Neste artigo Freud discutiu a Melancolia, fazendo uma analogia com o estado de luto. Ambas condições são decorrentes da perda de determinando objeto, importante ao
sujeito. (objeto amoroso, liberdade, ideal, pátria). Dois textos anteriores são articulados neste
texto: Sobre o Narcisismo: Uma introdução (1914), onde o Eu e sua constituição
são colocados em pauta e As Pulsões e seus destinos (1915) o viés econômico
da pulsão e do aparelho psíquico.
O luto é uma reação à perda de
algum objeto. No luto supõe-se um tempo de elaboração. Algo muito querido se
foi, e o luto precisa ser elaborado. Alguns fenômenos são próprios ao momento do luto, como por exemplo a suspensão do interesse pelo mundo
externo. Entretanto após este período, ocorre a superação, e a vida
segue com novos investimentos. Na melancolia, há uma estado de animo
profundamente doloroso, há também a suspensão do interesse pelo mundo externo.
Na melancolia, nem sempre há um objeto concretamente perdido, ou por vezes há
um objeto que se perdeu, mas o melancólico não consegue nomeá-lo: " (...)
o doente não consegue nem dizer, nem apreender conscientemente o que
perdeu..." S. Freud. Luto e melancolia (1917)
Existem traços em comum entre luto e melancolia: desânimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar e a inibição de toda e qualquer atividade.
A melancolia evolui do estado de animo profundamente doloroso e o desinteresse pelas coisas do mundo externo à depreciação de si mesmo, chegando por vezes ao delírio de punição de si mesmo. A inibição no melancólico é enigmática porque absorve a pessoa completamente. O eu se torna pobre e vazio. No luto é o mundo que se torna pobre e vazio.
A perda na melancolia é também inconsciente. O melancólico retorna a libido que investia no objeto supostamente perdido ao eu(narcisismo secundário - Psicose). Diferentemente da paranoia(outra estrutura psicótica), onde este reinvestimento no eu, traz consigo a ilusão de integridade na forma de certeza, a megalomania. Na melancolia, o reinvestimento no eu traz a depreciação de si mesmo e o rebaixamento da auto-estima. Por que isso ocorre, já que há um reinvestimento na libido no eu?
Freud sobre a Melancolia:
"O paciente representa seu ego para
nós como sendo desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente
desprezível, ele se repreende e se envilece, esperando ser expulso e .punido.
Degrada-se perante todos, e sente comiseração por seus próprios parentes por
estarem ligados a uma pessoa tão desprezível. Não acha que uma mudança se tenha
processado nele, mas estende sua auto-crítica até o passado, declarando que
nunca foi melhor. Esse quadro de um delírio de inferioridade (principalmente
moral) é completado pela insônia e pela recusa a se alimentar, e o que é
psicologicamente notável por uma superação da pulsão que compele todo ser
vivo a se apegar à vida." S. Freud. Luto e melancolia (1917)
Existe algo no melancólico que lhe consome. Junto ao objeto perdido, o melancólico perdeu parte
de seu eu, entretanto reinveste a libido em parte deste eu como se este fosse o objeto, isso causa conflito psiquicamente: as acusações atribuídas a si próprio, por vezes violentas, ou de caráter radicalmente críticos se ajustam a outra pessoa, aquele objeto supostamente amado. As auto-recriminações a si próprio, são recriminações feitas a um objeto amado que são deslocadas do objeto ao eu da pessoa.
Por que ocorre esse deslocamento na melancolia
tornando a vida desta pessoa por vezes insuportável? A libido livre não foi deslocada para outro
objeto, retornou ao eu da pessoa. De uma maneira que há uma identificação do Eu
com o objeto perdido. "Assim a sombra do objeto caiu sobre
o Eu do melancólico." S. Freud. Luto e melancolia (1917) Sendo assim, as recriminações,e julgamentos atribuídos ao
objeto deslocam-se ao eu, a mercê da instância julgadora, a consciência moral:
como se fosse um objeto, o objeto perdido.
A consciência moral oriunda do próprio eu (até esse momento, na Obra de Freud o conceito de supra-eu não foi construído), torna-se prevalecente. A consciência moral torna o eu sem atributos favoráveis.
Segundo Freud:
"Uma ou duas coisas podem ser diretamente
inferidas no tocante às pré-condições e aos efeitos de um processo como este.
Por um lado, uma forte fixação no objeto amado deve ter estado presente; por
outro, em contradição a isso, a catexia objetal deve ter tido
pouco poder de resistência." S. Freud. Luto e melancolia (1917)
Neste texto há uma explicação de
Otto Rank sobre a contradição a fixação do melancólico ao objeto amado e perdido:
1. A escolha objetal na melancolia é efetuada numa
base narcísica, Frente a qualquer obstáculo há um retrocesso do investimento ao
eu, na forma de uma identificação narcísica.
2. Essa identificação se torna substituto do
investimento erótico. Caso haja conflito no par amoroso, isso não é impeditivo, pois o
investimento já retrocedeu ao eu. Não existindo assim par amoroso (eu-objeto), mas sim, a relação é de (eu-eu).
3. Há uma regressão de um tipo de escolha objetal
para o narcisismo original.
4. Na melancolia há um retorno a uma fase primitiva: o eu do sujeito tenta incorporar a si esse
objeto, fase oral ou canibalista da
constituição da libido.
A identificação na melancolia é diferente da identificação na neurose, freud diz:
Sobre as identificações na neurose:"Também nas neuroses de transferência as
identificações com o objeto de modo algum são raras; na realidade, constituem
um conhecido mecanismo de formação de sintomas, especialmente na histeria.
Contudo, a diferença entre a identificação narcisista e a histérica pode
residir no seguinte: ao passo que na primeira a catexia objetal é abandonada,
na segunda persiste e manifesta sua influência, embora isso em geral esteja
confinado a certas ações e inervações isoladas. Seja como for, também nas
neuroses de transferência a identificação é a expressão da existência de algo
em comum, que pode significar amor. A identificação narcisista é a mais antiga
das duas e prepara o caminho para uma compreensão da identificação histérica,
que tem sido estudada menos profundamente."S. Freud. Luto e melancolia (1917)
- O sadismo e o ódio contra o Eu, presentes na melancolia:
Essa depreciação e tortura a si mesmo presente
na melancolia e na neurose obsessiva (neurose de transferência) confere
uma satisfação da pulsão, pela via do sadismo e do ódio a um
objeto que retornou ao eu da pessoa. Esse impulso sádico é em direção ao objeto, mas como isso foi incorporado, volta-se ao eu da pessoa. (RETORNO DA PULSÃO EM DIREÇÃO AO PRÓPRIO EU.
Na melancolia há satisfação pela via do sadismo através da autopunição, mas também uma satisfação vivida indiretamente, pela via do ódio. Uma vingança em relação ao objeto, através da identificação. O objeto amado torna-se o objeto odiado. (REVERSÃO AO SEU OPOSTO)
Desta dupla "satisfação", Freud diz:
"Afinal de contas, a pessoa que ocasionou a
desordem emocional do paciente, e na qual sua doença se centraliza, em geral se
encontra em seu ambiente imediato. A catexia erótica do melancólico no tocante
a seu objeto sofreu assim uma dupla vicissitude: parte dela retrocedeu à
identificação, mas a outra parte, sob a influência do conflito devido à
"ambivalência", foi levada de volta à etapa de sadismo que se acha
mais próxima do conflito." S. Freud. Luto e melancolia (1917)
- A
natureza do suicídio presente na melancolia:
Na melancolia há um desinvestimento objetal e um
retorno desta libido no eu, pela via da identificação, como se o objeto fosse "incorporado",
o que causaria no eu a hostilidade e o julgamento a si mesmo, como se fosse
aquele objeto perdido. Esse suposto objeto presente no eu da pessoa, vai ganhando
intensidade, resultando muitas vezes em suicídio. A pessoa se mata como se matasse
o objeto. Há um abandono do Eu, em favor do objeto, o tocante é que este objeto está em si.
- Mania
A melancolia por vezes é cíclica: do estado melancólico ao
estado de mania. Estados opostos de uma mesma "doença". O conteúdo da mania, em nada difere da
melancolia, ambas desordens lutam com o mesmo "complexo", mas
que, provavelmente, na melancolia o eu sucumbe ao complexo, ao passo que no estado de mania há um domínio.
A alegria, a exultação ou o triunfo, que nos
fornecem o modelo normal para a mania, dependem das mesmas condições
econômicas. No estado melancólico há um grande dispêndio de energia libidinal
no investimento no suposto objeto perdido, a mania advém justamente de
libertação deste quantum de energia psíquica.
A mania segundo Freud: "Se reunirmos essas
duas indicações, encontraremos o seguinte. Na mania, o ego deve ter superado a
perda do objeto (ou seu luto pela perda, ou talvez o próprio objeto), e,
conseqüentemente, toda a quota de anticatexia que o penoso sofrimento da
melancolia tinha atraído para si vinda do ego e "vinculado" se terá
tornado disponível. Além disso, o indivíduo maníaco demonstra claramente sua
liberação do objeto que causou seu sofrimento, procurando, como um homem
vorazmente faminto, novas catexias objetais." S. Freud. Luto e melancolia (1917)
Por que no luto normal não há um estado
posterior de mania, já que houve a perda de objeto, o investimento, e um grande
dispêndio de energia para elaboração do luto?
No luto, esse dispêndio de energia
gasto é justamente à elaboração, feito pouco a pouco, num objeto do mundo externo. Na melancolia o dispêndio de energia foi num objeto sem nome, incorporado ao eu, investido e não elaborado. O trabalho na melancolia é no sentido da manutença do
objeto no eu. Outro ponto importante que deve ser ressaltado é que na melancolia existem aspectos inconscientes que não são lineares, e que fornecem "satisfação".
Luto: "Cada uma das lembranças e situações de
expectativa que demonstram a ligação da libido ao objeto perdido se defrontam
com o veredicto da realidade segundo o qual o objeto não mais existe; e o ego,
confrontado, por assim dizer, com a questão de saber se partilhará desse destino,
é persuadido, pela soma das satisfações narcisistas que deriva de estar vivo, a
romper sua ligação com o objeto abolido. Talvez possamos supor que esse
trabalho de rompimento seja tão lento e gradual que, na ocasião em que tiver
sido concluído, o dispêndio de energia necessária a ele também se tenha
dissipado." S. Freud. Luto e melancolia (1917)
Melancolia: "No trabalho da melancolia, portanto, a
consciência está cônscia de uma parte que não é essencial, e nem sequer é uma
parte à qual possamos atribuir o mérito de ter contribuído para o término da
doença. Vemos que o ego se degrada e se enfurece contra si mesmo, e
compreendemos tão pouco quanto o paciente a que é que isso pode levar e como
pode modificar-se. De forma mais imediata, podemos atribuir tal função à parte
inconsciente do trabalho, pois não é difícil perceber uma analogia essencial
entre o trabalho da melancolia e o do luto. Do mesmo modo que o luto compele o
ego a desistir do objeto, declarando-o morto e oferecendo ao ego o incentivo de
continuar a viver, assim também cada luta isolada da ambivalência distende a
fixação da libido ao objeto, depreciando-o, denegrindo-o e mesmo, por assim
dizer, matando-o. É possível que o processo no Ics. chegue a um fim, quer após
a fúria ter-se dissipado quer após o objeto ter sido abandonado como destituído
de valor. Não podemos dizer qual dessas duas possibilidades é a regular ou a
mais usual para levar a melancolia a um fim, nem que influência esse término
exerce sobre o futuro curso do caso. O ego pode derivar daí a satisfação de
saber que é o melhor dos dois, que é superior ao objeto." S. Freud. Luto e melancolia (1917)
Será? |
Este texto: Luto e melancolia (1917) é fundamental quando pensamos a depressão, mal da contemporaneidade.
Paula Adriana
Psicanalista
e-mail: paulaadriana.couto@gmail.com
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