Nesta conferência
Freud inicia com a questão: O que é sexual? Será que está relacionado apenas a
reprodução ou a obtenção de prazer? Ou são as duas alternativas? E como as pessoas se posicionam frente ao sexo? Segundo Freud, o sexual é geralmente tomado
como algo secreto, de que quase nada deve ser dito.
Numa tentativa de
normatizar ou padronizar aquilo que seria sexual, até pelas questões morais que envolviam a sexualidade, principalmente na época em que foi escrito esta conferência (1916-1917). O
sexual seria algo que diria respeito ao corpo, que ocorria a partir da
puberdade, onde duas pessoas de sexos opostos teriam um ato sexual, onde a
finalidade seria o prazer, mas principalmente a reprodução da espécie. Tudo
aquilo que desviasse deste padrão, seria denominado de perversão.
Erotismo anos 20 |
Freud questiona o conceito de sexo vigente, e subverte o termo perversão: do desvio de padrão moral em relação ao
sexo à perversão presente na infância, com papel fundamental na função sexual no adulto. .
Freud aborda os
diversos caminhos da sexualidade no sujeito adulto, que diferem do modelo vigente. Definindo dois grupos:
·
Quando há na pessoa
uma mudança de objeto sexual com a finalidade de obter prazer sexual:
Homossexualidade: no sujeito homossexual somente as pessoas de seu
próprio sexo podem excitar seus desejos sexuais, "Pessoas do outro sexo, e especialmente os órgãos sexuais destas pessoas
absolutamente não constituem para eles objeto
sexual e, em casos extremos,
são objetos de repulsa." S. Freud. Conferência XX - A vida sexual dos seres humanos. (1916-1917)
Essa
modificação de objeto sexual não é considerada por Freud como perversão. O
homossexual é aquele que assume posição, enquanto outros sujeitos que
vivem os mesmos desejos vivem em conflito com sua homossexualidade
latente.
Outra possibilidade de mudança de objeto sexual:
trata-se da renuncia na união de dois genitais. O investimento é em alguma outra parte
ou região do corpo. (Por exemplo,
substituem a vulva pela boca ou pelo ânus.) Neste caso, pode
ocorrer ainda a repulsa pelo órgão genital do parceiro, "Outros há que, realmente, ainda mantêm os genitais como um
objeto - não, porém, por causa da função destes, mas de outras funções em que o
genital desempenha um papel, seja por motivos anatômicos, seja por causa de sua
proximidade. Neles, constatamos que as funções
excretórias, que foram postas de lado como impróprias, durante a educação das
crianças, conservam a capacidade de atrair a totalidade do interesse
sexual." S. Freud. Conferência XX -
A vida sexual dos seres humanos.
(1916-1917)
Há quem abandone totalmente o genital como objeto sexual, e tomaram
alguma outra parte do corpo como o objeto que desejam e investem sexualmente (
seio de mulher, um pé, ou uma trança de cabelos.)
Fetichistas: são pessoas que abandonam totalmente qualquer parte do corpo do
parceiro. Seu interesse, investimentos e satisfações sexuais giram em torno da presença de determinados objetos (peça de roupa
íntima, sapato). "Ainda mais atrás, nesse séquito, se enfileiram essas
pessoas que requerem de fato o objeto total, mas fazem a este
exigências muito definidas - estranhas e horríveis exigências - até mesmo a de
que esse objeto devesse tornar-se um cadáver indefeso e de que, usando de uma
violência criminosa, transformem-no num objeto no qual possam encontrar prazer.
Mas basta com essa espécie de horror!" S. Freud. Conferência XX - A vida sexual
dos seres humanos. (1916-1917)
Quando há na pessoa mudança na finalidade dos desejos sexuais: Ao invés da finalidade do desejo sexual, que seria o ato sexual, ocorre uma transformação, onde a satisfação sexual se dá num ato inicial ou preparatório.
Quando há na pessoa mudança na finalidade dos desejos sexuais: Ao invés da finalidade do desejo sexual, que seria o ato sexual, ocorre uma transformação, onde a satisfação sexual se dá num ato inicial ou preparatório.
Voyeur: São pessoas cujo desejo consiste em olhar outras pessoas, ou
palpá-las, ou espiá-las durante a execução de atos íntimos, ou pessoas que
expõem partes do corpo que deveriam estar encobertas, na obscura expectativa de
poderem ser recompensadas, serem olhados por esse outro.
Sádicos/masoquistas: Causar
sofrimento e tormento a seus objetos lhe satisfaz sexualmente: Nos masoquistas o
prazer consiste em sofrer toda espécie de tormentos e humilhações de seu objeto
amado, seja simbolicamente, seja na realidade.
A substituição da finalidade pelo simples fantasiar de seus atos.
“Ainda existem outros
em que diversas dessas precondições anormais estão unidas e entrelaçadas; e,
por fim, devemos nos lembrar de que cada um destes grupos pode ser encontrado
sob duas formas: ao lado daqueles que procuram sua satisfação sexual na
realidade, estão os que se contentam simplesmente com imaginar essa satisfação, que absolutamente não
necessitam de um objeto real, mas podem substituí-lo por suas fantasias.” S. Freud. Conferência XX - A vida sexual dos seres humanos. (1916-1917)
Na prática clínica
psicanalítica, Freud cita duas situações relacionadas a sexualidade que são
fundamentais no funcionamento psíquico:
- Nos
neuróticos, os sintomas são substitutos da satisfação sexual
"Os sintomas da
histeria realmente nos levaram a considerar que os órgãos corporais, além do
papel funcional que desempenham, devem ser reconhecidos como possuidores de uma significação sexual (erógena) e que a execução da
primeira dessas tarefas é perturbada se a segunda fizer exigências demasiadas.
Inúmeras sensações e inervações, que encontramos como sintomas de histeria, em
órgãos que não possuem conexão evidente com a sexualidade, revelam-se a nós,
assim, como tendo o caráter de realização de impulsos sexuais pervertidos em
relação aos quais outros órgãos adquiriram a significação das partes
sexuais." S. Freud. Conferência
XX - A vida sexual dos seres humanos. (1916-1917)
Para encontrarmos o
caminho desta "perversão" na histeria é necessário percorrermos o
caminho da interpretação do sintoma, pois a histérica não quer saber disso,
sabe somente do mal estar que lhe aflige. Esse dialeto entre corpo erógeno,
sexo, e linguagem é inconsciente.
Neurose obsessiva: existe a pressão de impulsos sexuais sádicos
excessivamente intensos, mas que são pervertidos quanto ao seu fim. Os sintomas
na neurose obsessiva servem como defesa contra esses desejos sádicos. Portanto
há uma luta entre a satisfação e a defesa. Quanto mais há satisfação,
mais haverá defesa que aparecem como auto recriminações ao sujeito. Há uma
excessiva sexualização no toque, no olhar, que na luta da defesa, retornam como:
obsessão por lavar-se, temor de tocar.
Será que é possível distinguir seres humanos que apresentam a sua
sexualidade normal e outros que apresentam uma sexualidade
"perversa"? Já que mesmo na neurose os caminhos da sexualidade, a
obtenção da satisfação sexual se mostra distorcida. se dá através do
sintoma?
A sexualidade
‘pervertida’ não seria senão uma sexualidade infantil cindida (dividida)
em impulsos separados.
Por que os impulsos
sexuais (desejos, investimentos e satisfações em relação aos objetos) só
surgiriam na puberdade? Será que a sexualidade só estaria relacionada aos
órgãos genitais? Claro que não, a sexualidade inicia desde muito cedo na vida
de cada um de nós. Abordar a sexualidade
na infância é abordar os impulsos e investimentos sexuais a objetos, sem que
haja ainda o ato sexual propriamente dito ou satisfação sexual calcada nos genitais. Na infância esses impulsos e investimentos aparecem de uma
maneira caótica, por isso perversa.
"As
crianças possuem tudo aquilo que se pode descrever como vida sexual, a justeza
de nossas observações e a explicação para o fato de encontrarmos tantas
afinidades entre a conduta das crianças e aquilo que mais tarde é condenado
como perversão." S. Freud. Conferência XX - A vida sexual dos seres humanos. (1916-1917)
A mãe
satisfaz as necessidades básicas do bebê, o mantendo alimentado e
quentinho. Os impulsos sexuais surgem junto a essas primeiras
satisfações. O bebê
por sua vez, mesmo sem fome, em outro momento, após esta primeira satisfação, reinvestirá novamente nesse
objeto (seio materno), a fim de reencontrar aquele primeiro prazer.
As
primeiras satisfações que ocorrem na vida do bebê, advém da satisfação de suas
necessidades, e um "além" proporcionado pelo seio materno. A satisfação de prazer surge
da excitação própria da boca do bebê em contato com o seio.. Surgindo
então a boca como uma zona erógena. O seio é um objeto interno ou externo do bebê?
"Se
um bebê pudesse falar, ele indubitavelmente afirmaria que o ato de sugar o seio
materno é de longe o ato mais importante de sua vida. E nisto o bebê não se
engana muito, pois nesse único ato está satisfazendo de uma só vez as duas
grandes necessidades vitais. Por isso, não nos surpreenderemos ao saber, por
meio da psicanálise, quanta importância psíquica conserva esse ato durante toda
a vida. Sugar ao seio materno é o ponto de partida de toda a vida sexual, o
protótipo inigualável de toda satisfação sexual ulterior, ao qual a fantasia
retorna muitíssimas vezes, em épocas de necessidade. Esse sugar importa em
fazer o seio materno o primeiro objeto do instinto sexual." S. Freud. Conferência XX - A vida sexual dos seres humanos. (1916-1917)
Em
determinado momento, do prazer encontrado no contato boca/seio materno é
deslocado ao prazer encontrado no investimento do próprio corpo do bebê(polegar
ou sua própria lingua). Quando o bebê volta essa busca de prazer a
seu próprio corpo, descobre que pode obter prazer em si mesmo sem consentimento
do mundo externo. Esse momento é denominado Auto erotismo.
Duas
características decisivas da sexualidade infantil: Ela surge ligada à
satisfação das principais necessidades orgânicas e se comporta de maneira auto-erótica.
Em que
momento o mundo externo retorna a vida do bebê como fonte de investimento e
obtenção de prazer? Ou o bebê se "nutre" de duas fontes, uma que
advém do seio ou substituto e uma segunda fonte do auto erotismo?
Não interessa se a satisfação encontrada advém de uma maneira externa ou interna. Todo prazer é sentido como advindo de dentro e o desprazer advindo de fora. Trata-se de uma satisfação no corpo e que se encerra ali, no próprio corpo. Não se trata de um corpo considerado um todo, sendo tomado como objeto de investimento libidinal, mas partes de um corpo vivido como fragmentado, sem unidade.
Quando o
bebê urina ou evacua também obtém prazer em seu corpo (sentido nos órgãos excretórios). A cada
dia, o bebê consegue obter mais prazer neste ato, através das excitações das
zonas erógenas da membrana mucosa. Entretanto esta sensação prazerosa advinda
de dentro do próprio corpo se depara com o imperativo do controle educacional
dos esfincteres advindo do mundo externo(mãe ou educadores): A criança não pode mais obter prazer a partir de suas funções excretórias, mesmo assim, em relação as fezes, a criança dá imenso
valor a seu produto: por ser uma fonte de prazer no corpo e por ser um presente produzido por ela, que presenteia ou não à mãe.
Sobre o
controle esfincteriano adquirido pelas crianças, Freud diz: "Então,
pela primeira vez, a criança é obrigada a trocar o prazer pela respeitabilidade
social. No início, sua atitude para com suas excreções é muito diferente. Não
sente repugnância por suas fezes, valoriza-as como parte de seu próprio corpo,
da qual não se separa facilmente, e usa-as como seu primeiro ‘presente’ com que
distingue as pessoas a quem preza de modo especial. Mesmo depois de a educação
ter atingido seu objetivo de tornar essas tendências incompatíveis com a
criança, esta continua a atribuir elevado valor às fezes, considerando-as
‘presentes’ e ‘dinheiro’. Por outro lado, parece considerar com especial
orgulho a proeza de urinar." S. Freud. Conferência XX - A vida sexual dos seres humanos. (1916-1917)
A criança
pequena se satisfaz através de investimentos num objeto externo, mas também na satisfação obtida em suas próprias zonas
erógenas, as quais as genitais estão incluídas. A masturbação inicia
muito cedo na vida da criança e é uma forma também de satisfação no próprio órgão.
Freud não delimita a questão da masturbação a satisfação do órgão, mas a deixa
em aberto para novas indagações.
O pênis
para criança é fonte de interesse, prazer e frustrações. Até determinado
momento na constituição da criança, todos os seres tem pênis, até que ela descobre
que nem todos seres o tem: para o menino isso pode ser uma ameaça a
esse objeto que é fonte de prazer, no caso da menina, não ter pênis é uma
constatação. Com essas idas e vindas sobre a sexualidade e a diferença
anatômica entre os sexos e as identificações constrói-se aquilo que é masculino e aquilo que é
feminino, Entretanto essas descobertas sobre a diferença entre os sexos não é
sem perdas, frustrações, privações, e a castração como pano de fundo. Enfim o
Complexo de Édipo.
A
sexualidade também é fonte de curiosidade e investigação sobre a origem da
vida para criança. As
investigações sobre a sexualidade iniciam cedo:
questionamentos sobre a origem dos bebês(da onde nascem os bebês?). As crianças
percebem que o pai tem algo haver com seu nascimento, mas não conseguem
relacionar que o mesmo órgão que se urina, se faz bebê e com isso a criança
constrói hipóteses e conclusões sobre a sua origem e sua história de
vida.
A
infância não é tão inocente, pura e isenta de qualquer satisfação de prazer, muito pelo contrário. A criança tem que lidar com uma intensidade de excitações, desejos, investimento em objetos. A sexualidade é também para criança uma fonte de questionamentos. Ninguém sai ileso da infância,
até porque a criança constrói essa "fábula sobre a sexualidade",
calcada em imagens, em fala dos pais por vezes depreciativas, em não ditos, em
segredos, em imperativos. E essa construção da criança repercute na vida
da pessoa em todos os aspectos.
O sexual não pode ser visto somente pelos genitais, ou visando a reprodução. A sexualidade de cada um é diversificada e com suas excentricidades. É impossível pensar a sexualidade sem a marca do seu tempo, desarticulada de conceitos morais. Entretanto, há sempre diferença entre o que as pessoas falam de sua sexualidade, daquilo que as pessoas fazem no sexo.
Ao me debruçar sobre este texto, fiquei pensando na sexualidade na contemporaneidade. Antes o sexo era algo encoberto, marcado de segredos. Que não deixa de ter a sua graça Atualmente a sensação que tenho é de excesso: de informação, de explicites do sexual, do "pode tudo", inclusive pode não querer fazer sexo, são os assexuados.
Quais marcas no sujeito, o nosso tempo deixará? O que transmitiremos as próximas gerações?
O sexual não pode ser visto somente pelos genitais, ou visando a reprodução. A sexualidade de cada um é diversificada e com suas excentricidades. É impossível pensar a sexualidade sem a marca do seu tempo, desarticulada de conceitos morais. Entretanto, há sempre diferença entre o que as pessoas falam de sua sexualidade, daquilo que as pessoas fazem no sexo.
Quais marcas no sujeito, o nosso tempo deixará? O que transmitiremos as próximas gerações?
Paula Adriana
Praticante de psicanálise
email: paulaadriana.couto@gmail.com
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