quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Sobre o narcisismo: Uma introdução (1914) - Parte I

Na primeira parte do texto: Sobre o narcisismo: Uma introdução (1914), Freud a princípio amplia o conceito de narcisismo, retirando-o do campo exclusivo da perversão. O narcisismo como algo inerente a constituição do humano, presente também na neurose e na psicose. Marcando o narcisismo em dois tempo: primário e secundário.

Apesar da oposição entre as pulsões de auto-conservação e  sexuais, a libido investida no eu e nos objetos do mundo externo parece que tem certa relação, ou seja, quando há um aumento de investimento no Eu ocorre o esvaziamento dos investimentos libidinais no mundo externo e vice-versa. 


Minha leitura do texto:  Sobre o narcisismo: Uma introdução


Freud inicia seu texto a partir do conceito de narcisismo relacionando à perversão de Paul Nacke (1899): O indivíduo  que investe em seu próprio corpo da mesma forma que o corpo de um objeto sexual é comumente tratado —  o contempla,  o afaga e o acaricia até obter satisfação completa através dessas atividades. Absorvendo a totalidade da vida sexual do sujeito.

A partir deste conceito, Freud amplia o conceito do narcisismo, tornando-o um tempo da constituição humana(auto-erotismo ao narcisismo), onde a libido é investida no EU. o qual denomina como narcisismo primário. E posteriormente a libido circularia entre o eu e os objetos do mundo. E a partir deste modo de funcionamento da libido, distingue as estruturas neurótica e psicótica: Sujeito que investe a libido nos objetos  reais/fantasia (neurose). A libido ao invés de ser utilizada em investimentos do mundo, retrocede ao eu (psicose)


Esquizofrenia e demência precoce (Psicose)
Esses indivíduos apresentam duas características fundamentais:  a megalomania e desvios de seu interesse do mundo externo — de pessoas e coisas. 

Em relação a psicose Freud diz: "(...) ele parece realmente ter retirado sua libido de pessoas e coisas do mundo externo, sem substituí-las por outras na fantasia. Quando realmente as substitui, o processo parece ser secundário e constituir parte de uma tentativa de recuperação, destinada a conduzir a libido de volta a objetos."  Sobre o narcisismo: Uma introdução (1914)


Neurose: histeria ou neurose obsessiva

Ha o afastamento da realidade, mas não de maneira radical como na psicose. O neurótico mantém suas relações eróticas com as pessoas e as coisas através da fantasia, misturando realidade e fantasia, com isso afasta-se da realidade. Não retira a libido, pois investe na fantasia. Acredito que o desgaste libidinal é imenso para realizar quase nada. 

O que acontece à libido que foi afastada dos objetos externos na esquizofrenia? A libido afastada do mundo externo é dirigida para ao eu e assim dá margem a uma atitude que pode ser denominada de narcisismo. A megalomania não é uma criação nova, trata-se de uma ampliação de algo anterior, manifestação clara de uma condição que já existia previamente. - Narcisismo secundário 

O pensamento mágico, recurso frequente em crianças e nos povos primitivos é também exemplo de retorno da libido ao EU. Há uma ideia  "superinvestida": como se somente o pensar já realizasse algo. 
Observamos em muitas religiões e crenças o superinvestimento de algum ato mental, ou ideia que por si só cura, mata, traz o amor de volta: há uma superestimação do poder de seus desejos e atos mentais. 

Parece que Freud fala no texto sobre o pensamento mágico presente nas crianças, justamente numa tentativa de elaborar o narcisismo como algo inerente a constituição humana. A libido a priori é investida no eu para posteriormente ser investida em objetos externos do mundo. Sob o meu ponto de vista, o mais interessante deste trabalho da libido é a mobilidade, por vezes investe no EU, por vezes nos objetos externos. Isso é de fundamental importância porque na medida que a libido é investida no Eu, ocorre um esvaziamento nos investimentos dos objetos e vice-versa e isso tem efeitos. Exemplos deste movimento: momento de elaboração do luto e o estado de apaixonamento.

Só é possível pensar no narcisismo primário a partir do narcisismo secundário. 

"Finalmente, no tocante à diferenciação das energias psíquicas, somos levados à conclusão de que, para começar, durante o estado de narcisismo, elas existem em conjunto, sendo nossa análise demasiadamente tosca para estabelecer uma distinção entre elas. Somente quando há catexia objetal é que é possível discriminar uma energia sexual — a libido — de uma energia dos instintos do eu." Sobre o narcisismo: Uma introdução (1914)

Isso que Freud elabora é revolucionário, porque sempre pensamos o Eu como algo já pronto, e o que o autor fala é que não há um Eu constituído desde o nascimento. Do tempo do auto-erotismo, onde as pulsões estão dispersas, sem marcas da erotização para a constituição do Eu, a medida que a mãe erotiza este bebê a partir do toque, da voz, olhar. (A mãe libidiniza o bebê). A libido da mãe é transmitida ao bebê através dos seus investimentos. Essas marcas constroem o corpo erógeno do bebê.  

"No tocante à primeira questão, posso ressaltar que estamos destinados a supor que uma unidade comparável ao ego não pode existir no indivíduo desde o começo; o ego tem de ser desenvolvido. Os instintos auto-eróticos, contudo, ali se encontram desde o início, sendo, portanto, necessário que algo seja adicionado ao auto-erotismo — uma nova ação psíquica — a fim de provocar o narcisismo." Sobre o narcisismo: Uma introdução (1914)

Por que será que Freud insiste em fazer a distinção entre a libido que é investida no Eu e a que é investida nos objetos, já que seria mais simples pensar numa única libido do eu e dos objetos?  

A separação entre aquilo que é somático e psíquico é uma corrente existente até hoje, entretanto é quase impossível pensar na satisfação de apenas uma destas duas partes, alias, acredito que as questões humanas existem justamente por essa articulação, pois somos seres falantes, sexuais e efêmeros e isso tem efeitos. Não somos animais instintuais, somos pulsionais. Nossa mãe no momento que somos constituídos satisfaz algo além das nossas necessidades orgânicas. Ela nos dá banhos de afetos, palavras e toques. Entretanto, Freud, neste momento ainda não tem uma teoria das pulsões,que seria esse algo que faz a articulação entre somático e psíquico e mantém sua posição por respeito a sua própria teoria, mas coloca uma "pulguinha atrás da orelha" para que nós pensemos sobre isso.

"Tento em geral manter a psicologia isenta de tudo que lhe seja diferente em natureza, inclusive das linhas biológicas de pensamento. Por essa mesma razão, gostaria, nessa altura, de admitir expressamente que a hipótese de instintos do ego e instintos sexuais separados (isto é, a teoria da libido) está longe de repousar, inteiramente, numa base psicológica, extraindo seu principal apoio da biologia. Mas serei suficientemente coerente [com minha norma geral] para abandonar essa hipótese, se o próprio trabalho psicanalítico vier a produzir alguma outra hipótese mais útil sobre os instintos. Até agora, isso não aconteceu. Pode ocorrer que, com mais fundamento e numa visão de maior alcance, a energia sexual — a libido — seja apenas o produto de uma diferenciação na energia que atua generalizadamente na mente."  Sobre o narcisismo: Uma introdução (1914)
                   
Adriana                           
Praticante de Psicanálise



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