terça-feira, 22 de março de 2016

Minha leitura: Fixação em Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)



Minha leitura: Fixação em Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)



“Em minha conferência anterior, expressei o desejo de que nosso trabalho pudesse prosseguir com base não em nossas dúvidas, mas sim em nossas descobertas.”
“A construção de um sintoma é o substituto de alguma outra coisa que não aconteceu.”
S. Freud

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Na conferência anterior “ O Sentido dos Sintomas”, Freud apresentou dois casos de pacientes neuróticas obsessivas, as quais apresentavam rituais que tomavam grande parte de sua rotina. Algo exaustivo, que provocava sofrimento, mas que não se conseguia abrir mão. Duas mulheres enclausuradas em sua doença psíquica. Elas pareciam fixadas em algum ponto de sua vida. A partir de determinada marca traumática deixaram de viver a vida e passaram a repetir o sintoma. Interessante que na conferência: Fixação em traumas – o inconsciente, Freud demonstra que o inconsciente exerce grande influência na vida psíquica, noções como singularidade e realidade psíquica permeiam o texto. Ao mesmo tempo Freud traz o tempo (passado-presente-futuro) articulado à ideia de  fixação em traumas que faz com que o sujeito passe o tempo parado nele. Duas mulheres “presas no tempo”:

Primeiro caso: A mulher e o ritual da noite de núpcias:

“O que havia lançado destino sobre nossa primeira paciente era o casamento que ela, na vida real, havia abandonado. Por meio de seus sintomas, continuava a manter seu relacionamento com o marido. Pudemos compreender seus anseios que imploravam por ele, que o desculpavam que o colocavam num pedestal, e que lamentavam a perda dele. Embora fosse jovem e desejável para outros homens, havia tomado todas as precauções, reais e imaginárias (mágicas), para permanecer fiel a ele. Não se mostrava a estranhos e negligenciava sua aparência pessoal; ademais, sempre que se sentava numa cadeira, era incapaz de levantar-se rapidamente, recusava-se a assinar seu nome e não podia dar nenhum presente, com fundamento na suposição de que dela ninguém devia receber nada.” Fixação em Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)

Segundo caso: A jovem e o seu “estranho” ritual de dormir:

“O mesmo efeito se produzia na vida de nossa segunda paciente, a jovem, por meio de uma ligação erótica com seu pai iniciada nos anos anteriores à puberdade. A conclusão que ela mesma tirou foi não poder casar-se enquanto estivesse tão doente. Entretanto suspeitamos que ficara assim tão doente para não ter de casar e para permanecer com o pai.” Fixação em Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)

“Em cada uma de nossas pacientes, a análise nos mostra que elas foram conduzidas de volta a um determinado período do seu passado, através dos sintomas de sua doença, ou pelas consequências desses sintomas. Na maior parte dos casos, com efeito, escolheu-se, para este fim, uma fase muito precoce da vida – um período de sua infância ou, até mesmo, por mais que isso pareça risível, um período de sua existência como criança de peito.” Fixação em Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)

Freud  citou  as neuroses traumáticas: de guerras ou de eventos (batidas de trem, ou assalto), onde os pacientes retornavam imaginariamente ao exato momento do evento traumático. Tanto nas neuroses espontâneas como nas traumáticas havia a fixação em uma determinada cena, e posteriormente a repetição do evento supostamente traumático. Na neurose traumática a repetição do evento se dava pelos sonhos (Nota de rodapé: este ponto especial desempenhou seu papel na primeira exposição de Freud sobre a “compulsão a repetição”, alguns anos mais tarde. Ver Além do princípio do prazer em 1920).

O paciente através de sua produção inconsciente (sonhos)  era transportado ao exato momento da “situação traumática”, nem um pouco antes para poder evitá-la, e nem depois para se sentir aliviada com o final. Por que o sujeito reproduzia justamente a parte mais sofrida da situação traumática? No intuito de reviver? Ou na tentativa de dominar a cena?
Segundo Freud a fixação e a repetição do traumático estariam relacionadas ao aspecto econômico do aparelho psíquico. Uma determinada experiência, que causaria no sujeito a intensificação da energia, e a dificuldade na elaboração deste quantum energético. O efeito disso no aparelho psíquico: uma poderosa excitação. Resultando no sujeito, perturbações permanentes em relação à energia.  O aparelho psíquico trabalharia no sentido de manter a tensão psíquica no mais baixo possível, esta carga de tensão que excederia seria enviada e armazenada no inconsciente, entretanto mesmo em outra instância, essa excitação da carga se manteria pressionando a advir. Isso causaria a neurose?
 “(...) No segundo caso – o da jovem com uma fixação em seu pai – já nos mostra que a fórmula não proporciona compreensão suficiente. Por um lado, uma menininha estar de tal forma apaixonada por seu pai é algo tão comum e tão frequentemente superado, que o termo “traumático” aplicado a este fato, perderia todo o seu significado; e, por outro lado, a história da paciente demonstrou-nos que numa primeira instância, sua fixação erótica parecia haver-se dissipado sem causar qualquer dano, e foram somente alguns anos mais tarde que reapareceram nos sintomas da neurose obsessiva.” Fixação em Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)

A neurose obsessiva e a desconexão entre evento traumático e ato obsessivo:

"Por mais que a paciente repetisse seu ato obsessivo, não sabia que este derivava da experiência porque havia passado. A conexão entre o ato e a experiência estava oculta para ela, apenas podia muito fielmente, responder que não conhecia aquilo que a fazia executar seu ato.” Fixação em Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)

Somente no decorrer do tratamento que a paciente fez a conexão entre o passado (experiência) e presente (ato obsessivo). “O elo entre a cena após sua infeliz noite de núpcias e o motivo afetuoso da paciente constituíram, tomados em conjunto, o que temos chamado de “sentido” do ato obsessivo. Mas, enquanto executava o ato obsessivo, este sentido lhe tinha sido desconhecido em ambas as direções – tanto o porquê como o para quê. Os processos psíquicos, portanto, tinham estado em operação dentro dela e o ato obsessivo era o efeito deles; ela se apercebia deste efeito num estado mental normal, porém nenhum dos predeterminantes deste efeito vieram ao conhecimento da sua consciência.” Fixação em Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)

Freud no texto fez uma analogia entre essa “desconexão” presente na neurose obsessiva, e o estado hipnótico provocado por Dr. Bernhein,(médico que trabalhava com métodos de hipnose). No hospital sob o comando do médico, as pacientes ainda hipnotizadas recebiam a ordem que ao acordarem deveriam abrir o guarda-chuva; Quando acordadas obedeciam exatamente à ordem, entretanto não se lembravam da solicitação e o ato de abrir o guarda-chuva parecia desconexo e perdido no tempo.
Nos dois casos apresentados por Freud verificou-se que as pacientes nada sabiam do sentido dos seus sintomas. A medida que a análise transcorreu percebeu-se que esses sintomas constituíam derivados de processos inconscientes, justamente por isso esses derivados inconscientes quando surgiam a consciência geravam a sensação de estranheza.

Um sintoma foi construído porque algo não aconteceu. Algum processo deveria ter evoluído, mas foi interrompido e por isso a consciência deixou de receber alguma informação criando-se uma lacuna na consciência. No inconsciente este elemento permaneceu armazenado e o sintoma emergiu, como algo semelhante a uma troca.

“Nossa terapia age transformando aquilo que é inconsciente em consciente, e age apenas na medida que tem condições de efetuar essas transformação.” Fixação em Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)
Sempre haverá algo inconsciente, não existe somente uma interpretação, existe a sobredeterminação.
Ignorância neurótica sobre o sintoma:

“Devo fazer agora, rapidamente, uma breve digressão, a fim de evitar o risco de os senhores  imaginarem que este trabalho terapêutico seja realizado com muita facilidade. Daquilo que lhes disse até aqui, uma neurose poderia resultar de uma espécie de ignorância – um não saber acerca de acontecimentos mentais de que se deveria saber. Isto seria uma aproximação mais efetiva a algumas conhecidas doutrinas socráticas, segundo as quais até mesmo os vícios  se baseiam na ignorância.” Fixação em Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)

O Saber sobre o sentido do sintoma retiraria o neurótico desta imposição a si?
Numa análise, o saber está do lado do analisando. Uma mesma experiência é vivida de maneira particular por cada um. Noção de Singularidade e  realidade é psíquica. É muito interessante observar numa análise, como as relações vão se modificando, a mesma história apresenta várias perspectivas. A ignorância do neurótico não é de falta de informação, mas sim de outra coisa.

Afinal, como o analista trabalha com a  “ignorância neurótica” ?

“Saber nem sempre é a mesma coisa que saber: existem diferentes formas de saber, e que estão longe de serem psicologicamente equivalentes.” Fixação em Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)

"O paciente sabe, depois disso, aquilo que antes não sabia – o sentido de seus sintomas; porém tanto quanto sabia. Com isso aprendemos que existe mais de uma espécie de ignorância. Necessitaremos ter uma compreensão mais profunda da psicologia, para que esta nos mostre em que consistem essas diferenças. Malgrado isso, continua, porém  verdadeira a nossa tese segundo a qual os sintomas desaparecem quando seu sentido se torna conhecido.” Fixação em Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)

Sobre o tratamento psicanalítico (1916-1917)

“(...) a tarefa do tratamento psicanalítico pode ser expressa nesta fórmula: sua tarefa consiste em tornar consciente tudo o que é patogenicamente inconsciente.” Fixação em Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)
“(...) sua tarefa consiste em preencher todas as lacunas da memória do paciente, em remover as amnésias. O que corresponderia à mesma coisa. Com isso queremos dizer que as amnésias dos pacientes neuróticos possuem importante conexão com a origem de seus sintomas.” Fixação em Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)

O que Freud quis dizer com amnésias ou esquecimento articulado a formação dos sintomas se nos casos dos dois exemplos citados por ele, as pacientes tinham lembranças dos supostos eventos traumáticos que propiciaram os atos obsessivos?

As pacientes de Freud a princípio não faziam a conexão entre os eventos traumáticos e os atos obsessivos, pareciam que tinha havido ruptura na conexão entre esses dois tempos (cena vivida e momento do ato obsessivo), fazendo com a cena fosse repetida. “A única coisa que podemos considerar surpreendente é que a primeira paciente, ao realizar seu ato obsessivo em inúmeras ocasiões, nem uma vez sequer percebeu sua semelhança com a experiência da noite de núpcias, e que a lembrança respectiva não lhe ocorresse quando se lhe faziam perguntas diretas no sentido de encontrar os motivos do seu ato obsessivo.” Fixação em Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)

Freud abordou a diferença do uso da memória no neurótico obsessivo e na histeria. Enquanto na Neurose obsessiva aparentemente não havia perda de memória, mas sim  desconexão entre cena traumática  e  repetição do evento (ato obsessivo) Na histeria a  amnésia em si já é o sintoma, com uma perda de memória desde o infantil. Nas palavras de Freud: “Ao analisar o sintoma, a histérica isoladamente descobre-se geralmente, toda uma sequência de impressão de eventos que, quando tornam a emergir, são descritos explicitamente pelo paciente como tendo sido esquecidos até então. Por outro lado, essa sequência remonta aos primeiros anos de vida, de forma que a amnésia histérica pode ser reconhecida como continuação imediata da amnésia infantil (...)”Fixação em Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917

O uso da memória e o sentido do sintoma.

Parece que o uso da  memória depende dos aspectos inconscientes, assim como o sentido dos sintomas (“de onde”, “para que” e “finalidade”) e a memória utilizada à manutenção da realidade psíquica. Enfim,  os aspectos inconscientes exercem grande parte da influência no aparelho psíquico.  
Sobre a ênfase do inconsciente no aparelho psíquico e as posições contrárias a psicanálise, Freud diz:
“Ao enfatizar desta maneira o inconsciente na vida psíquica, contudo, conjuramos a maior parte dos maus espíritos da crítica contrária a psicanálise. Não se surpreendam com isso e não suponham que a resistência contra nós se baseia tão somente na compreensível dificuldade que constitui o inconsciente ou na relativa inacessibilidade das experiências que proporcionam provas do mesmo. A origem dessa resistência, segundo penso, situa-se em algo mais profundo. No transcorrer dos séculos, o ingênuo amor-próprio dos homens teve de submeter-se a dois grandes golpes desferidos pela ciência. O primeiro foi quando souberam que a nossa terra não era o centro do universo, mas o diminuto fragmento de um sistema cósmico de uma vastidão que mal se pode imaginar. Isto estabelece conexão, em nossas mentes, com o nome de Copérnico, embora algo semelhante já tivesse sido afirmado pela ciência de Alexandria. O segundo golpe foi dado quando a investigação biológica destruiu o lugar supostamente privilegiado do homem na criação, e provou sua descendência do reino animal e sua inextirpável natureza animal. Esta nova avaliação foi realizada em nossos dias, por Darwin, Wallace e seus predecessores, embora não sem a mais violenta oposição contemporânea. Mas a megalomania humana terá sofrido seu terceiro golpe, o mais violento, a partir da pesquisa psicológica da época atual, que procura provar ao ego que ele não é o senhor nem mesmo em sua própria casa, devendo, porém, contentar-se com escassas informações acerca do que acontece inconscientemente em sua mente. Os psicanalistas não foram os primeiros e nem os únicos que fizeram essa invocação à introspeção; todavia, parece ser nosso destino conferir-lhe expressão mais vigorosa e apoia-la como material empírico que é encontrado em todas as pessoas. Em consequência, surge a revolta geral contra nossa ciência, o desrespeito a todas considerações de civilidade acadêmica e a oposição se desvencilha de todas as barreiras da lógica imparcial. E ademais de tudo isso, perturbamos a paz deste mundo também de uma outra forma, conforme em breve os senhores ouvirão.” Fixação em Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)



PAULA ADRIANA NEVES COUTO
PSICANALISTA
paulaadriana.couto@gmail.com
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Consultório: Av. Leôncio de Magalhães, 1138 - Jdim São Paulo

Próximo  ao Metrô Jdim São Paulo





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