quarta-feira, 10 de setembro de 2014

REVISÃO DA TEORIA DOS SONHOS (1932) - Parte II

Em  "A REVISÃO DA TEORIA DOS SONHOS"  Sigmund Freud abordou diversos conceitos psicanalíticos de uma maneira madura e pragmática, até porque neste momento sua teoria já havia sido construída.Quando escolho um texto para escrever e discutir a proposta é esmiuçar, a partir do meu olhar, logicamente respeitando a proposta do autor. 

Nesta parte do texto, Freud demonstrou:

  • A importância das palavras ditas pelo analisante e o acesso ao inconsciente a partir das associações. 
  • A censura proporcionando a "deformação" no conteúdo dos sonhos, a partir das figuras  de linguagem: deslocamentos e condensação. 
  • A resistência como algo inerente ao aparelho psíquico, consequência  do conflito entre as instâncias psíquicas.  Proporcionando hiatos/intervalos nos sonhos. 
  • A libido a serviço da satisfação pulsional.

Diante de um sonho trazido pelo analisante: qual o trabalha do analista? Num primeiro momento, simplesmente ouve. Não pense leitor que ouvir é uma tarefa fácil, trata-se de uma escuta atenta e diferenciada onde a linguagem se  mostra desconexa e sem continuidade. Entretanto com sentido a partir da cadeia associativa do analisante.   

"Pois bem, então o paciente nos contou um sonho, que nos caberá interpretar. Ouvimos passivamente, sem colocar em ação nossa capacidade de reflexão. Que fazemos, a seguir? Decidimos preocupar-nos o menos possível com aquilo que ouvimos, o sonho manifesto." (Freud S. REVISÃO DA TEORIA DOS SONHOS )

Os sonhos contém  elementos da vida rotineiras do sonhador: preocupações, quereres, encontros ou desencontros. Nos sonhos esses elementos aparecem de maneira desconexas e sem qualquer linearidade. 

"Naturalmente, esse sonho manifesto mostra todos os tipos de características que não nos são propriamente indiferentes. Pode ser coerente, harmoniosamente construído como uma composição literária, ou pode apresentar-se confuso a ponto de ser ininteligível, quase como um delírio; pode conter elementos absurdos, ou anedotas, e conclusões aparentemente espirituosas; ao sonhador pode parecer claro e preciso, ou obscuro e nebuloso; suas imagens podem exibir uma intensidade de percepções sensoriais plenas, ou pode estar cheio de sombras como nevoeiro indistinto; as mais diversas características podem estar presentes no mesmo sonho, distribuídas por diferentes partes dele; o sonho, enfim, pode mostrar um tom afetivo indiferente, ou estar acompanhado de sentimentos da mais intensa alegria ou sofrimento."(Freud S. REVISÃO DA TEORIA DOS SONHOS )

Apesar do silêncio aparente do analista, há um intenso trabalho psíquico nesta escuta. Vários elementos encontrados no sonho serão trabalhados após esta escuta inicial. Afinal, é preciso escutar a frase inteira para chegar a determinado sentido.  Para chegar a A é preciso ouvir P- O....D-C e B. A leitura feita num sonho em análise é diferente da leitura de um livro por exemplo, pois não se trata da compreensão da história, mas sim de cada elemento que surge.

"...Ou seja, pedimos ao sonhador, também, para livrar-se da impressão que lhe causou o sonho manifesto, desviar sua atenção do sonho como um todo para as diferentes partes do seu conteúdo e nos referir sucessivamente tudo o que lhe ocorre à mente com relação a cada uma dessas partes — quais associações se lhe apresentam, se ele as focaliza uma por uma, separadamente. "(Freud S. REVISÃO DA TEORIA DOS SONHOS )

"A análise do sonho é feita das associações do analisante a partir dos fragmentos do sonho que impulsionam o analisante falar. Como isto é feito?   Por exemplo: Ontem a noite sonhei que estava numa casa amarela, morava ainda com meus pais. Estranho, que esta casa era uma mistura da minha casa atual, com a casa que minha avó morava, por causa das longas escadas. Lembro que um dia fui empurrada desta longa escada. No sonho está minha melhor amiga, engraçado que ela parece um pouco com minha mãe e minha avó. Ontem estávamos eu e ela num bar e  falávamos de antigas  decepções...." (ficção) 

Este pequeno fragmento de  sonho  demonstra a quantidade de elementos contidos num sonho, a eleição por parte do sonhador de alguns elementos, é feita pela própria inconsistência de como esses elementos surgem, causando no sonhador certa sensação de estranheza. A partir de determinado  detalhe existe a produção de novas associações, como um rébus a ser desvendado: 

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 No sujeito em análise existe a aposta   de que há algo mais num sonho. Uma aposta no inconsciente e que este aparece a partir da fala. A aposta de que há um saber além do que é falado explicitamente. 

Deve haver a abstenção de julgamento por parte do analista e analisante. As vezes um conteúdo super importante aparece no sonho de uma maneira mascarada, como algo irrelevante ou banal. Não há um elemento a ser eleito e trabalhado, todo conteúdo do sonho é importante, principalmente o esquecimento dos sonhos (no decorrer da análise a lembrança do sonho reemerge). Não podemos esquecer que a resistência é inerente aos sonhos, aliás a qualquer processo psíquico.

"Em determinados pontos, as associações são fornecidas sem hesitação e a primeira ou a segunda ideia que ocorrem ao paciente proporcionam uma explicação. Em outros pontos, há uma parada, o paciente hesita antes de nos fornecer uma associação e, com isso, muitas vezes temos de ouvir uma longa cadeia de idéias antes de receber algo que nos ajude a compreender o sonho. Certamente temos razão ao pensar que, quanto mais longa e cheia de rodeios for a cadeia de associações, tanto maior a resistência." (Freud S. REVISÃO DA TEORIA DOS SONHOS )

"...Mas, que coisa cria a resistência, e contra o que ela se dirige?" (Pergunta feita por Freud) Bem, a resistência é, para nós, o sinal mais seguro de um conflito.  No sonho manifesto existe uma luta entre duas tendências( Uma que busca a expressão e outra que evita a expressão. O inconsciente é constituído também de elementos recalcados que são consequência de algo insuportável ao aparelho psíquico do sujeito. A censura mantém os elementos dos sonhos obscuros. Sendo assim a resistência é inerente a qualquer processo psíquico.

Freud neste texto fala também da presença da voz ativa num sonho, logo após abordar a questão da resistência. O que seria isso? Em minha concepção por voz ativa entendo a ação que o sujeito executa. Enfim, na cena há alguém que faz alguma coisa. Nos sonhos geralmente há uma conciliação: "...a instância com voz ativa certamente foi capaz de dizer o que quis, mas não da forma como quis — apenas numa forma acentuada, distorcida, irreconhecível..." 

A ação da resistência neste caso promove os intervalos entre cada ação no sonho. Por isso os sonhos na maioria das vezes mostra-se descontínuo e desconexo, Uma proteção ao sonhador. 

As vezes temos sonhos de angústia e quando estamos a ponto de uma ação que seria insuportável...acordamos...e falamos...Ufa foi só um pesadelo...e corremos para análise. 

"Sabem que o conflito entre as duas instâncias psíquicas, que nós — impropriamente — descrevemos como o ‘reprimido inconsciente’ e o ‘consciente’, domina toda a nossa vida mental e que a resistência contra a interpretação dos sonhos, sinal de uma censura onírica, nada mais é que a resistência devida à repressão, pela qual as duas instâncias estão separadas." (Freud S. REVISÃO DA TEORIA DOS SONHOS )

O sonho é um tipo de satisfação (prazer) alucinatório, pois as pulsões reprimidas e insatisfeitas estão à espera de uma oportunidade de se expressarem. O desejo de dormir é o afastamento intencional do mundo externo. No sono a vida psíquica está cerrada à realidade. Há uma regressão aos mecanismos primitivos da história do sujeito, o que Freud chama de “regressão arcaica do aparelho menta l”. Possibilidade de satisfação das pulsões de uma maneira protegida da realidade. Na neurose há um "espaço" entre a  o sonhar e a realidade: o despertar.

Na psicose as coisas funcionam de maneira diferente à neurose:

" O estado de sono implica um afastamento do mundo externo real, e aí temos a condição necessária para o desenvolvimento de uma psicose. O mais cuidadoso estudo das psicoses graves não nos revelará um único aspecto que seja mais característico desses estados patológicos. Nas psicoses, porém, o apartar-se da realidade é levado a cabo por duas espécies de vias: ou porque o reprimido inconsciente se tornou excessivamente forte, de modo a dominar o consciente, que se liga à realidade; ou porque a realidade se tornou tão intoleravelmente angustiante, que o ego ameaçado se lança nos braços das forças instintuais inconscientes, em uma revolta desesperada. A inofensiva psicose onírica é o resultado de uma retirada em relação ao mundo externo, retirada conscientemente desejada e apenas temporária, e desaparece quando são reassumidas as relações com o mundo externo." (Freud S. REVISÃO DA TEORIA DOS SONHOS )

Há diferenças entre o dispêndio de energia/libido  nos sonhos e no estado de vigília. Nos sonhos há uma economia(gasta-se menos), porque há um fluxo mais  ativo para a satisfação alucinatória. Entretanto gasta-se menos porque a satisfação mais direta é possível, apesar de haver a repressão. No caso do estado de vigília o desgaste é maior, porque há mais obstáculos à satisfação. O gasto de energia/libido está relacionada a satisfação pulsional. Essa questão é importante quando pensamos o sintoma neurótico, há um imenso gasto de energia a satisfação de um sintoma. Enfim gastamos uma baita energia/libido para obtermos a satisfação que é  paradoxal. Há um imenso gasto de energia para mantermos um sintoma. 



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