lidar com o fim, diante disso faltam as tais palavras, sobram as sensações.
O termino de um relacionamento amoroso, faz com que tenhamos que lidar com todas as nossas perdas.
No dia seguinte ao acordarmos e  pensamos, "não foi um pesadelo, isso realmente aconteceu", sentamos em nossa cama e retomamos ponto a ponto, a série de diálogos, surgem os arrependimentos," talvez se eu não tivesse falado isso, mas falei." E tem uma voz interior que nos diz....A vida segue...ou....você é uma porcaria, sempre fala a coisa errada. 

Abrimos o guarda roupa e escolhemos a melhor roupa, maquiagem....Ele vai ver o que perdeu....
Abrimos o guarda roupa e não escolhemos nada...apenas seguimos em frente...ou
Não abrimos o guarda roupa, mas telefonamos desesperadas para o nosso ex, numa tentativa de  reaproximação. ou ainda
Colocamos aquela música, relembramos os momentos preciosos de convivência e choramos.  

Enfim, cada um lida com o amor e com o seu rompimento de uma maneira particular, mas a cada fim somos colocados frente ao limite.

Um corte foi colocado, algo terá que ser repensado ou não. Somos seres constituídos por perdas e separações: separamos de nossa mãe, de nosso pai, de nosso corpo infantil, de nossos sonhos mirabolantes da adolescência, daquele nosso melhor amigo,  do nosso primeiro amor, segundo amor....

Entretanto são justamente essas perdas e separações que nos possibilitam crescer, sermos seres autônomos, sujeitos de nosso próprio desejo, sempre inapreensível. Enfim é perder para ganhar...

No auge de nossa dor é impossível perceber a perda como algo que nos faça amadurecer. Neste momento é importante vivermos a dor e a tristeza, pois ela geralmente passa...E quando realmente falamos sobre a nossa dor, choramos pelo nosso rompimento, existe a possibilidade da elaboração, a fim de que o novo advenha, como uma nova possibilidade e não como a repetição dos antigos amores.  

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Ainda o amor....


Para a psicanálise o amor surge do desamparo e da percepção da finitude: Freud em “Inibição, Sintoma e Ansiedade” (1926 ), descreve o extenso período em que o recém nascido da espécie humana acha-se em condição de desamparo e dependência. O bebê humano chega ao mundo em condições de inconclusão ou seja,  ele nasce totalmente dependente de outro ser, sua mãe.
A mãe(cuidador) lhe apresenta o amor através de seus cuidados, pois além de satisfazer as necessidades básicas do bebê a mãe lhe dá amor.  Quando o bebê tem a percepção  que é uma entidade separada da mãe, e ainda não tem condições de viver sem ela. O bebê passa a percorrer a trilha do amor e do desejo.  A separação da mãe significa autonomia e singularidade, mas também é uma grande fonte de ansiedade e angústia. A única forma de solucioná-la é pela via do amor. A partir desta primeira relação, normalmente com a mãe, surgirão alguns padrões, que determinarão a forma como serão conduzidas as relações afetivas futuras.
A percepção da finitude acontece mais tarde, e gera grande angústia. O homem percebe, ainda que na maioria das vezes com pouca clareza, que  tanto seu nascimento quanto sua morte independem da sua vontade. A percepção de sua impotência mais a percepção da separação e, conseqüentemente sua solidão, originam o desejo de libertar-se através da união com outro ser humano: amor.
Em qualquer investimento que fazemos, o desejo é peça fundamental, pois ele nos impulsiona Em nossas buscas imaginárias ou reais. Por que dentre milhões de pessoas, a paixão ocorre por apenas uma?”.  “Cada amor é a peça que falta no próprio desejo”.
No amor romântico, procura-se recuperar os amores dos primeiros desejos, encontrando no presente, figuras amadas do passado: o pai ou a mãe inacessíveis da paixão edipiana, a mãe do amor incondicional da infância, a união simbiótica na qual dois “eus”  confundem-se, como foi outrora.
A partir do encontro amoroso, surgem as diversas maneiras de relacionar-se, mas independente da forma de amar, existe a questão do retorno ao primeiro desejo. Para ele o amor complementar – nasce a partir das expectativas de que o outro, possa preencher a solidão e diminuir a dor. Idealiza-se o amor antes mesmo de encontrá-lo. É o reencontro com as próprias expectativas: a de que outra pessoa  resolva ou preencha suas faltas. O desejo sexual, na maioria das vezes ocorre pela angústia e não pela erotização, propriamente dita.
Chico Buarque, conhecido cantor e compositor brasileiro, coloca muito claramente a situação do amor idealizado na música, através da metáfora do entrelaçar das pernas ou da desordem do armário embutido.....onde existe a idéia da fusão entre o sujeito e o parceiro.

Eu te amo

                                                                        
   (Chico Buarque de Holanda)

Ah, se já perdemos a noção da hora, se juntos já jogamos tudo fora, me conta agora como hei de partir....
Ah, se ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios, rompi com o mundo queimei meus navios. Me diz pra aonde ainda posso ir....
Se nós, nas travessuras das noites eternas, já confundimos tanto as nossas pernas, diz com que pernas eu devo seguir...
Sim, entornaste a nossa sorte pelo chão, se na bagunça do teu coração, meu sangue errou de veia e se perdeu...
Como se na desordem do armário embutido, meu palito enlaça seu vestido, e o meu sapato ainda pisa  no teu.
Como se nos amamos feito dois pagãos, teus seios, ainda estão nas minhas mãos, me explica com que cara ainda vou sair. Não, acho que estas só  fazendo de tonta, te dei meus olhos para tomaste conta, agora conta como hei de partir

terça-feira, 31 de julho de 2012

O amor no decorrer dos tempos

As concepções sobre o amor romântico foram se modificando no decorrer dos tempos. Mudanças externas  inseridas pela sociedade. Num primeiro momento  pela necessidade de manter a ordem, estabilidade e o controle das riquezas existiu o casamento por conveniência e o amor era colocado como algo da fantasia. Não existia a consequência: nos amamos e por isso nos casamos.   
A Igreja e outras instituições estipularam uma série de valores e normas dirigidas ao amor. Inicialmente o amor só poderia existir se fosse por Deus. Já na sociedade de cortesia o amor por Deus é deslocado para a imagem da Dama, que não se trata de alguém real, mas algo inatingível. Os casamentos nesta época eram feitos por “arranjos comerciais”.  O amor real não existia, podia somente ser vivido na fantasia do “enamorado” e do poeta.
O amor cortês foi a primeira manifestação do amor como hoje conhecemos: uma relação pessoal. Surgiu no século XII com os trovadores pertencentes à nobreza da Provença, mais tarde estendeu-se a outras regiões da Europa. Até então, o que havia era o desejo sexual e a busca de sua satisfação, muito diferente da experiência do apaixonar-se vivida por esses jovens. Do amor fazem parte a aventura e a liberdade e não as obrigações e  as dívidas. A virtude era o atributo que isentava esse amor de toda carnalidade. Os trovadores nunca cantavam o amor consumado. A maioria rejeitava claramente todo desejo de possuir suas damas. Exaltavam o amor infeliz, eternamente insatisfeito.
Poesia do amor cortês, a exaltação do amor, a visão da mulher idealizada e a não concretização do amor.
(Sem Título) 


Preguntar-vos quero por Deus,
senhor fremosa, que vos fez
mesurada e de bom prez (1),
que pecados foron os meus
que nunca tevestes por bem
de nunca mi fazerdes bem.
Pero (2) sempre vos soub'amar
des aquel dia que vos vi,
mais que os meus olhos em mi,
e assi o quis Deus guisar (3)
que nunca tevestes por bem
de nunca mi fazerdes bem.
Des que vos vi, sempr' o maior
bem que vos podia querer,
vos quiji (4) a todo meu poder;
e pero quis nostro senhor
que nunca tevestes por bem
de nunca mi fazerdes bem.
                              D. Dinis

 Os casamentos nesta época eram considerados uma maneira de manter a ordem, riqueza e a reprodução. O matrimônio impõe o sério e a compostura. Nas relações entre os cônjuges  poderia existir estima, mas não o amor.  A paixão, o desejo, o impulso sexual eram entendidos como desordem e perturbação.
Em nossa cultura, concepções a respeito do amor romântico foram  transformando-se e atualmente na sociedade atual as pessoas estão buscando consumir; o efêmero para proteger-se contra a intimidade, tornando–se indiferentes umas as outras. Esse fato não ocorre somente com o amor romântico, mas com as atitudes e comportamentos.
 Apesar de vivermos numa sociedade consumista e efêmera, o amor romântico tem um grande espaço na realidade e no desejo de cada indivíduo. O amor passa a ser uma meta. Tenta-se a cada relacionamento encontrá-lo, mas ao mesmo tempo,  as dificuldades e a intimidade que o amor real exige não são toleradas. Enfim busca-se um relacionamento amoroso, mas para acontecer a intimidade, nossas imperfeições e as dos outros vêm a tona. Será que estamos dispostos a pagar este preço?

segunda-feira, 30 de julho de 2012

A idealização do amor romântico


O amor romântico na atualidade é uma experiência que na maioria das vezes é percebida como uma recompensa aos obstáculos que a vida apresenta, vivido como uma recompensa. Sendo assim, a vivência de um amor supostamente daria a garantia da perfeição e complementação. Qualquer diferença ou obstáculo que os parceiros encontrem não é sentido e percebido como amor. 

Em nossa cultura o amor romântico aparece em toda parte: na literatura e teatro - romances como Romeu e Julieta e no Mito Tristão e Isolda que consistem Na exaltação do amor. Ambas histórias apresentam obstáculos aos parceiros. Obstáculos gratuitos, mas que levam os protagonistas a sofrerem e lutarem pela realização desse amor e finalmente quando conseguem superá-los, criam obstáculos imaginários, separando–se definitivamente. Os dois casais acabam morrendo, em nome desse sentimento, exaltando a possibilidade do amor eterno. Nos contos de fada, como Cinderela e a Bela Adormecida, os parceiros lutam para realizarem seu amor. Geralmente o casal mal se conhece e a história refere-se à fase da conquista e quando finalmente, os parceiros conseguem ficar juntos, a história termina, com a metáfora: “Casaram-se e foram felizes para sempre”.

Nas novelas da TV, via de regra, vale tudo em nome do amor e da felicidade. O casal passa a novela inteira lutando para ficarem juntos, passando por diversos obstáculos: inveja e inimizades e, quando finalmente conseguem ultrapassar todas as dificuldades, a novela termina. Penso que nessas histórias, existe uma exaltação do amor e não dos parceiros, ama-se o fato de amar. Apaixona-se pela paixão.

Quase todas as pessoas em nossa cultura, estão aprisionadas pela idéia de que só é possível haver felicidade se existir um grande amor. Não importa muito se a relação amorosa é limitante ou tediosa. Qualquer coisa é melhor do que ficar sozinho. O fundamental é ter alguém ao lado, o restante constrói-se ou modifica-se como num passe de mágica. Busca-se então desesperadamente o amor pelo medo da solidão. A pessoa amada não é percebida com clareza, mas através de uma névoa que distorce o real.

Para manter-se envolto na névoa que cobre o amor romântico, depois de algum tempo, é necessário que o outro corresponda à idealização, evitando qualquer intimidade real, calando-se sobre os pensamentos e sentimentos mais íntimos, bem como evitando o aprofundamento do relacionamento físico. Enfim esta visão do amor romântico idealizada construída no decorrer dos tempos é geralmente um impecilho à vida real, pois uma relação de amor é construída por dois seres humanos reais, sujeito a qualidades e defeitos. Sujeitos também a obstáculos diários, a tristezas e alegrias. Talvez, colocar a relação amorosa como algo real, com seus altos e baixos, seja a única possibilidade de viver uma relação com o amor.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Ser mulher...

Somos seres constituídos pela falta: à medida que estamos inseridos na cultura, somos homens ou mulheres, não podemos fazer tudo que nos dá prazer, alias, aquilo que é prazer para alguns é desprazer para outros, enfim é impossível sermos completos, preenchidos, apesar de almejarmos isso o tempo todo.
Somos seres que nascemos como consequência de  uma falta. A mulher por sua  constituição é não toda, e segundo Freud apresenta o penisneid, a inveja do pênis e o desejo de ser mãe advém justamente desta falta. Enfim, nascemos do desejo, pois há falta, há movimento.
Ter um bebê, segundo Freud é uma das saídas para feminilidade. Esse bebê (menino ou menina) vai ocupar pelo menos por um tempo, o lugar de falo para esta mãe. A mulher quando está grávida, imagina este bebê, cria inúmeras expectativas. Enfim, existe um bebê imaginado
Quando o bebê real nasce, geralmente não há uma intersecção entre o bebê imaginado e o bebê real. Para que ele ocupe o lugar de falo no desejo da mãe, é necessário um “banho de imaginário neste bebê real”. O bebê real é insustentável. Aquilo que faz esse recobrimento é o narcisismo. Neste primeiro momento, apesar de já ter nascido. O bebê, é uma parte do corpo da mãe, mas para isso, há uma suposição: falta algo a ela para este bebê preencher.
Ai está um curto circuito, o bebê só preenche porque há falta, mas também por um longo tempo vai perceber a mãe como preenchida. Até que num determinado momento: existe a percepção da mãe  como castrada. A mãe é não toda.
Na menina a  percepção da falta da mãe a conduz à sua própria falta. É um momento fundamental, pois a mãe é seu objeto de amor e de identificação. A relação mãe menina é passional e esse desenlace é devastador. A figura paterna não faz essa substituição (da mãe para o pai, como no caso dos meninos).Não há um deslocamento instintual da mãe para o pai. Há uma decepção.
A menina desloca-se para o pai, porque nele está a possibilidade de receber o falo. No Édipo: a menina se identifica com a mãe, e o seu objeto de amor é o pai, entretanto como não ocorreu uma substituição, o amor que a menina tem pelo pai, é um deslocamento da relação que a menina tinha com sua mãe. A figura paterna recobre apenas uma parte desta passionalidade entre mãe e filha,  há um fracasso na metáfora paterna, pois a menina como a mãe é não toda e seria impossível esta substituição.Quanto a saída do Édipo,  Freud propões três possibilidades de saídas:
ü  Maternidade
ü  Aceita a sua falta: Máscara fálica.
ü  Retorna a fase anterior – posição masculina/homossexual.
Como mulher e praticante da psicanálise  sempre penso: como lido com a falta estrutural já que é inerente? Será que cada estrutura tem um jeito próprio de lidar com isso? Como isso se reflete na realidade e na clínica?

terça-feira, 24 de julho de 2012

A menina e sua mãe.

A menina entra no Complexo de Édipo a partir do complexo de castração. Entretanto no momento pré edipiano, tanto no menino como na menina: o primeiro objeto de amor é a mãe.

Frente a castração materna, a menina constata que a mãe não tem o falo, e ela também não o tem. A menina decepcionada apresenta um sentimento de menos valia, inferioridade, mas também responsabiliza a mãe por não ter lhe dado.

“Assim como uma cicatriz, na mulher que reconhece sua ferida narcísica, instala-se um sentimento de inferioridade.”[1]  É a partir do narcisismo, das identificações que a que inveja do pênis (penisneid) traduz seus primeiros efeitos.  

O complexo de castração prepara a menina para o Complexo de Édipo. “Em vez de destruí-lo, a menina é forçada a abandonar a ligação com a mãe. Através de sua inveja do pênis e entra na situação edipiana como se esta fosse um refúgio.”[i][2]

Em relação ao primado fálico, menina se apoia no narcisismo, e a questão da diferença sexual fica envolta a um vel. Entretanto a menina partilha com os meninos o desprezo que o homem sente pelo sexo feminino.

Ao se julgar inferior torna-se igual ao homem por esse julgamento. Isso ocorre também, em relação a sua mãe. Acrescentando ainda ao fato de que a filha crê que sua mãe não lhe deu um verdadeiro  órgão genital como deu ao menino.

O sexo feminino permanece encoberto e assim é possível a identificação mãe e filha, entretanto relação marcada por esta desvalorização.  A mãe é uma das últimas mulheres a qual se tem a percepção de que é destituída de pênis.

Freud vai sempre se deparar com o mesmo obstáculo: a relação com o pai não faz realmente desaparecer, para a menina, a relação primária à mãe. [ii][3]

O pai neste momento é o elemento central. Essa passagem da mãe ao pai seria um deslocamento da figura materna. Inclusive com características semelhantes da primeira relação. E esse deslocamento(metonímia) acompanha a menina durante a vida adulta, nos relacionamentos amorosos com seus parceiros. É como se a figura paterna jamais substituísse(metáfora) a figura materna.

“Tudo se passa na realidade como se para a menina, o pai nunca substituísse completamente a mãe, como se fosse sempre esta última que continuasse a agir através da figura do primeiro.”[4]

Isso não significa que a menina não esteja assujeitada ao nome-do-pai, senão a menina seria psicótica. Apenas, é impossível que a mulher esteja inscrita totalmente na ordem fálica.

A renúncia do pênis não é tolerada pela menina sem alguma tentativa de compensação. Ela desliza. Ao longo da linha de uma equação simbólica poder-se-ia dizer – do pênis para um bebê como presente – de dar-lhe um filho. Freud aponta ainda que dois desejos permanecem catexizados na menina: desejo de pênis e o desejo de bebê.

Entretanto, existem outras saídas à menina para o Complexo de Édipo. A relação com a mãe permanece muito importante, percebemos isso no trabalho clínico, onde esta figura permanece intensamente presente, como amor ou como rivalidade. 



[1]Freud. A organização sexual infantil 1923
[2] Freud. A organização sexual infantil 1923
[3] Freud. A organização sexual infantil 1923
[4] Andre, S. O que quer uma mulher. P 179



[i] Freud. A organização sexual infantil 1923
[ii]André S. O que quer uma mulher? p 202

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Os impasses da feminilidade


Nesta semana a proposta é abordar a feminilidade. Como podemos pensar a constituição do sujeito feminino pelo viés da psicanálise? Este texto existe muito mais como questão, do que de uma certeza sobre a constituição da feminilidade.

Na clínica, nos deparamos com um mal estar estrutural que norteia a feminilidade. Por esta não ter um significante que a nomeia. No caso do menino existe o significante fálico que lhe dá uma nomeação, um ponto que lhe garante alguma coisa. Esse mal estar relaciona-se a complexidade da constituição do feminino.

Em psicanálise o sexo feminino não está enunciado desde o princípio, trata-se de uma construção. A feminilidade é um se tornar, que paradoxalmente, se inaugura para a menina a partir de seu complexo de masculinidade.

No inconsciente o que fica colocado é o primado fálico. A princípio para a criança tanto menina como menino, todos os seres tem pênis.  A descoberta desta divisão entre os sexos é sempre traumática, para ambos os sexos. Como diz Freud:  a sexualidade permanece traumática: “Enquanto o complexo de Édipo no menino se dissolve sob o efeito do complexo de Castração, o da menina é tornado possível e introduzido pelo complexo de castração.”

A descoberta da castração da mãe acarreta tanto para o menino quanto para a menina, uma desvalorização do personagem materno. A menina, ao tornar a mãe responsável por sua própria falta de pênis, junta esse desprezo um ressentimento, que se traduz por desejo(duplo sentido inveja e desejo) com relação aquele que tem pênis. E como se identificar com a mãe, já que esta a priori já esta numa posição desvalorizada e alvo de ressentimento?
Nas elaborações de Freud a femilidade é colocada como um enígma.
A feminilidade é colocada sob duas vertentes: de um inominável, de um real que faz furo na fala. E de um avesso nomeado pelo primado fálico que nomeia a falta da castração. Vimos que Freud encontra o inominável sob a forma de três figuras: o real da carne(feminino aparece como dessexualizado),  morte(mutismo),lacuna do psiquismo(umbigo do qual giram as representações). Enfim a feminilidade ficaria num lugar da falta de palavras para dar uma significação de si. No viés lacaniano poderíamos pensar a feminilidade com certa aproximação entre real e imaginário e certo distanciamento do simbólico, mas o que isso pode significar?

Freud também articula a feminilidade, através de certa analogia com o Complexo de Édipo masculino, entretanto através de seus estudos, construções e desconstruções aborda a feminilidade como algo de certa complexidade. O Complexo de Édipo feminino inicia-se, quando no menino há sua saída.

Na constituição do sujeito feminino há duas mudanças que supostamente deveriam ocorrer: a primeira em relação ao objeto de amor: do objeto mãe iria para o pai. A outra mudança seria em relação a zona erógena: clitóris deslocaria-se para a vagina.

Segundo Freud a menina não ama seu pai desde o inicio. Em ambos, os menino e a menina,  a mãe é o primeiro objeto de amor: ela é conduzida ao pai progressivamente, através de sua relação com a mãe. A menina frente à castração materna constata que sua mãe não é fálica, é não toda. A menina busca uma compensação a essa falta. Sendo assim é levada a se voltar para o pai, portador do pênis, na esperança de receber dele aquilo que sua mãe, por natureza, não lhe pode dar. Em outros termos, é na medida em que ela quer ter aquilo que falta a sua mãe que se torna uma mulher.
Como não ocorre o recobrimento total desta relação com o Outro, a consequência será em relação a mãe algo do amor/ódio. Algo da ordem do devoramento.
O corte é bem mais sutil o resquício de um primeiro momento é atualizado. A menina em relação a mãe apresenta o amor e o ódio e toda sua constituição se dá por metonímia.
Freud aponta que a maternidade seria uma das saídas para a feminilidade.  As outras duas saídas seriam: masculinização ou o recalque, ou seja a homossexualidade ou o abandono de qualquer sexualidade. Entretanto, em Freud o limite da análise seria: penisneid. A inveja do pênis.
Em Lacan o falo e a castração não mais se colocam como obstáculos à feminilidade, mas ao contrário , como as condições para toda a feminilidade possível. Existe na realidade a insuficiencia da inscrição total da mulher no significante Nome-do-pai, o que acarreta em Freud, na insuficiência superegoica, a mulher não é toda castrada.
"O destino da menina aparece assim, como o de uma metáfora impossível ou de uma luta permanente para se elevar do registro da metonímia para o da metáfora. "
Talvez uma saída feminina para este mal estar estrutural seja aceitar essa impossibilidade. Não como submissão, mas algo de uma aposta na palavra,  no movimento, e finalmente na poesia.


Referências:

André, S. (1986). O que quer uma mulher. Rio de Janeiro. Imago. 1998

Sanada, E. (2006). A/ Mulher e o não saber: Um estudo psicanalítico sobre os avatares da sexualidade feminina. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo.