sábado, 27 de setembro de 2014

Sobre o narcisismo: Uma introdução (1914) - Parte III


Freud nesta terceira parte do artigo: Sobre o narcisismo: Uma introdução (1914), busca situar a gênese da neurose a partir da teoria da libido, abordando conceitos interessantes e importantes para a psicanálise: eu ideal/ideal de eu, sublimação e supereu (este conceito foi construído de fato mais a frente no texto "Eu e o Id"). 
O interessante também deste texto  é perceber como Freud constrói sua teoria a partir de perguntas que faz a si próprio. Sua generosidade ao dividir não só a teoria, mas a construção de uma teoria, realmente torna o texto instigante e causando sempre o desejo de saber mais. 

A princípio Freud parte do complexo de castração para tentar explicar a origem da neurose, para logo em seguida refutar essa ideia por acreditá-la insustentável, por mais que perceba o complexo de castração como um limite à cura da neurose tanto nos homens quanto nas mulheres.  

Parte em seguida para a teoria da libido, abordando a passagem do narcisismo primário, onde o investimento da libido ocorria no eu, para o momento onde a libido é investida nos objetos. Questionando justamente a mudança que ocorre no indivíduo: para onde foi "sua majestade o bebê" e sua "megalomania infantil"? Essas características da criança são decorrentes do intenso investimento da libido no eu. Essa libido investida é oriunda das pulsões de autoconservação, enquanto que as pulsões investidas nos objetos que são as pulsões sexuais. A partir disto, Freud pergunta: "Que aconteceu à libido do eu? Devemos supor que toda  ela se converteu em investimentos objetais? " Sobre o narcisismo: Uma introdução (1914)

RECALQUE


A ação do recalque talvez seja a resposta para entendermos o reencaminhamento da libido do eu.  Quando ocorre conflito entre os ideais culturais/éticos e os impulsos pulsionais libidinais, consequentemente ocorre o recalque. Ação em que os impulsos pulsionais se mantém no inconsciente, demandando quantidade de energia libidinal para manter esses impulsos recalcados. 

Esses ideais não estão acessíveis a consciência, mas tratam-se de padrões, exigências, expectativas de si próprio. Os ideais são constituídos a partir do narcisismo(eu real/amor próprio do eu). O indivíduo tenta a vida inteira buscar o ideal. Podemos pensar o ideal isso sob duas perspectivas: como referências, que organizam e nos impulsionam a buscar sempre, mas também podem ser fontes de repetitivos fracassos e infelicidades, pois buscamos algo que não existe. a busca pelo ideal é uma tentativa de postergar a vida...

"Esse eu ideal é agora o alvo do amor de si mesmo (self-love) desfrutado na infância pelo eu real. O narcisismo do indivíduo surge deslocado em direção a esse novo eu ideal, o qual, como o eu infantil, se acha possuído de toda perfeição de valor. Como acontece sempre que a libido está envolvida, mais uma vez aqui o homem se mostra incapaz de abrir mão de uma satisfação de que outrora desfrutou. Ele não está disposto a renunciar à perfeição narcisista de sua infância; e quando, ao crescer, se vê perturbado pelas admoestações de terceiros e pelo despertar de seu próprio julgamento crítico, de modo a não mais poder reter aquela perfeição, procura recuperá-la sob a nova forma de um eu ideal. O que ele projeta diante de si como sendo seu ideal é o substituto do narcisismo perdido de sua infância na qual ele era o seu próprio ideal." Sobre o narcisismo: Uma introdução (1914)

A formação dos ideais e a sublimação:


A sublimação é um processo que está relacionado à libido objetal. Trata-se da mudança de trajetória da pulsão em relação a finalidade: dessexualizada. Já a idealização diz respeito ao objeto. Consiste do engrandecimento do objeto, sem que este sofra qualquer alteração, o engrandecimento é feito pelo psiquismo do indivíduo. 

A idealização é um processo diferente da sublimação, principalmente em relação a libido, pois a sublimação ocorre tanto na esfera da libido do eu, quanto na da libido objetal. 


"A formação de um ideal do eu é muitas vezes confundida com a sublimação da pulsão, em detrimento de nossa compreensão dos fatos." Sobre o narcisismo: Uma introdução (1914)



A sublimação é uma mudança da trajetória da libido objetal. O fim não é a satisfação sexual. Já a idealização a mudança é no objeto que é engrandecido pelo indivíduo. idealização corresponde a libido do eu e objetal. 


Na neurose a formação dos ideais e a sublimação se acham relacionadas para a causação da neurose. O que Freud quer dizer com isso?  Quando os ideais são formados aumentam-se as exigências ao eu, favorecendo o recalque. A sublimação é uma saída para que essas exigências dos ideais serem atendidas sem envolver o recalque.

A consciência 

(Até esse momento o conceito de supereu ainda não foi criado por Freud, só aparece na obra de Freud no texto: “O Ego e o Id” (1923).)



A consciência  é um agente psíquico  que assegura a satisfação narcísica proveniente dos ideais e tem como função a auto-observação, servindo como referência, além de avaliar o eu em suas ações. Diz Freud sobre a "consciência":



"Não nos surpreenderíamos se encontrássemos um agente psíquico especial que realizasse a tarefa de assegurar a satisfação narcisista proveniente do ideal do eu, e que, com essa finalidade em vista, observasse constantemente o ego real, medindo-o por aquele ideal. Admitindo-se que esse agente de fato exista, de forma alguma seria possível chegar a ele como se fosse uma descoberta — podemos tão-somente reconhecê-lo, pois podemos supor que aquilo que chamamos de nossa ‘consciência’ possui as características exigidas."Sobre o narcisismo: Uma introdução (1914)



Esse agente psíquico especial aumenta as exigências do eu para que ele cumpra o que está determinado pelo ideal. São "vozes" que falam em terceira pessoa, que aparecem tanto na neurose como na psicose. Na psicose essa voz é encarnada, trata-se de uma voz que vem de fora:

"Os delírios de estar sendo vigiado apresentam esse poder numa forma regressiva, revelando assim sua gênese e a razão por que o paciente fica revoltado contra ele, pois o que induziu o indivíduo a formar um ideal do ego, em nome do qual sua consciência atua como vigia, surgiu da influência crítica de seus pais (transmitida a ele por intermédio da voz), aos quais vieram juntar-se, à medida que o tempo passou, aqueles que o educaram e lhe ensinaram, a inumerável e indefinível coorte de todas as outras pessoas de seu ambiente — seus semelhantes — e a opinião pública." Sobre o narcisismo: Uma introdução (1914)

Há  diferenças entre os ideais e a consciência(agente psíquico especial). Enquanto os ideais são substitutos do eu real, modelos internalizados a serem seguidos, a consciência são vozes imperativas, exemplificado por Freud pelos delírios de observação na paranoia e nos sentimentos de culpa nas neuroses. 


Auto-estima:


A auto-estima expressa o tamanho do eu. O que determina o tamanho do eu? 
Aquilo que a pessoa possui ou realiza e os remanescentes da onipotência infantil, desde que ocorra a confirmação do segundo pelo primeiro. A auto-estima está intimamente relacionada a libido narcísica.


Quando se é amado a auto-estima aumenta, quando não se é amado a auto-estima diminui. "A finalidade e satisfação em uma escolha objetal narcisista consiste em ser amado." Quer dizer, investimos libidinalmente em determinado objeto, com o intuito de sermos amados.



"Um indivíduo que ama priva-se, por assim dizer, de uma parte de seu narcisismo, que só pode ser substituída pelo amor de outra pessoa por ele. Sob todos esses aspectos, a auto-estima parece ficar relacionada com o elemento narcisista do amor."


Eu te Amo

Ah, se já perdemos a noção da hora

Se juntos já jogamos tudo fora

Me conta agora como hei de partir



Se, ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios

Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir

Se nós, nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir

Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu

Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu

Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios inda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair

Não, acho que estás se fazendo de tonta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir

Essa música de Chico Buarque expressa essa "mistura" que ocorre no amor entre eu e o outro. consequentemente o desinvestimento das outras coisas, busca-se o amor para ser amado.

"O estar apaixonado consiste num fluir da libido do eu em direção ao objeto. Tendo o poder de remover as repressões e de reinstalar as perversões. Exalta o objeto sexual transformando-o num ideal sexual." Sobre o narcisismo: Uma introdução (1914).
Enfim, quando estamos apaixonados, graças ao grande investimento de libido no objeto, idealizamos o ser amado, justamente naquilo que falta para tornarmos ideal. 

O Sentimentos de inferioridade seria o avesso da auto-estima? 

A primeira suposição da presença do sentimento de inferioridade, é o empobrecimento do eu, justamento pelo seu desinvestimento libidinal e consequentemente o investimento nos objetos. Outra possibilidade deste sentimento na neurose seria pelo próprio ganho secundário que essa sensação de ser inferior proporciona. ( Só não consigo isso, porque não sou inteligente, ou feio...). Enfim, a suposta feiura, ou a falta de atributos intelectuais, a serviço da manutenção do sintoma e da diferença entre eu real e ideais.

Neste momento surgem diversas indagações sobre o narcisismo, tais como:

O avesso da auto-estima não seria a depressão? Em relação a libido do eu e a sexual que não se desligam: ambas se opõe? Ou "trabalham juntas"? A libido está a serviço de que ou quem? 

Os próximos textos a serem lidos e comentados serão: "A Pulsão e seus destinos escrito em (1915) "O Recalque" escrito em 1915  e  "O sentido dos sintomas" escrito em 1916.Os textos a seguir contribuem na compreensão do aparelho psíquico.



Adriana
Praticante de Psicanálise



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