terça-feira, 4 de novembro de 2014

Conferência XVII - O Sentido dos sintomas - S. Freud (1916-1917)



Na conferência 17, "O sentido dos sintomas", Freud afirma que para a psicanálise o sintoma é rico em sentido e está tramado com os tecido da vida e o vivenciar das pessoas que os portam. 
Na clínica, frente a cada pessoa, por vezes me pergunto: Qual o sentido disto que o sujeito construiu  para ser/estar no mundo, que por vezes lhe causa tanto mal estar?
No momento em que foi escrito. o sentido dos sintomas, o trabalho analítico consistia em analisar, interpretar, traduzir, procurar as significações cifradas, deformadas para satisfazer o desejo inconsciente recalcado sem ofender a consciência moral do sujeito. 
O psicanalista diferente do médico, não trabalha diretamente sobre o sintoma. Qual a relação psicanálise e sintoma e a  medicina e o sintoma ?
O médico descreve o sintoma e os diagnostica como doença, medica sintomas, e acredita e "faz" acreditar que cura a doença. Já para o psicanalista o sintoma é essencial, porque através dele o inconsciente está em ação. 

O dizer de Freud sobre o trabalho do psiquiatra e do psicanalista:

"Na última conferência (Psicanálise e psiquiatria), expliquei-lhes que a psiquiatria clínica atenta pouco para a forma externa do conteúdo dos sintomas individualmente considerados, que a psicanálise, entretanto, valoriza precisamente este ponto e estabeleceu, em primeiro lugar, que os sintomas têm um sentido e se relacionam com as experiências do paciente." Conferência XVII - Os Sentidos dos sintomas - S. Freud (1916-1917)

Antes de abordarmos o sentido do sintoma, acredito que seja importante conceituar o que é um sintoma na medicina e em psicanálise: Na medicina o sintoma é um sinal de alguma coisa, indica uma doença que afeta um organismo.  Em psicanálise o sintoma é um sinal e substituto de uma satisfação pulsional que não se realizou para o sujeito. Enfim, se em medicina o sintoma é sinal de doença, em psicanálise ele é "substituto" da doença, ele é metáfora dela ou, é a própria doença. 

O sintoma nos ditos do analisante parecem não ter sentido, causam certa estranheza àquele que o escuta, sendo assim, o que Freud quer dizer quando diz que o sintoma tem sentido?

De acordo com a experiência particular de cada um, as coisas são percebidas sob um ponto de vista. Como se cada um tivesse uma perspectiva particular de vivenciar determinada experiência. Dizer que o  sintoma tem um sentido, é  como se houvesse um fio condutor que ligasse os fatos, sensações, sentimentos, de acordo com a experiência de cada um. As coisas terem sentido, ou a busca por um sentido é próprio ao humano, em qualquer estrutura psíquica, portanto há sentido até no próprio delírio da psicose ou no sonho. A questão do sentido é bem diferente na neurose e psicose, em ambos há uma conexão com a vida do sujeito, mesmo quando não parece haver. 


"Os sintomas neuróticos têm, portanto, um sentido, como as parapraxias e os sonhos, e, como estes, têm uma conexão com a vida de quem os produz. ("Conferência XVII - Os Sentidos dos sintomas - S. Freud (1916-1917))

Quando pensamos em sintoma neurótico, não podemos perder de vista que o sintoma existe porque houve alguma privação libidinal na atualidade, que colocou em movimento uma introversão libidinal para o terreno da fantasia(modo de  satisfação pulsional, sem que ocorra o teste da realidade). Sempre há privação, portanto o sintoma é próprio do sujeito neurótico.

Freud escolhe a neurose obsessiva para exemplificar o sentido do sintoma. Será que essa escolha foi aleatória, ou existe algo peculiar a neurose obsessiva em relação ao sentido dos sintomas?


"Essa neurose, conhecida como neurose obsessiva, não é tão comum como a universalmente conhecida histeria. Não é, se assim posso expressar-me, tão indiscretamente ruidosa; comporta-se mais como assunto particular do paciente, prescinde quase que completamente dos fenômenos somáticos e cria todos os sintomas da esfera mental. A neurose obsessiva e a histeria são as formas de doenças neuróticas em cujo estudo baseou-se inicialmente a psicanálise, e em cujo tratamento, também, nossa terapia realiza seus triunfos. Mas a neurose obsessiva, na qual o enigmático salto do mental para o físico não desempenha nenhum papel, se nos tornou, através dos esforços da psicanálise, realmente mais compreensível e conhecida do que a histeria, e temos constatado que ela apresenta muito mais flagrantemente determinadas características extremas da natureza da neurose." (Conferência XVII - Os Sentidos dos sintomas - S. Freud (1916-1917))


A neurótico obsessivo  ocupa-se de pensamentos em que realmente não está interessado. Ele tem noção de que há impulsos e ações nele que lhe parecem muito estranhos. Esses atos não lhe dão satisfações, entretanto não consegue parar de fazê-lo.


Essas obsessões( ideias fixas, preocupação contínua) por vezes não tem significação, ou ainda são vividos como algo sem importância para o sujeito. Esses pensamentos ou atos apresentam um tom de absurdo, que por vezes tomam a vida do sujeito, pois promovem uma intensa atividade psíquica e que desgastam o sujeito. 

Por outro lado o neurótico obsessivo tem pensamentos assustadores, com certa crueldade que o tenta por vezes a cometer crimes, na mesma medida o sujeito se resguarda de executá-los recorrendo a proibições, renúncias, e restrições em sua liberdade. Enfim o próprio sujeito a partir de proibições e restrições a sua liberdade defende-se de seus próprios pensamentos de crueldade. O sujeito cria rituais, atividades obrigatórias, que se tornam tarefas fatigantes e que não consegue se desvencilhar. 



Por que ou para que alguém "criaria" em si, atos tão intensos e absurdos que ao mesmo tempo tão desimportantes para viver a vida,  que toma grande parte da sua vida e por vezes restringindo sua liberdade? 


O caminho mais fácil, mas também ingênuo,  seria mandar o sujeito parar de fazer aquele ato. Ou explicar que aquele ato faz mal a ele. Ou ainda dizer ao sujeito: "Olha o que grande mal você faz a si mesmo."

Freud diz: 
"Ele(neurótico obsessivo) próprio gostaria de fazê-lo, pois está perfeitamente lúcido, compartilha da opinião dos senhores acerca de seus sintomas neuróticos, e até mesmo expressa-a espontaneamente aos senhores. Só que ele próprio não consegue ajudar-se a si mesmo. O que é posto em ação, em uma neurose obsessiva, é sustentado por uma energia com a qual provavelmente não encontramos nada comparável na vida mental normal. Existe uma coisa apenas, que ele pode fazer: realizar deslocamentos, trocas, pode substituir uma ideia absurda por outra um pouco mais atenuada, em vez de um cerimonial pode realizar um outro. Pode deslocar a obsessão, mas não removê-la. A possibilidade de deslocar qualquer sintoma para algo muito distante de sua conformação original é uma das principais características desta doença."(Conferência XVII - Os Sentidos dos sintomas - S. Freud (1916-1917))



Qual a direção de trabalho analítico com a neurose obsessiva, já que o sujeito sabe do seu mal estar, sabe até como poderia resolve-lo? Entretanto não consegue fazê-lo, ao contrário seu sintoma o atormenta. 
Por vezes é  perceptível ao neurótico obsessivo sua contradição (Incoerência entre .atos ou ditos sucessivos)  intensa e visível. Junto a isso, há no  neurótico obsessivo  uma dúvida e indecisão intensa, que faz com que o sujeito permaneça no mesmo lugar. tudo isso causa a restrição de sua liberdade e a perpetuação  de  seus sintomas.  




"Ao mesmo tempo, o neurótico obsessivo inicia seus empreendimentos com uma disposição de grande energia, freqüentemente é muito voluntarioso e, via de regra, tem dotes intelectuais acima da média. Geralmente atingiu um nível de desenvolvimento ético satisfatoriamente elevado; mostra-se super consciencioso, e tem uma correção fora do comum em seu comportamento. Os senhores podem imaginar que não é pouco o trabalho que se requer para se poder penetrar, por pouco que seja, nessa miscelânea de traços de caráter e de sintomas. E, de início, não pretendemos nada mais do que compreender alguns desses sintomas e conseguir interpretá-los."

Freud se utiliza de dois exemplos para demonstrar a configuração da neurose obsessiva e a possibilidade de trabalho, não vou utilizá-los neste texto. Vale a pena lê-lo, porque nos dá uma interessante visão do sentido dos sintomas e o trabalho do psicanalista. 


É importante ressaltar que após a escrita dessas conferências, muitas mudanças vieram na teoria. Freud escreve a segunda tópica, onde existe uma nova configuração de aparelho psíquico mais complexa, a chamada segunda tópica (eu/supereu/isso), além disso Freud produziu uma modificação na sua teoria das pulsões inserindo a pulsão de morte. Essas novas configurações trouxeram uma nova luz a questão do sintoma. 
Referencias:
Ocariz, Maria Cristina. O sintoma e a clínica psicanalítica: O curável e o que não tem cura. Via lettera editora. São Paulo. 2003.
Safouan, Moustapha. Seminário: Angústia,sintoma,inibição. Campinas SP. 1989.





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