quinta-feira, 27 de novembro de 2014

CONFERÊNCIA XX - A VIDA SEXUAL DOS SERES HUMANOS

Nesta conferência Freud inicia com a questão: O que é sexual? Será que está relacionado apenas a reprodução ou a obtenção de prazer? Ou são as duas alternativas? E como as pessoas se posicionam frente ao sexo? Segundo Freud, o sexual é geralmente tomado como algo secreto, de que quase nada deve  ser dito.

Numa tentativa de normatizar ou padronizar aquilo que seria sexual, até pelas questões morais que envolviam a sexualidade, principalmente na época em que foi escrito esta conferência  (1916-1917). O sexual seria algo que diria respeito ao corpo, que ocorria a partir da puberdade, onde duas pessoas de sexos opostos teriam um ato sexual, onde a finalidade seria o prazer, mas principalmente a reprodução da espécie. Tudo aquilo que desviasse deste padrão, seria denominado de perversão.

Erotismo anos 20
Freud questiona o conceito de sexo vigente, e subverte o termo perversão: do desvio de padrão moral em relação ao sexo à  perversão presente na infância, com papel fundamental na função sexual no adulto. .

Freud aborda os diversos caminhos da sexualidade no sujeito adulto, que diferem do modelo vigente. Definindo dois grupos:

·         Quando há na pessoa uma mudança de objeto sexual com a finalidade de obter prazer sexual:



Homossexualidade:  no sujeito homossexual  somente as pessoas de seu próprio sexo podem excitar seus desejos sexuais, "Pessoas do outro sexo, e especialmente os órgãos sexuais destas pessoas absolutamente não constituem para eles objeto sexual e, em casos extremos, são objetos de repulsa." S. Freud. Conferência XX -  A vida sexual dos seres  humanos. (1916-1917)

Essa  modificação de objeto sexual não é considerada por Freud como perversão. O homossexual é aquele que assume posição, enquanto outros sujeitos que vivem os mesmos desejos vivem em conflito com sua homossexualidade latente. 


Outra possibilidade de mudança de objeto sexual:  trata-se da renuncia na união de dois genitais. O investimento é em alguma outra parte ou região do corpo. (Por exemplo, substituem a vulva pela boca ou pelo ânus.) Neste caso, pode ocorrer ainda a repulsa pelo órgão genital do parceiro, "Outros há que, realmente, ainda mantêm os genitais como um objeto - não, porém, por causa da função destes, mas de outras funções em que o genital desempenha um papel, seja por motivos anatômicos, seja por causa de sua proximidade. Neles, constatamos que as funções excretórias, que foram postas de lado como impróprias, durante a educação das crianças, conservam a capacidade de atrair a totalidade do interesse sexual." S. Freud. Conferência XX -  A vida sexual dos seres  humanos. (1916-1917)


Há quem abandone totalmente o genital como objeto sexual, e tomaram alguma outra parte do corpo como o objeto que desejam e investem sexualmente ( seio de mulher, um pé, ou uma trança de cabelos.) 



Fetichistas: são pessoas que abandonam totalmente qualquer parte do corpo do parceiro. Seu interesse, investimentos e satisfações sexuais giram em torno da presença de determinados objetos (peça de roupa íntima, sapato).  "Ainda mais atrás, nesse séquito, se enfileiram essas pessoas que requerem de fato o objeto total, mas fazem a este exigências muito definidas - estranhas e horríveis exigências - até mesmo a de que esse objeto devesse tornar-se um cadáver indefeso e de que, usando de uma violência criminosa, transformem-no num objeto no qual possam encontrar prazer. Mas basta com essa espécie de horror!" S. Freud. Conferência XX -  A vida sexual dos seres  humanos. (1916-1917) 

         Quando há na pessoa mudança na finalidade dos desejos sexuais: Ao invés da finalidade do desejo sexual, que seria o ato sexual, ocorre uma transformação, onde a satisfação sexual se dá num ato inicial ou preparatório.



Voyeur: São pessoas cujo desejo consiste em olhar outras pessoas, ou palpá-las, ou espiá-las durante a execução de atos íntimos, ou pessoas que expõem partes do corpo que deveriam estar encobertas, na obscura expectativa de poderem ser recompensadas, serem olhados por esse outro.

Sádicos/masoquistas: Causar sofrimento e tormento a seus objetos lhe satisfaz sexualmente: Nos masoquistas o prazer consiste em sofrer toda espécie de tormentos e humilhações de seu objeto amado, seja simbolicamente, seja na realidade.



A substituição da finalidade pelo simples fantasiar de seus atos.

“Ainda existem outros em que diversas dessas precondições anormais estão unidas e entrelaçadas; e, por fim, devemos nos lembrar de que cada um destes grupos pode ser encontrado sob duas formas: ao lado daqueles que procuram sua satisfação sexual na realidade, estão os que se contentam simplesmente com imaginar essa satisfação, que absolutamente não necessitam de um objeto real, mas podem substituí-lo por suas fantasias.” S. Freud. Conferência XX -  A vida sexual dos seres  humanos. (1916-1917)

Na prática clínica psicanalítica, Freud cita duas situações relacionadas a sexualidade que são fundamentais no funcionamento psíquico: 

 - Nos neuróticos, os sintomas são substitutos da satisfação sexual 
  
Histeria: qualquer parte do corpo da histérica pode ser investida como um órgão sexual pela via do sintoma. 

"Os sintomas da histeria realmente nos levaram a considerar que os órgãos corporais, além do papel funcional que desempenham, devem ser reconhecidos como possuidores de uma significação sexual (erógena) e que a execução da primeira dessas tarefas é perturbada se a segunda fizer exigências demasiadas. Inúmeras sensações e inervações, que encontramos como sintomas de histeria, em órgãos que não possuem conexão evidente com a sexualidade, revelam-se a nós, assim, como tendo o caráter de realização de impulsos sexuais pervertidos em relação aos quais outros órgãos adquiriram a significação das partes sexuais." S. Freud. Conferência XX -  A vida sexual dos seres  humanos. (1916-1917)

Para encontrarmos o caminho desta "perversão" na histeria é necessário percorrermos o caminho da interpretação do sintoma, pois a histérica não quer saber disso, sabe somente do mal estar que lhe aflige. Esse dialeto entre corpo erógeno, sexo, e linguagem é inconsciente. 

Neurose obsessiva: existe a pressão de impulsos sexuais sádicos excessivamente intensos, mas que são pervertidos quanto ao seu fim. Os sintomas na neurose obsessiva servem como defesa contra esses desejos sádicos. Portanto há uma luta entre a satisfação e a defesa. Quanto mais há satisfação, mais haverá defesa que aparecem como auto recriminações ao sujeito. Há uma excessiva sexualização no toque, no olhar, que na luta da defesa, retornam como: obsessão por lavar-se, temor de tocar.

Será que é possível distinguir seres humanos que apresentam a sua sexualidade normal e outros que apresentam uma sexualidade "perversa"? Já que mesmo na neurose os caminhos da sexualidade, a obtenção da satisfação sexual se mostra distorcida. se dá através do sintoma? 

A sexualidade ‘pervertida’ não seria senão uma sexualidade infantil cindida (dividida) em impulsos separados.

Por que os impulsos sexuais (desejos, investimentos e satisfações em relação aos objetos) só surgiriam na puberdade? Será que a sexualidade só estaria relacionada aos órgãos genitais? Claro que não, a sexualidade inicia desde muito cedo na vida de cada um de nós. Abordar a sexualidade na infância é abordar os impulsos e investimentos sexuais a objetos, sem que haja ainda o ato sexual propriamente dito ou satisfação sexual calcada nos genitais. Na infância esses impulsos e investimentos aparecem de uma maneira caótica, por isso perversa.  

"As crianças possuem tudo aquilo que se pode descrever como vida sexual, a justeza de nossas observações e a explicação para o fato de encontrarmos tantas afinidades entre a conduta das crianças e aquilo que mais tarde é condenado como perversão." S. Freud. Conferência XX -  A vida sexual dos seres  humanos. (1916-1917)

A mãe satisfaz as necessidades básicas do bebê, o mantendo alimentado e  quentinho. Os impulsos sexuais surgem junto a essas primeiras satisfações. O bebê por sua vez, mesmo sem fome, em outro momento, após esta primeira satisfação, reinvestirá novamente nesse objeto (seio materno), a fim de reencontrar aquele primeiro prazer.  

As primeiras satisfações que ocorrem na vida do bebê, advém da satisfação de suas necessidades, e um "além" proporcionado pelo seio materno. A satisfação de prazer surge da  excitação própria da boca do bebê em contato com o seio.. Surgindo então a boca como uma zona erógena. O seio é um objeto interno ou externo do bebê?

"Se um bebê pudesse falar, ele indubitavelmente afirmaria que o ato de sugar o seio materno é de longe o ato mais importante de sua vida. E nisto o bebê não se engana muito, pois nesse único ato está satisfazendo de uma só vez as duas grandes necessidades vitais. Por isso, não nos surpreenderemos ao saber, por meio da psicanálise, quanta importância psíquica conserva esse ato durante toda a vida. Sugar ao seio materno é o ponto de partida de toda a vida sexual, o protótipo inigualável de toda satisfação sexual ulterior, ao qual a fantasia retorna muitíssimas vezes, em épocas de necessidade. Esse sugar importa em fazer o seio materno o primeiro objeto do instinto sexual." S. Freud. Conferência XX -  A vida sexual dos seres  humanos. (1916-1917)

Em determinado momento, do prazer encontrado no contato boca/seio materno é deslocado ao prazer encontrado no investimento do próprio corpo do bebê(polegar ou sua própria lingua).  Quando o bebê volta essa busca de prazer  a seu próprio corpo, descobre que pode obter prazer em si mesmo sem consentimento do mundo externo. Esse momento é denominado Auto erotismo. 

Duas características decisivas da sexualidade infantil: Ela surge ligada à satisfação das principais necessidades orgânicas e se comporta de maneira auto-erótica. 

Em que momento o mundo externo retorna a vida do bebê como fonte de investimento e obtenção de prazer? Ou o bebê se "nutre" de duas fontes, uma que advém do seio ou substituto e uma segunda fonte do auto erotismo? 



Não interessa se a satisfação encontrada advém de uma maneira externa ou interna. Todo prazer é sentido como advindo de dentro e o desprazer advindo de fora.  Trata-se de uma satisfação no corpo e que se encerra ali, no próprio corpo. Não se trata de um corpo considerado um todo, sendo tomado como objeto de investimento libidinal, mas partes de um corpo vivido como fragmentado, sem unidade.

Quando o bebê urina ou evacua também obtém prazer em seu corpo (sentido nos órgãos excretórios). A cada dia, o bebê consegue obter mais prazer neste ato, através das excitações das zonas erógenas da membrana mucosa. Entretanto esta sensação prazerosa advinda de dentro do próprio corpo se depara com o imperativo do controle educacional dos esfincteres advindo do mundo externo(mãe ou educadores): A criança não pode mais obter prazer a partir de suas funções excretórias, mesmo assim, em relação as fezes, a criança dá  imenso valor a seu produto: por ser uma fonte de prazer no corpo e por ser um presente produzido por ela, que presenteia ou não à mãe. 
  
Sobre o controle esfincteriano adquirido pelas crianças, Freud diz: "Então, pela primeira vez, a criança é obrigada a trocar o prazer pela respeitabilidade social. No início, sua atitude para com suas excreções é muito diferente. Não sente repugnância por suas fezes, valoriza-as como parte de seu próprio corpo, da qual não se separa facilmente, e usa-as como seu primeiro ‘presente’ com que distingue as pessoas a quem preza de modo especial. Mesmo depois de a educação ter atingido seu objetivo de tornar essas tendências incompatíveis com a criança, esta continua a atribuir elevado valor às fezes, considerando-as ‘presentes’ e ‘dinheiro’. Por outro lado, parece considerar com especial orgulho a proeza de urinar." S. Freud. Conferência XX -  A vida sexual dos seres  humanos. (1916-1917)

A criança pequena se satisfaz  através de investimentos num  objeto externo, mas também na satisfação obtida em suas próprias zonas erógenas, as quais as genitais estão incluídas.  A masturbação inicia muito cedo na vida da criança e é uma forma também de satisfação no próprio órgão. Freud não delimita a questão da masturbação a satisfação do órgão, mas a deixa em aberto para novas indagações.

O pênis para criança é fonte de interesse, prazer e frustrações. Até determinado momento na constituição da criança, todos os seres tem pênis, até que ela descobre que nem todos  seres o tem: para o menino isso pode ser uma ameaça a esse objeto que é fonte de prazer, no caso da menina, não ter pênis é uma constatação. Com essas idas e vindas sobre a sexualidade e a diferença anatômica entre os sexos e as identificações constrói-se aquilo que é masculino e aquilo que é feminino, Entretanto essas descobertas sobre a diferença entre os sexos não é sem perdas, frustrações, privações, e a castração como pano de fundo. Enfim o Complexo de Édipo. 

A sexualidade também é fonte de curiosidade e investigação sobre a origem da vida para criança. As investigações sobre a sexualidade iniciam cedo: questionamentos sobre a origem dos bebês(da onde nascem os bebês?). As crianças percebem que o pai tem algo haver com seu nascimento, mas não conseguem relacionar que o mesmo órgão que se urina, se faz bebê e com isso a criança constrói hipóteses e conclusões sobre a sua origem e sua história de vida. 

A infância não é tão inocente, pura e isenta de qualquer satisfação de prazer, muito pelo contrário. A criança tem que lidar com uma intensidade de excitações, desejos, investimento em objetos. A sexualidade é também para criança uma fonte de  questionamentos. Ninguém sai ileso da infância, até porque a criança constrói essa "fábula sobre a sexualidade", calcada em imagens, em fala dos pais por vezes depreciativas, em não ditos, em segredos, em imperativos.  E essa construção da criança repercute na vida da pessoa em todos os aspectos. 
O sexual não pode ser visto somente pelos genitais, ou visando a reprodução. A sexualidade de cada um é diversificada e com suas excentricidades. É impossível pensar a sexualidade sem a marca do seu tempo, desarticulada de conceitos morais. Entretanto, há sempre diferença entre o que as pessoas falam de sua sexualidade, daquilo que as pessoas fazem no sexo. 




Ao me debruçar sobre este texto, fiquei pensando na sexualidade na contemporaneidade. Antes o sexo era algo encoberto, marcado de segredos. Que não deixa de ter a sua graça Atualmente a sensação que tenho é de excesso: de informação, de explicites do sexual, do "pode tudo", inclusive pode não querer fazer sexo, são os assexuados. 

Quais marcas no sujeito, o nosso tempo deixará?   O que transmitiremos as próximas gerações? 


Paula Adriana
Praticante de psicanálise

email: paulaadriana.couto@gmail.com

  



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