quinta-feira, 11 de setembro de 2014

REVISÃO DA TEORIA DOS SONHOS (1932) - Parte III - S. Freud

Os sonhos tem alguma função? 

O sonho para Freud é a principal manifestação do inconsciente por ser uma "via real" (trata-se de uma via ampla e larga, pela qual o rei passava, fazia seus desfiles). É a via menos impedida para o inconsciente advir. 

O estado de sono proporciona condição de repouso livre de estímulo. Entretanto, este estado é "bombardeado" por estímulos externos, interesses/preocupações do dia anterior ou de uma vida que se tornam acessíveis pelo sonhar. Como é o caso das pulsões recalcadas que estão a espera de oportunidade para se expressar. 

"O sonhar é uma maneira deste elementos advirem de uma forma alucinatória inofensiva, justamente porque eles aparecem de uma maneira distorcida, pelos processos de deslocamento e condensação." Freud S. REVISÃO DA TEORIA DOS SONHOS (1932)

O sonhar é uma maneira de proteger o estado de repouso continuado que o dormir proporciona. 

"O fato de um sonho ocasionalmente acordar a pessoa que dorme, quando se desenvolve ansiedade, não contradiz essa função, mas antes, talvez, assinala que o guardião considera a situação por demais perigosa e não se sente mais em condições de controlá-la. E então, muito freqüentemente, enquanto ainda dormimos, ocorre-nos um consolo que busca impedir-nos o despertar: ‘Mas, afinal, é apenas um sonho!’"Freud S. REVISÃO DA TEORIA DOS SONHOS (1932)

Psiquicamente, a construção dos sonhos é análoga a construção dos sintomas neuróticos, em ambos casos estão em ação os mesmos mecanismos.

Os conteúdos latentes e manifestos são passíveis de  reconhecimento e identificação pelo sonhador, pois em algum momento esse conteúdo já foi pensado ou rememorado. Entretanto há certos elementos nos sonhos que causam estranhamento ou repulsa ao sonhador, muitas vezes recusando-se a aceitar esses elementos como próprio. (Jamais pensei isso...Credo...Isso não é meu)

Minha analista tinha uma fala ótima quando eu recusava algum elemento do meu  sonho: "Por que será que você colocou isso no seu sonho?"

Essa fala da analista causava-me a princípio certo estranhamento, pois até determinado momento, não havia me apropriado nem dos meus sonhos. E essa fala dela fazia-me apropriar dos elementos mesmo que estranhos.  (Como um enigma a ser decifrado).Afinal aquilo era uma produção minha, mesmo quando ruim ou com elementos desagradáveis.

A pessoa quando sonha se desdobra: assiste uma cena de que ele na verdade criou. Ele vê, fala ou ouve. O sujeito da psicanálise é aquele que emerge quando uma palavra surge "para além" de toda intenção. (Násio)

Esses elementos fazem parte do conteúdo latente dos sonhos.

Qual é a origem desses elementos?

Esses pensamentos estranhos/repulsivos são oriundos do inconsciente, e localizam-se fora da cadeia associativa do sonhador, por isso são rejeitados. 

"Esse único pensamento, o pensamento repudiado, porém, ou, para dizer melhor, esse único impulso é filho da noite; pertence ao inconsciente do sonhador, e por esse motivo é repudiado e rejeitado por ele. Teve de esperar pelo relaxamento noturno da repressão, a fim de chegar a alguma forma de expressão. Ainda assim, é uma expressão acentuada, deformada e disfarçada; sem nosso trabalho de interpretação de sonhos não o teríamos encontrado." Freud S. REVISÃO DA TEORIA DOS SONHOS (1932)

Esses conteúdos inconscientes só são acessíveis por sua conexão à cadeia associativa, utilizando-se da censura que disfarça ou distorce esses elementos. A cadeia associativa no sonho só é possível justamente por essa conexão com  o  conteúdo inconsciente. 

"... esse impulso inconsciente é o verdadeiro criador do sonho; é o que produz a energia psíquica para a construção do sonho. Assim como qualquer outro impulso instintual, não pode tender a nenhuma outra coisa se não à sua própria satisfação; e nossa experiência em interpretar sonhos nos mostra também que este é o sentido de todo o sonhar." 

A pulsão se satisfaz no sonho imediatamente quando se apresenta. Isso ocorre por conta da regressão a mecanismos primitivos. 

"Em conseqüência dessa regressão que existe, no sonho, as idéias são transformadas em imagens visuais, ou seja, os pensamentos oníricos latentes são dramatizados e ilustrados." Freud S. REVISÃO DA TEORIA DOS SONHOS (1932)

O desejo de dormir na realidade é o afastamento intencional do mundo externo. Por conta disso ocorre a regressão e a  diminuição da resistência e o sonhar como alucinação, algo do passado que transcorre no presente. O sonho é fora do tempo(passado-presente-futuro).  É justamente pela diminuição da resistência, que surge a possibilidade da formação do sonho.

O sonho é uma estrutura fundada em conciliação, pois o desejo é de dormir. E isso permite que a pulsão recalcada obtenha a satisfação, que nessas circunstâncias possibilita a realização alucinada de um desejo. 

Todo o processo de formar um sonho está sujeito à condição da censura. Justamente para proteger o sono do sonhador. A serviço de que a censura existe? E Como funciona o processo de censura?

A censura "disfarça" os pensamentos oníricos latentes, os quais contém os representantes da pulsão, através dos elementos corriqueiros ou banais. Enfim a pulsão pressiona sempre à satisfação pela ação. O sonhar é uma maneira alucinada de satisfação pela ação, uma maneira "conciliada" de satisfação. 

A pulsão são elementos que aparecem nos sonhos como  agrupamento de imagens sensoriais e de cenas visuais. São representantes da representação. A pulsão é sempre acessada pelos representantes da representação, jamais é acessível como um todo. 

"Todos os instrumentos linguísticos pelos quais expressamos as relações mais sutis dos pensamentos — as conjunções e as preposições, as alterações devidas à declinação e à conjugação — são eliminados, porque não há meio de representá-los; assim como uma linguagem primitiva, sem nenhuma gramática, expressa-se apenas a matéria-prima do pensamento, e os termos abstratos são substituídos pelos termos concretos que estão na sua base. Depois disso, o que resta certamente pode parecer desconexo.  O abundante emprego de símbolos, que se tornaram estranhos ao pensar consciente, para representar determinados objetos e processos, está em harmonia semelhante com a regressão arcaica do aparelho mental e com as exigências da censura." Freud S. REVISÃO DA TEORIA DOS SONHOS (1932)



A censura trabalha no sentido de tornar o pensamento onírico acessível, utilizando-se das figuras de linguagem: condensação e deslocamento. A pulsão é um impulso constante exercido no aparelho psíquico. Logicamente por ser constante é ininterrupta que deve ser satisfeita também no estado de sono.
  

Como ocorre a  transformação do pensamento onírico em imagem? Responde Freud: condensação e o deslocamento

"No processo de transformar os pensamentos em imagens, dá-se inequívoca preferência àqueles que permitem esse agrupamento, essa condensação; é como se atuasse uma força que sujeitasse o material à compressão e concentração. Em conseqüência da condensação, um elemento do sonho manifesto pode corresponder a numerosos elementos dos pensamentos oníricos latentes; mas, também, inversamente, um elemento dos pensamentos oníricos pode estar representado por diversas imagens no sonho." Freud S. REVISÃO DA TEORIA DOS SONHOS (1932)


No deslocamento o disfarce é no sentido de "embaralhar" a quota de afeto x imagem. O deslocamento do tom/nuance do afeto vinculado para outra cena. Interessante pensar neste recurso quando utilizado no cinema, o diretor "brinca" com cenas de suspense, trazendo para a comédia.  Este recurso desloca o afeto...o pavor é deslocado para o  riso e realmente distorce a cena. Freud coloca este artifício como principal na distorção de um sonho.



"Ainda mais notável é o outro processo — deslocamento ou mudança do acento — que, no pensar consciente, encontramos somente como raciocínio falho ou como meio de construir uma anedota. As diversas idéias contidas nos pensamentos oníricos, na realidade, não possuem todas valor igual; são caracterizadas com quotas de afeto de magnitude variável e, por conseguinte, julgadas importantes e merecedoras de interesse em maior ou menor grau. Na elaboração onírica, essas idéias estão separadas dos afetos a elas vinculados. Os afetos são tratados independentemente; podem ser deslocados para alguma coisa diversa, podem ser mantidos, podem sofrer modificações, ou podem absolutamente não aparecer no sonho. A importância das idéias que foram despojadas de seu afeto retorna, no sonho, como intensidade sensorial das imagens oníricas; mas observamos que esse acento passou de elementos importantes para elementos indiferentes. Assim, algo que desempenhou apenas um papel secundário nos pensamentos oníricos, parece ter sido empurrado para o primeiro plano, no sonho, como sendo a coisa principal; ao passo que, pelo contrário, o que era a essência dos pensamentos oníricos só encontra passagem e representação indistinta no sonho." Freud S. REVISÃO DA TEORIA DOS SONHOS (1932)



A elaboração secundária— Quando contamos o sonho preenchemos as lacunas/intervalos existentes. Adicionamos elementos e retiramos outros



"Em tais casos, tem-se a impressão de o sonho ter efetuado as mais delicadas e complexas operações intelectuais, de haver meditado, feito chistes, chegado a decisões e resolvido problemas, enquanto tudo isso é produto de nossa atividade mental normal, pode ter sido executado igualmente durante o dia anterior ao sonho, assim como durante a noite, não tem nenhuma relação com a elaboração onírica e não esclarece nada de característico dos sonhos. E não é demais insistir, mais uma vez, no contraste existente, dentro dos próprios pensamentos oníricos, entre o impulso instintual inconsciente e os resíduos diurnos. Enquanto estes mostram toda a multiplicidade de nossos atos mentais, aquele, que se torna propriamente a força motriz da formação do sonho, encontra sua saída invariavelmente na realização de um desejo." Freud S. REVISÃO DA TEORIA DOS SONHOS (1932)

Os sonhos são realizações de desejos. E realizar desejos é algo sempre perigoso, e ameaçador. Sua realização é garantida pela lei. A censura garante que o desejo advenha, agindo como árbitro, abrindo um caminho intermediário, para que o desejo seja encenado.  Quem governa a censura é o supereu, instância crítica. Portanto é possível pensar na não contradição existente entre realização de desejo e os sonhos de punição. 

Em relação aos sonhos traumáticos - os sonhos de guerra, assaltos, estupros. Onde ocorre a repetição de uma cena insuportável. 
Freud pergunta: "...que impulso decorrente de desejos poderia satisfazer-se retornando, dessa maneira, a essa experiência traumática tão desagradável? "Freud S. REVISÃO DA TEORIA DOS SONHOS (1932)


O sonho é uma tentativa de realização de um desejo. O desejo inconsciente não se realiza, é sempre indestrutível. 
A experiência infantil com a própria sexualidade é calcada de perdas, interdições e privações - traumática. Que causa no aparelho psíquicos fixações. O sujeito repete uma vida inteira aquilo que lhe é traumático, ou aquilo que lhe fez fixar em algum ponto e Busca também um objeto perdido desde sempre, justamente é essa segunda busca que o movimenta. 





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