sexta-feira, 11 de março de 2016

Minha leitura: O Sentido dos sintomas. S. Freud. Conferência XVII (1916-1917)

  “toda descoberta é feita mais de uma vez.”
“Nem sempre o sucesso acompanha o mérito”
S. Freud


O sintoma (retorno do recalcado) é essencial em psicanálise, pois coloca em ação o inconsciente. Os sintomas tem sentido e estão relacionados às experiências do paciente. O mais intrigante é que são os próprios sujeitos que os produzem inconscientemente.  Mesmo as ideias delirantes dos insanos tem sentido, basta encontrar a maneira de traduzir.

Como pensar a questão do sentido do sintoma? Como algo da narrativa que faz a conexão entre passado e presente? Eu havia pensando no sentido do sintoma, como a coerência que determinados traços aparecem e reaparecem no decorrer do tempo e que são baseados na experiência humana. A coerência está na repetição destes traços. A  partir desta perspectiva é possível encontrar sentido nos sonhos e nos delírios, pois estes,  nem sempre se  apresentam coerentes como um todo, mas se pensarmos parte a parte apresentam sentido.  

Para abordar o sentido dos sintomas nesta conferência, Freud escolheu dois exemplos da neurose obsessiva:  “Essa  neurose, conhecida como neurose obsessiva, não é tão comum  como a universalmente conhecida histeria. Não é, se assim posso expressar-me, tão indiscretamente ruidosa; comporta-se mais como um assunto particular do paciente, prescinde quase que completamente dos fenômenos somáticos e cria todos os sintomas da esfera mental.” S. Freud. Conferência XVII: O Sentido dos sintomas (1916-1917)

O paciente se ocupa de pensamentos que realmente não está interessado, que não apresentam significação. O sujeito se sente  exausto e atormentado por esses pensamentos. Entrega-se contra a sua vontade, como se fossem a coisa mais importante de sua vida.  Existem impulsos dentre de si que  parecem estranhos, mas que o sujeito não consegue abrir mão, são ações repetitivas  aparentemente sem sentido e sem satisfação alguma em sua execução ou finalização.

Por vezes nesses pensamentos ou atos repetitivos aparecem alguns conteúdos assustadores tentando o sujeito a cometer graves crimes, fazendo-o recorrer a recriminações, proibições, renúncias e restrições. Parece que todos esses conteúdos assustadores são construídos com o objetivo  de autoflagelação ou auto recriminação. A presença da dúvida é outra característica da neurose obsessiva, levando o sujeito à procrastinação e mantendo-o paralisado em seus pensamentos e atos obsessivos.

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Caso 1 (descrito por Freud nesta conferência):

Mulher de cerca de trinta anos de idade, que apresenta sintomas graves que a mantinha afastada de suas atividades, presa às próprias ideias absurdas, e atos obsessivos.

Atos obsessivos:  ela corria de seu quarto a  outro quarto, em seguida parava em determinada posição,  e soava a campainha chamando a empregada. Dava-lhe algum recado, e em seguida dispensava-a. Logo depois corria de volta a primeira posição. (Repetia este ato ao longo do dia).
Quando questionada pelo analista sobre seus atos "absurdos". A mulher não sabia responder. Só conseguiu explicar seu ato, após o analista ter conseguido invalidar uma de suas dúvidas muito importante e fundamental. Após isso a mulher falou ao analista sobre a suposta conexão entre o ato obsessivo e sua história de casamento.

Há dez anos esteve casada com um homem, muito mais velho do que ela, e na noite de núpcias,  ele ficara impotente. Durante a noite de núpcias este homem voltou correndo ao seu quarto para novamente tentar manter a relação sexual com a mulher, mas não conseguiu.

Após a tentativa, este homem disse a mulher: - “Eu devia sentir-me envergonhado perante a empregada, quando ela arrumar a cama.” Pegou uma garrafa de tinta vermelha e derramou seu conteúdo no lençol.

Qual a conexão entre o sintoma e a cena vivida pela paciente com o marido? Freud diz:
“Num primeiro momento, não pude atinar com a relação entre esta lembrança e o ato obsessivo em exame; a única semelhança que pude encontrar foi no ato de correr de um quarto para o outro e, talvez, na vinda da empregada. Minha paciente então levou-me até a mesa, no segundo quarto, e mostrou-me uma grande mancha na toalha. Depois, explicou que assumia sua posição em relação à mesa de maneira tal que a empregada, ao ser dispensada de sua presença, não podia deixar de ver a mancha. Já não podia haver qualquer dúvida sobre a intima conexão entre a cena de sua noite de núpcias e o ato obsessivo atual, embora ficassem por ser esclarecidas muitas outras coisas.” S. Freud. Conferência XVII: O Sentido dos sintomas (1916-1917)

Conexões possíveis no caso 1 entre a cena da noite de nupcias e ato obsessivo:

  • presença da paciente estrategicamente situada  de maneira que a empregada não deixasse de ver a mancha na toalha de mesa.
  • A paciente executando o papel do marido (identificação), mas também, protegendo-o do olhar da empregada sob o vexame de ser impotente na noite de núpcias.
Nestas conexões feitas pela paciente podemos pensar a questão do "sentido" dos sintomas sob pelo menos duas perspectivas:
  • O ato obsessivo   representa  a cena importante e traumática, onde a mulher através dos atos obsessivos conseguia “consertá-la” como um todo.
  • Por outro lado, neste mesmo ato obsessivo, os elementos da cena traumática se repetiam,  tais como: empregada, ato de correr e a mancha . 
  • Segundo Freud, esta representação funcionaria também, como um desejo sendo satisfeito numa ação da época atual, como se aquilo de ruim  não tivesse acontecido: “Não, não é verdade. Ele não tinha porque sentir-se envergonhado perante a empregada; ele não ficou impotente.” S. Freud. Conferência XVII: O Sentido dos sintomas (1916-1917)
  • "A mulher estivera separada de seu marido, durante anos, e estava debatendo-se com a intenção de obter divórcio legal. Contudo, não havia como livrar-se dele, ela era forçada a permanecer fiel a ele; retirou-se do mundo para não ser tentada; em sua imaginação, desculpava-o e engrandecia as qualidades dele. Na verdade, o mais profundo segredo de sua doença consistia em que, através desta doença protegia seu marido de comentários maldosos, justificava-se por estar separada dele e possibilitava-lhe levar uma vida separada cômoda.” S. Freud. Conferência XVII: O Sentido dos sintomas (1916-1917)


Enfim, os sintomas apresentam grande serventia ao psiquismo, e por isso é tão difícil abrir mão dele. 

Alguns dados que Freud insere sobre estes atos/sintomas:

  • A interpretação do sintoma foi feito em parte pela própria paciente, a partir das interpretações iniciais do analista.(isso se modifica no decorrer da obra de Freud)
  • Esse sintoma foi constituído quando a paciente já era adulta? Ou como uma revivência de algo esquecido na infância? Não há esta informação no texto, até porque foi um caso atendido brevemente por Freud.
  •  A cena traumática é de conteúdo sexual. Os traços que se repetem trazem de volta esse sentido.
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Caso 2 (descrito por Freud nesta conferência):

Jovem de 19 anos, solteira e filha única. Quando criança era alegre e decidida. No decorrer dos últimos anos havia se transformado numa mulher irritável, insatisfeita e deprimida.
Sintoma apresentado: Indecisão e dúvidas paralisantes. A jovem não conseguia caminhar livremente por praças e ruas largas. Ela mantinha um ritual inflexível para dormir levadas as últimas consequências, a fim de que fosse executado:

  • Necessitava de silêncio para dormir, qualquer ruído deveria ser abolido para tanto duas coisas eram feitas: parava o grande relógio que havia em seu quarto, e todos os outros relógios eram removidos do quarto.  Os vasos de flores eram agrupados na escrivaninha para que não caíssem e quebrassem durante a noite e perturbassem o seu sono.
  • A porta do seu e do quarto dos pais deveriam permanecer entreabertas, para isso a jovem colocava uma série de objetos como obstáculos.
  • Seu travesseiro não poderia tocar o encosto de madeira da cabeceira. Haveria ainda outro travesseiro menor  que  repousava sob  o travesseiro grande, numa determinada posição específica, na forma de um diamante, sendo que  a parte inferior do travesseiro menor deveria ficar mais volumosa.

Todo este ritual  repleto de detalhes era acompanhado de sofrimento e apreensão, pois tudo tinha que ser verificado repetidamente. As dúvidas surgiam  a todo momento em relação a execução do ritual. Eram mais de três horas de trabalho árduo para a jovem dormir. Enfim, por que essa jovem produzira como sintoma algo tão exaustivo e árduo? Qual o sentido disto?

Segundo Freud, neste segundo caso o sentido do sintoma parecia estar mais obscuro. Ele propunha interpretações, as quais a jovem refutava imediatamente, entretanto em algum momento isso se modificou, a jovem começou a se ocupar das hipóteses apresentadas sobre o sentido dos sintomas. (O que leva essa jovem a mudar de posição? De não querer saber à posição de querer saber sobre o seu mal estar.) A jovem trazia recordações, fazia novas associações e construía hipóteses  e conexões a partir das interpretações de Freud.

“À medida que isso aconteceu, ela abrandou a execução de suas medidas obsessivas, e antes mesmo do fim do tratamento, havia abandonado por completo o ritual.  Os senhores devem entender também que o trabalho analítico, tal como o efetuamos hoje em dia, praticamente exclui o tratamento sistemático de qualquer sintoma isolado até ser inteiramente elucidado. Pelo contrário, vemo-nos obrigados a abandonar repetidamente um determinado tema, na expectativa  certa de retornar a ele novamente, em outros contextos. A interpretação de seus sintomas, que estou por mostrar-lhes, é, em consonância com isto, uma síntese de achados que foram surgindo, interrompidos por outro trabalho, durante um período de semana e meses.” S. Freud. Conferência XVII: O Sentido dos sintomas (1916-1917)

Conexões descobertas gradualmente no decorrer da análise:

O ritual de retirada dos ponteiros dos relógios e os símbolos genitais femininos:Tempo do relógio e o tempo da mulher: as regras menstruais ocorrem uma vez por mês, a período de gestação, enfim, a vida da mulher é marcada pelo tempo.   A sensação do tique taque do relógio que atrapalhava seu sono, relacionava-se também a sensação de tique-taque presente nas excitações genitais do clitóris.

O ritual de cuidado com  os vasos de flores, para que esses não se quebrassem e o ritual de quebra dos vasos que os homens executavam no momento que iriam se casar. A jovem se lembrou do medo de não sangrar quando perdesse a virgindade.

Os  rituais do uso de travesseiros e o desejo da jovem de que os pais não dormissem juntos para não manterem relações sexuais. Segundo Freud:  “Anos antes, em época anterior ao estabelecimento do ritual, havia procurado atingir o mesmo objetivo, de maneira mais direta. Havia simulado medo (ou explorado uma tendência ao medo que já se encontrava presente), a fim de que as portas comunicantes entre o quarto dos pais e seu quarto de criança não ficassem fechadas. Essa regra, com efeito, tinha sido mantida em seu ritual atual. Desta forma, deu-se a si mesma a oportunidade de ficar escutando seus pais; entretanto, ao utiliza-la, desenvolveu uma insônia que durou meses. Não satisfeita com perturbar os pais por este meio, conseguiu que lhe permitissem dormir, de tempos em tempos, na cama dos pais, entre eles.” S. Freud. Conferência XVII: O Sentido dos sintomas (1916-1917)

Parte dos rituais construídos inconscientemente por esta jovem era um aperfeiçoamento do que ela já fazia quando criança.  Dormia junto aos pais quando pequena e depois por conta de sua ansiedade, a mãe cedeu seu lugar a garota. Isso funcionando como ponto de partida a suas fantasias e posteriormente a construção inconsciente dos rituais. Essa jovem tinha excitações sexuais em seu corpo na presença do pai, ao mesmo tempo tinha certo terror disto; Ela não queria que seus pais mantivessem relações sexuais, pois não desejava ter novos irmãos e teria que dividir o espaço;  mas também porque a mãe havia cedido seu lugar a ela.

Freud diz sobre o sentido sexual presente nos sintomas da jovem: “Pensamentos muito dissolutos, dirão os senhores, para estarem passando na cabeça de uma jovem solteira. Admito que sim. Mas, não devem esquecer-se de que não criei essas coisas, apenas interpretei-as*. Um ritual de dormir igual a esse também é algo estranho, e os senhores não deixarão de constatar como o ritual corresponde às fantasias reveladas pela interpretação**. Atribuo, todavia, maior importância ao fato de notarem que, no ritual, o que se verificou não foi o resultado de uma única fantasia, mas de diversas, embora tivessem um ponto nodal em alguma parte***, e ademais, que as regras estabelecidas pelo ritual reproduziam os desejos sexuais da paciente, num ponto positivamente, e noutro, negativamente – em parte representavam desejos e em parte serviam de defesa contra os mesmos.” S. Freud. Conferência XVII: O Sentido dos sintomas (1916-1917)

Este parágrafo é fundamental para construir um saber sobre os sentidos do sintoma e acho importante tentar elaborar ponto a ponto:

* “(...)Mas, não devem esquecer-se de que não criei essas coisa apenas interpretei-as
Neste momento da teoria e do manejo na clínica psicanalítica, parece que o analista frente a um enigma que o sintoma fornece de alguma forma, traz ao analisante interpretações (sugestões de significação?), as quais poderiam ser aceitas ou refutadas.  Sendo assim, muitas destas sobredeterminações  advindas do ritual da jovem poderiam ser fruto da imaginação de Freud, não necessariamente uma construção das associações ou conexões  da analisante.
**(...)Um ritual de dormir igual a esse também é algo estranho, e os senhores não deixarão de constatar como o ritual corresponde às fantasias reveladas pela interpretação.”
O que Freud quis dizer como “estranho”? Nota de rodapé:  um ritual de dormir quase tão em elaborado havia sido relatado por Freud, muito tempo antes, em seu segundo trabalho sobre neuropsicoses de defesa. (1896)  . Trata-se de um ritual de dormir rico em elementos  e que parece que diz algo por si.
A partir das interpretações de Freud, a jovem fez associações e conexões de épocas  anteriores, chegando a fantasias dos tempos da infância, período em que dormia com seus pais e, a mãe cedia o lugar a ela.
***(...)Atribuo, todavia, maior importância ao fato de notarem que, no ritual, o que se verificou não foi o resultado de uma única fantasia, mas de diversas, embora tivessem um ponto nodal em alguma parte (...)
O que Freud chama de fantasia?
Existem vários sentidos envolvidos em cada uma dos elementos presentes num determinado ritual. Cada uma das partes, diz algo do sujeito. Importante não pensar o sentido como algo generalizado, ou como um todo. É importante analisar cada elemento e suas diversas conexões. Sobredeterminação.
A fantasia nodal diz respeito a algo sexual vivido intensamente na infância.  Excitação no corpo?  
Outras fantasias: a possibilidade de conseguir que os pais não mantenham relações sexuais. A fantasia de que a mãe cedeu seu lugar à filha.
 ****“(...) e ademais, que as regras estabelecidas pelo ritual reproduziam os desejos sexuais da paciente, num ponto positivamente, e noutro, negativamente – em parte representavam desejos e em parte serviam de defesa contra os  mesmos.”
Esses rituais representavam o desejo sexual da jovem, e suas excitações sexuais,  onde estão em cena o pai e a mãe. A defesa que Freud cita é o conflito psíquico entre duas instâncias: de um lado a excitação sexual e de outro a imposição moral e consequentemente a construção da auto recriminação, autoflagelação deslocada aos rituais. 

“Os senhores devem contentar-se com um indício de que a jovem estava dominada por uma ligação erótica com seu pai, ligação cujos começos remontavam à sua infância. Talvez fosse por isso que ela se portava de forma tão inamistosa com sua mãe. E não podemos deixar de atentar para o fato de que a análise deste sintoma nos levou de volta, mais uma vez , a vida sexual de um paciente. Talvez nos surpreendêssemos menos com isso, à medida que mais frequentemente  compreendermos o sentido e a intenção dos sintomas neuróticos.” S. Freud. Conferência XVII: O Sentido dos sintomas (1916-1917)

A tarefa do analista neste momento (1916-1917) seria encontrar a conexão entre o sintoma(rituais, atos obsessivos) e a experiência vivida, e relatá-la ao paciente. A partir disso ela faria suas próprias conexões. Parece que o paciente num primeiro momento ignora esta conexão entre dois tempos. À medida que o trabalho analítico transcorre o paciente se interessa pelo sintoma não como algo que lhe faz mal ou como algo que lhe causa estranheza, mas como algo que o intriga, que o faz querer saber disso e fazendo a conexão entre passado e presente. Quando eram feitas estas conexão entre passado e presente os  sintomas desapareciam?
 Segundo Freud, existiriam sintomas típicos a qualquer psiquismo, que caracterizariam determinada neurose e por outro lado sintomas que demonstrariam a singularidade de cada um, relacionados intimamente a experiência do sujeito. 

Neste momento da teoria psicanalítica são os sintomas típicos que ajudavam a construir a hipótese diagnóstica. Talvez essa questão apontada por Freud sobre sintoma típico e hipótese diagnóstica fosse herança do trabalho de Freud como médico. Em psicanálise a ideia proeminente é ouvir o sujeito em análise e o sintoma como algo que diz deste sujeito. A hipótese diagnóstica é muito importante, principalmente na diferenciação entre as estruturas: neurótica-psicótica-perversa, pois o trabalho do analista se diferencia em cada uma dessas estruturas.



PAULA ADRIANA NEVES COUTO
PSICANALISTA
paulaadriana.couto@gmail.com
tel: (11) 9 7656-7297
Consultório: Av. Leôncio de Magalhães, 1138 - Jdim São Paulo

Próximo  ao Metrô Jdim São Paulo







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