quarta-feira, 8 de agosto de 2012


Filme Melancolia  Um filme que nos possibilita questionar  nosso posicionamento frente as demandas da cultura, que por mais que façamos, não para de demandar: um casamento, um trabalho, ser uma ótima filha, uma ótima irmã...

A ilusão do amor como complemento.

O Real que se coloca no choque dos planetas e o fim dos tempos como irremediável. E as diversas possibilidades de lidar com isso. Neste momento surpreendidos, falta-nos a palavra só nos resta nos re-inventar com toda a simplicidade...

Título Original: Melancholia
País de Origem: Dinamarca, França, Alemanha, Itália e Suécia
Gênero: Ficção Científica
Tempo de Duração: 130 minutos
Ano de Lançamento: 2011
Direção: Lars von Trier


INSTANTE DE VER:

Desde o primeiro momento deste filme, percebe-se o jogo de imagens e sons. Significantes que aparecem e desaparecem, como num jogo de ausência e presença, que é próprio ao significante. Algo que nos intriga, mas ao mesmo tempo causa-nos certo estranhamento. Uma narrativa do filme através de imagens, como num sonho.

É Interessante que como numa sessão de análise esses significantes, mesmo que desarticulados, sem significação, parecem que dizem algo do sujeito. E que ao final do filme e no decorrer das sessões, é justamente, através das significações dadas essas imagens que aparecem repetidamente  apresentam um sentido inconsciente.

A insustentável leveza do ser: A imagem desesperançada de Justine/ Justine  envolta em borboletas/noiva/ Justine maestro/soltando certa luz pelas mãos/ Noiva carregando um grande peso, tentando seguir em frente/apesar de presa/ Uma pessoa carregando outra/pegadas/ Noiva morta/ Solidão

Queda: Folhas que caem/ Cavalo caído

Final dos tempos: Relógio /2 tempos do filme/Movimento de um Planeta/ 2 planetas (um grande/pequeno)/ 2 planetas se chocando/2 planetas próximos se dissolvendo.

TEMPO DE COMPREENDER
Primeira parte: JUSTINE

O filme propriamente dito se inicia com a ida de Justine e Michael ao próprio casamento. Eles estão numa limusine branca e tentam atravessar uma pequena estrada de terra. Já neste instante percebe-se certo descompasso, através de idas e vindas do casal conseguem passar por essa sinuosa e minúscula via e finalmente chegam ao próprio casamento. Comemoração organizada pela irmã de Justine e pelo cunhado milionário. Neste momento já é possível pensar: esse casamento realiza o sonho de quem?Justine, ou Claire? Casamento com tudo que o sonho capitalista pode oferecer: limusine, jantar elegante, marido fantástico, pais presentes, convidados vestidos luxuosos e regras a serem preenchidas.

 Entretanto, já neste momento percebemos certa tristeza ,ausência da noiva e um peso nas pernas, como se tivesse impossível se sustentar. Ao que parece Justine não está implicada ao que supostamente seria a felicidade capitalista ou ao seu casamento,  mas a que Justine está implicada?  A responder a demanda do Outro. Mas como? Se nem ao menos sabe o que quer?Como se perguntasse a todos: O que queres? Vê-se em situações e lugares em que não gostaria de estar. Em nome do amor, ou para ser amada e por sua inconsistência Justine fica a mercê do capricho do Outro.

Chegam horas atrasados ao próprio casamento. Justine frustra a irmã e consequentemente se frustra, porque neste momento o que quer, apesar de não conseguir sustentar é corresponder a demanda da irmã.Além disso frustra os seus próprios ideais de perfeição, inerentes ao neurótico. Quanto maior os ideais, maior será a decepção. Porque a própria estrutura da neurose é insustentável.

Outro ponto importante, diz respeito a relação de Justine com seus pais, e algumas marcas desses pais, aparecem em Justine.

Pai : Homem sarcástico, brinca com as leis/regras. Ausente e não implicado com as filhas. Em sua fala demonstra total desconhecimento sobre Justine:   “Você está linda e radiante” – “ Eu nunca te vi mais feliz do que hoje” Sendo que é perceptível a infelicidade da filha.  Justine apesar de decepcionada com essa figura tenta salvá-lo, mantê-lo numa posição dentro da constelação familiar, mas o pai a decepciona/a frustra, pois ele foge.

Mãe: Essa mulher ao que parece, apesar de sua dureza está decepcionada com o amor, mas o utiliza na via contrária no ódio e na amargura. Para ela, Justine não deveria se casar para não se decepcionar: “Justine se você tem alguma ambição, não foi herdada pelo lado paterno da família” “Eu não acredito em casamento.”De alguma maneira, essa mãe é uma referência para Justine e se identifica com ela. Justine ambiciosa é uma ótima profissional e se sustenta nesta posição. E é justamente nas questões afetivas que a fazem mancar. E através de uma metáfora aborda suas dificuldades no amor: “Eu tenho dificuldade de andar corretamente.”“Então vá embora mancando. Pare de sonhar Justine” “Eu tenho medo – Então ignore”“Agora saia daqui.”

Justine na tentativa de corresponder às demandas de amor da irmã, da mãe e do pai e dos seus próprios ideais vive um conflito, pois percebe sua insustentabilidade. Além da família, tem o noivo. Será que Justine o ama? Ou será que ele é apenas um figurante deste drama? 

O noivo somente sorri desconcertado frente a inconsistência de Justine e de sua família.  “Eu nunca sonhei que teria uma esposa tão linda como você.” “Eu te amo.” Percebendo a tristeza a frustração de Justine, coloca-se como o responsável pelo mal estar que a moça sente. “A culpa é minha por seu mal estar”  e foge, como o pai.

Será que existem culpados, ou será que são todas vítimas de uma neurose, ou da própria fragilidade  que circunda o mal estar no ser humano. É difícil abrir mão dos ideais, assumir suas próprias responsabilidades, implicar com seus desejos.

No consultório ouvimos diariamente as narrativas de nossos analisantes: Suas queixas, suas repetições, lutos, suas dores, ações e reações ao amor e desamor.  Numa análise, como analistas, mas que dependem do analisante, temos vários objetivos, um deles é que o sujeito possa reconstruir a sua história, através das suas significações e ressignificações, outro objetivo, é que esses ideais intangíveis tornem-se tangíveis/possíveis, porque os ideais são importantes, pois sustentam, aquilo que é insustentável, mas não podem manter o sujeito paralisado frente a qualquer frustração.

Esse primeiro momento do filme, aborda também as questões imaginárias, dos ideais próprios e da sociedade e consequentemente das demandas de amor e das frustrações. Justine acreditou poder sustentar uma nova posição: sorrindo, mas como sorrir diante da decepção e frustração.

Justine, neste primeiro momento, perde....

Não sustenta a posição de casada, de mulher, se ausenta do próprio sexo com o Marido, para transar com um outro  durante o próprio casamento. Michael solicita uma posição que ela não consegue sustentar. E diz: “Poderia ter sido diferente” “É poderia, mas também o que você esperava?” Tem razão...

E agora José

Está sem trabalho...

Está sem marido...

Está sem irmã...

Está sem pai, nem mãe..

E agora José...

MOMENTO DE CONCLUIR:
Segunda parte: Claire

Justine cai em depressão, Claire tenta  sustentar mais uma vez sua irmã, entretanto essa sustentação  vem do marido: homem, uma figura fálica,  de posses que garante a felicidade de Claire e ao mesmo tempo uma  sustentação “do saber”, garantindo sua vida, a do filho e de Justine. Diante da ameaça do mundo acabar graças ao choque do planeta Melancholia  e o  planeta terra.

Claire não mede esforços para inserir Justine em seu mundo sofisticado e elegante e num segundo momento a realidade concreta. Justine demonstra traços depressivos extremamente profundos, como na cena e que ela sequer consegue se levantar para tomar banho. O quadro de apatia, anunciado na primeira parte do filme, certa fragilidade,  aqui aparece como um estado melancólico.  Na cena em que Justine come o apetitoso rocambole de carne feito por Claire, e então põe-se a chorar dizendo sentir apenas o gosto de cinzas, coloca-se de forma dramática a coisa insossa que é a vida diante de um melancólico. Para ele, não há prazer possível.

A tristeza, o mal estar, é uma condição como a alegria. Atualmente, ao menor sinal de tristeza, utilizam-se os fârmacos, pois é proibido falar e sentir tristeza ou qualquer mal estar. Diz o slogan: “Sorria você está sendo filmado.”

No filme, Justine demonstra a exacerbação de uma tristeza, o que num primeiro momento poderíamos pensar: trata-se de uma melancolia? Entretanto, através da primeira parte do filme, podemos perceber em Justine apresenta uma estrutura neurótica e por isso não poderia se tratar de uma melancolia, mas sim uma depressão neurótica. O que vem ao encontro da primeira parte do, onde Justine perde todos os objetos pelos quais investia, além de “desinvestir-se”. Justine em grande parte do filme está perdida. E Claire, só não está porque de alguma forma este marido e filho a sustenta, o amor a sustenta e lhe dá uma possibilidade de gozo.

Talvez Justine seja mais corajosa que Claire principalmente na segunda parte quando diante da ameaça, Justine espera o final, despida de qualquer artimanha e sem se segurar em ninguém, ao contrário sustentando sua irmã e seu sobrinho, já que diante da ameaça o marido se suicida.

Mais do que o choque entre os planetas e um suposto final dos tempos, como foi bem marcado no início do filme através das imagens. Podemos pensar sobre um final de análise. Diante da queda dos objetos, das identificações, das demandas, chegamos ao desejo (simbólico) e a morte (real, castração). Só neste momento é possível se reinventar, lidar com a vida de maneira diferente. Como se cada dia fosse o último dia, através da própria singularidade de cada um.  E tudo isso, graças a perdas: é perder para ganhar. 

O filme Melancolia é um convite a várias interpretações, mas a mim soa como um convite a pensar o amor,desamor, a insustentável leveza do ser e o ser diante do inevitável: a morte.










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