Filme
Melancolia Um filme que nos possibilita questionar
nosso posicionamento frente as demandas da cultura, que por mais que façamos,
não para de demandar: um casamento, um trabalho, ser uma ótima filha, uma ótima
irmã...
A ilusão do amor como complemento.
O Real que se coloca no choque dos planetas e o fim dos tempos como
irremediável. E as diversas possibilidades de lidar com isso. Neste momento
surpreendidos, falta-nos a palavra só nos resta nos re-inventar com toda a
simplicidade...
Título Original: Melancholia
País de Origem: Dinamarca, França, Alemanha, Itália e Suécia
Gênero: Ficção Científica
Tempo de Duração: 130 minutos
Ano de Lançamento: 2011
Direção: Lars von Trier
INSTANTE DE VER:
Desde o primeiro momento deste
filme, percebe-se o jogo de imagens e sons. Significantes que aparecem e
desaparecem, como num jogo de ausência e presença, que é próprio ao
significante. Algo que nos intriga, mas ao mesmo tempo causa-nos certo
estranhamento. Uma narrativa do filme através de imagens, como num sonho.
É Interessante que como numa
sessão de análise esses significantes, mesmo que desarticulados, sem
significação, parecem que dizem algo do sujeito. E que ao final do filme e no
decorrer das sessões, é justamente, através das significações dadas essas
imagens que aparecem repetidamente
apresentam um sentido inconsciente.
A
insustentável leveza do ser: A imagem desesperançada de
Justine/ Justine envolta em
borboletas/noiva/ Justine maestro/soltando certa luz pelas mãos/ Noiva
carregando um grande peso, tentando seguir em frente/apesar de presa/ Uma
pessoa carregando outra/pegadas/ Noiva morta/ Solidão
Queda:
Folhas
que caem/ Cavalo caído
Final
dos tempos: Relógio /2 tempos do filme/Movimento de um
Planeta/ 2 planetas (um grande/pequeno)/ 2 planetas se chocando/2 planetas
próximos se dissolvendo.
TEMPO DE COMPREENDER
Primeira
parte: JUSTINE
O filme propriamente dito se
inicia com a ida de Justine e Michael ao próprio casamento. Eles estão numa
limusine branca e tentam atravessar uma pequena estrada de terra. Já neste
instante percebe-se certo descompasso, através de idas e vindas do casal
conseguem passar por essa sinuosa e minúscula via e finalmente chegam ao
próprio casamento. Comemoração organizada pela irmã de Justine e pelo cunhado
milionário. Neste momento já é possível pensar: esse casamento realiza o sonho
de quem?Justine, ou Claire? Casamento com tudo que o sonho capitalista pode
oferecer: limusine, jantar elegante, marido fantástico, pais presentes, convidados
vestidos luxuosos e regras a serem preenchidas.
Entretanto, já neste momento percebemos certa
tristeza ,ausência da noiva e um peso nas pernas, como se tivesse impossível se
sustentar. Ao que parece Justine não está implicada ao que supostamente seria a
felicidade capitalista ou ao seu casamento, mas a que Justine está implicada? A responder a demanda do Outro. Mas como? Se
nem ao menos sabe o que quer?Como se perguntasse a todos: O que queres? Vê-se
em situações e lugares em que não gostaria de estar. Em nome do amor, ou para
ser amada e por sua inconsistência Justine fica a mercê do capricho do Outro.
Chegam horas atrasados ao
próprio casamento. Justine frustra a irmã e consequentemente se frustra, porque
neste momento o que quer, apesar de não conseguir sustentar é corresponder a
demanda da irmã.Além disso frustra os seus próprios ideais de perfeição,
inerentes ao neurótico. Quanto maior os ideais, maior será a decepção. Porque a
própria estrutura da neurose é insustentável.
Outro ponto importante, diz
respeito a relação de Justine com seus pais, e algumas marcas desses pais,
aparecem em Justine.
Pai : Homem sarcástico,
brinca com as leis/regras. Ausente e não implicado com as filhas. Em sua fala
demonstra total desconhecimento sobre Justine: “Você está linda e radiante” – “ Eu nunca te
vi mais feliz do que hoje” Sendo que é perceptível a infelicidade da
filha. Justine apesar de decepcionada com
essa figura tenta salvá-lo, mantê-lo numa posição dentro da constelação
familiar, mas o pai a decepciona/a frustra, pois ele foge.
Mãe: Essa mulher ao que
parece, apesar de sua dureza está decepcionada com o amor, mas o utiliza na via
contrária no ódio e na amargura. Para ela, Justine não deveria se casar para
não se decepcionar: “Justine se você tem alguma ambição, não foi herdada pelo
lado paterno da família” “Eu não acredito em casamento.”De alguma maneira, essa
mãe é uma referência para Justine e se identifica com ela. Justine ambiciosa é
uma ótima profissional e se sustenta nesta posição. E é justamente nas questões
afetivas que a fazem mancar. E através de uma metáfora aborda suas dificuldades
no amor: “Eu tenho dificuldade de andar corretamente.”“Então vá embora
mancando. Pare de sonhar Justine” “Eu tenho medo – Então ignore”“Agora saia
daqui.”
Justine na tentativa de
corresponder às demandas de amor da irmã, da mãe e do pai e dos seus próprios
ideais vive um conflito, pois percebe sua insustentabilidade. Além da família,
tem o noivo. Será que Justine o ama? Ou será que ele é apenas um figurante deste
drama?
O noivo somente sorri
desconcertado frente a inconsistência de Justine e de sua família. “Eu nunca sonhei que teria uma esposa tão
linda como você.” “Eu te amo.” Percebendo a tristeza a frustração de Justine,
coloca-se como o responsável pelo mal estar que a moça sente. “A culpa é minha
por seu mal estar” e foge, como o pai.
Será que existem culpados,
ou será que são todas vítimas de uma neurose, ou da própria fragilidade que circunda o mal estar no ser humano. É
difícil abrir mão dos ideais, assumir suas próprias responsabilidades, implicar
com seus desejos.
No consultório ouvimos
diariamente as narrativas de nossos analisantes: Suas queixas, suas repetições,
lutos, suas dores, ações e reações ao amor e desamor. Numa análise, como analistas, mas que
dependem do analisante, temos vários objetivos, um deles é que o sujeito possa
reconstruir a sua história, através das suas significações e ressignificações,
outro objetivo, é que esses ideais intangíveis tornem-se tangíveis/possíveis,
porque os ideais são importantes, pois sustentam, aquilo que é insustentável, mas
não podem manter o sujeito paralisado frente a qualquer frustração.
Esse primeiro momento do
filme, aborda também as questões imaginárias, dos ideais próprios e da
sociedade e consequentemente das demandas de amor e das frustrações. Justine acreditou
poder sustentar uma nova posição: sorrindo, mas como sorrir diante da decepção
e frustração.
Justine, neste primeiro momento, perde....
Não sustenta a posição de
casada, de mulher, se ausenta do próprio sexo com o Marido, para transar com um
outro durante o próprio casamento.
Michael solicita uma posição que ela não consegue sustentar. E diz: “Poderia
ter sido diferente” “É poderia, mas também o que você esperava?” Tem razão...
E agora José
Está sem trabalho...
Está sem marido...
Está sem irmã...
Está sem pai, nem mãe..
E agora José...
MOMENTO DE CONCLUIR:
Segunda
parte: Claire
Justine cai em depressão, Claire tenta sustentar mais uma vez sua irmã, entretanto
essa sustentação vem do marido: homem,
uma figura fálica, de posses que garante
a felicidade de Claire e ao mesmo tempo uma sustentação “do saber”, garantindo sua vida, a
do filho e de Justine. Diante da ameaça do mundo acabar graças ao choque do
planeta Melancholia e o planeta terra.
Claire
não mede esforços para inserir Justine em seu mundo sofisticado e elegante e
num segundo momento a realidade concreta. Justine demonstra traços depressivos
extremamente profundos, como na cena e que ela sequer consegue se levantar para
tomar banho. O quadro de apatia, anunciado na primeira parte do filme, certa
fragilidade, aqui aparece como um estado
melancólico. Na cena em que Justine come
o apetitoso rocambole de carne feito por Claire, e então põe-se a chorar
dizendo sentir apenas o gosto de cinzas, coloca-se de forma dramática a coisa
insossa que é a vida diante de um melancólico. Para ele, não há prazer
possível.
A
tristeza, o mal estar, é uma condição como a alegria. Atualmente, ao menor
sinal de tristeza, utilizam-se os fârmacos, pois é proibido falar e sentir
tristeza ou qualquer mal estar. Diz o slogan: “Sorria você está sendo filmado.”
No
filme, Justine demonstra a exacerbação de uma tristeza, o que num primeiro
momento poderíamos pensar: trata-se de uma melancolia? Entretanto, através da
primeira parte do filme, podemos perceber em Justine apresenta uma estrutura
neurótica e por isso não poderia se tratar de uma melancolia, mas sim uma
depressão neurótica. O que vem ao encontro da primeira parte do, onde Justine
perde todos os objetos pelos quais investia, além de “desinvestir-se”. Justine
em grande parte do filme está perdida. E Claire, só não está porque de alguma
forma este marido e filho a sustenta, o amor a sustenta e lhe dá uma
possibilidade de gozo.
Talvez
Justine seja mais corajosa que Claire principalmente na segunda parte quando
diante da ameaça, Justine espera o final, despida de qualquer artimanha e sem
se segurar em ninguém, ao contrário sustentando sua irmã e seu sobrinho, já que
diante da ameaça o marido se suicida.
Mais
do que o choque entre os planetas e um suposto final dos tempos, como foi bem
marcado no início do filme através das imagens. Podemos pensar sobre um final
de análise. Diante da queda dos objetos, das identificações, das demandas,
chegamos ao desejo (simbólico) e a morte (real, castração). Só neste momento é
possível se reinventar, lidar com a vida de maneira diferente. Como se cada dia
fosse o último dia, através da própria singularidade de cada um. E tudo isso, graças a perdas: é perder para
ganhar.
O
filme Melancolia é um convite a várias interpretações, mas a mim soa como um
convite a pensar o amor,desamor, a insustentável leveza do ser e o ser diante
do inevitável: a morte.
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