sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Minha perspectiva e perguntas: Cinco lições de Psicanálise (1909) Sigmund Freud - SEGUNDA LIÇÃO

Cinco Lições de Psicanálise
De Sigmund Freud

SEGUNDA LIÇÃO
Na segunda lição, Freud continua abordando os mecanismos  da histeria, mas agora sob a perspectiva de  Charcot, Janet, Breuer e as suas próprias concepções.

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Charcot não era propenso as concepções psicológicas, para ele os  traumas histéricos de origem psíquica eram equivalentes aos traumas físicos. Já Pierre Janet, discípulo de Charcot articulou os mecanismos da histeria com os aspectos psíquicos e físicos envolvidos. Hipóteses de Janet: divisão psíquica e dissociação da personalidade.  Janet parte de duas visões ao abordar a histeria: o papel da hereditariedade e da degeneração. Neste autor a  histeria é uma forma de alteração degenerativa do sistema nervoso, que se manifesta pela fraqueza congênita do poder de síntese psíquica. O que isso significa?  Freud explica:

"Os pacientes histéricos seriam, desde o princípio, incapazes de manter com um todo a multiplicidade dos processos psíquicos, e daí a dissociação psíquica." Freud S. Cinco lições de Psicanálise   Sigmund Freud - SEGUNDA LIÇÃO. (1909)

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Exemplo citado  por Freud  sobre  dissociação psíquica descrita por Janet:
"Se me for permitida uma comparação trivial mais precisa, direi que o paciente histérico de Janet lembra uma pobre mulher que saiu a fazer compras e volta carregada de pacotes. Não podendo só com dois braços e dez dedos conter toda a pilha, cai-lhe primeiro um embrulho; ao inclinar-se para levantá-lo, cai-lhe outro, e assim sucessivamente. Contrariando, porém, esta suposta fraqueza mental dos pacientes histéricos, podem observar-se neles, além dos fenômenos de capacidade diminuída, outros, por assim dizer compensadores, de exaltação parcial da eficiência." Freud S. Cinco lições de Psicanálise   Sigmund Freud - SEGUNDA LIÇÃO. (1909) Continua Freud explicando a dissociação  psíquica, agora, a partir da paciente  do Dr. Breuer:  "Durante o tempo em que a doente de Breuer esquecera a língua materna e outros idiomas exceto o inglês, era tal a facilidade com que falava este último, que chegava a ponto de ser capaz, diante de um livro alemão, de traduzi-lo à primeira vista, perfeita e corretamente." Freud S. Cinco lições de Psicanálise   Sigmund Freud - SEGUNDA LIÇÃO. (1909)

Enfim, na dissociação psíquica estariam envolvidos mecanismos como: a memória, esquecimento  e seus contrários: rememoração e  lembranças.   Esses elementos utilizados  de maneira seletiva, a  favor da própria dissociação.  Interessante pensar a memória como algo disponível ao trabalho psíquico. Eu pensava a memória como algo totalmente orgânico e fixo.

Freud parte suas pesquisas da dissociação histérica, para chegar a divisão da consciência. O psiquismo é constituído de três instâncias ics-cs-pcs (Primeira tópica), sendo que essas instâncias atuam de maneira conflituosa. Aquilo que é insuportável à consciência torna-se inconsciente. E a memória estaria a  serviço  destas instancias, visando evitar  o aumento de  tensão no  aparelho psíquico,  decorrente do  conflito  entre os conteúdos.

Dr. Breuer através da utilização da hipnose com seus doentes  percebeu  que era possível diminuir a dissociação psíquica, e consequentemente alcançar rememoração do evento  traumático, o  extravasamento do quantum afetivo que  foi subjugado,  e  finalmente  a  catarse que levavam o doente ao apaziguamento de seus sintomas. Freud por sua vez buscou outro método para  trabalhar com suas  doentes, pois a hipnose não foi um  procedimento que ele se adaptou. Será que sem a hipnose seria possível rememorar, ou diminuir a  dissociação  ou se ter acesso  as ligações patogênicas? Ou  a própria  catarse?

"Como não podia modificar à vontade o estado psíquico dos doentes, procurei agir mantendo-os em estado normal. Parecia isto a princípio empresa insensata e sem probabilidade de êxito. Tratava-se de fazer o doente contar aquilo que ninguém, nem ele mesmo, sabia. Como esperar consegui-lo? O auxílio me veio da recordação de uma experiência de Bernheim, singularíssima e instrutiva, a que eu assistira em Nancy [em 1889]. Bernheim nos havia então mostrado que as pessoas por ele submetidas ao sonambulismo hipnótico e que nesse estado tinham executado atos diversos, só aparentemente perdiam a lembrança dos fatos ocorridos, sendo possível despertar nelas tal lembrança, mesmo no estado normal. Quando interrogadas a propósito do que havia acontecido durante o sonambulismo, afirmavam de começo nada saber; mas se ele não cedia, insistindo com elas e assegurando-lhes que era possível lembrar, a recordação vinha sempre de novo à consciência. Procedi do mesmo modo com os meus doentes. Quando chegávamos a um ponto em que nos afirmavam nada mais saber, assegurava-lhes que sabiam, que só precisavam dizer, e ia mesmo até afirmar que a recordação exata seria a que lhes apontasse no momento em que lhes pusesse a mão sobre a fronte." Freud S. Cinco lições de Psicanálise   Sigmund Freud - SEGUNDA LIÇÃO. (1909)

O saber sobre as doenças e as possibilidades de tratamento e suposta cura – até este momento (1909) era  um  privilegio dos  médicos, Freud  subverte essa ideia quando diz ao doente que ele sabe de  si, do seu mal estar, apesar de ignorar que sabe.

Apesar de o doente ser "sabido"  daquilo que o faz adoecer e que bastava um quantum de esforço para rememorar, existia algo nele que não queria saber sobre os seu mal estar. Freud então descobre a resistência: "Vi confirmado, assim, que as recordações esquecidas não se haviam perdido. Jaziam em poder do doente e pronta a ressurgir em associação com os fatos ainda sabidos, mas alguma força as detinha, obrigando-as a permanecer inconsciente." Freud S. Cinco lições de Psicanálise   Sigmund Freud - SEGUNDA LIÇÃO. (1909)

A resistência é uma força que mantém  a lembrança patogênica inacessível (inconsciente), trata-se da mesma forca que faz o caminho inverso:  expulsa da consciência o patógeno, através da  ação do recalque. Qual é esse agente patógeno? Por que os agentes patógenos devem ser expulsos da consciência?  "Trata-se em todos os casos do aparecimento de um desejo violento, mas em contraste com os demais desejos do indivíduo e incompatível com as aspirações morais e estéticas da própria personalidade. Produzia-se um rápido conflito e o desfecho desta luta interna era sucumbir ao recalque a ideia que aparecia na consciência trazendo em si o desejo inconciliável, sendo a mesma expulsa da consciência e esquecida, juntamente com as respectivas lembranças." Freud S. Cinco lições de Psicanálise   Sigmund Freud - SEGUNDA LIÇÃO. (1909)

Exemplo:  "A paciente era uma jovem que perdera recentemente o pai, depois de tomar parte, carinhosamente, nos cuidados ao enfermo — situação análoga à da doente de Breuer. Nascera, quando a irmã mais velha se casou, uma simpatia particular para o novo cunhado, que se mascarava por disfarce de ternura familiar. Esta irmã adoeceu logo depois e veio a falecer durante a ausência da minha doente e de sua mãe. Estas foram chamadas urgentemente, sem notícia completa do doloroso acontecimento. Quando a moça chegou ao leito da morta, correu-lhe na mente, por um rápido instante, uma ideia mais ou menos assim: "Ele agora está livre, pode desposar-me." Freud S. Cinco lições de Psicanálise   Sigmund Freud - SEGUNDA LIÇÃO. (1909)

Há desejo  proibido inconciliável entre as instancias: desejo sexual pelo cunhado, marido da irmã. A ideia que surge: “Ele agora está livre e pode desposar-me” é recalcada  (demonstra o desejo/a possibilidade de realizar).
A ideia que surge é recalcada e a mulher adoece: "A jovem adoeceu com graves sintomas histéricos e quando comecei a tratá-la tinha esquecido não só aquela cena junto ao leito da irmã, como também o concomitante sofrimento indigno e egoísta. Mas recordou-se de tudo durante o tratamento, reproduziu o incidente patogênico com sinais de intensa emoção, e curou-se." Freud S. Cinco lições de Psicanálise   Sigmund Freud - SEGUNDA LIÇÃO. (1909)

RELAÇÃO RECALQUE E  RESISTÊNCIA

 "Imaginem que nesta sala e neste auditório, cujo silêncio e cuja atenção eu não saberia louvar suficientemente, se acha no entanto um indivíduo comportando-se de modo inconveniente, perturbando-nos com risotas, conversas e batidas de pé, desviando-me a atenção de minha incumbência. Declaro não poder continuar assim a exposição; diante disso alguns homens vigorosos dentre os presentes se levantam, e após ligeira luta põem o indivíduo fora da porta. Ele está agora "reprimido" e posso continuar minha exposição. Para que, porém, se não repita o incômodo se o elemento perturbador tentar penetrar novamente na sala, os cavalheiros que me satisfizeram a vontade levam as respectivas cadeiras para perto da porta e, consumada a repressão, se postam como "resistências". Se traduzirmos agora os dois lugares, sala e vestíbulo, para a psique, como "consciente" e "inconsciente", os senhores terão uma imagem mais ou menos perfeita do processo de repressão." Freud S. Cinco lições de Psicanálise   Sigmund Freud - SEGUNDA LIÇÃO. (1909)

Confusão na tradução: Freud em seu texto utiliza repressão quando quer dizer recalque, é isso mesmo? Qual a diferença entre recalque e repressão? Recalque e repressão são conceitos utilizados com clareza por Freud em seus escritos na língua alemã. Porém, a interpretação dos tradutores disseminou no campo psicanalítico divergências em relação ao significado e utilização desta terminologia.  Em alemão se escreve Verdrängung, do verbo verdrängen. Segundo Hans (1996), a palavra é traduzida por recalque ou repressão.

Em Freud a  divisão psíquica  é  decorrente de um conflito entre  forças psíquicas  contrárias, uma luta ativa da parte dos dois agrupamentos psíquicos, esses conflitos são frequentes, mas  nem todo conflito psíquico leva a divisão. São necessárias condições para  resultar a divisão. 

Surgem novas questões sobre recalque e sintoma: Como do recalque advém o sintoma? O sintoma esta relacionado aquilo que foi recalcado? Por que algo que foi recalcado transforma-se em sintoma? A ideia do recalque não seria justamente manter este elemento fora da consciência? Ou não?

Freud e seus exemplos maravilhosos, agora sobre o recalque e sintoma: "Suponhamos que com a expulsão do perturbador e com a guarda à porta não terminou o incidente. Pode muito bem ser que o sujeito, irritado e sem nenhuma consideração, continue a nos dar que fazer. Ele já não está aqui conosco; ficamos livres de sua presença, dos motejos, dos apartes, mas a expulsão foi por assim dizer inútil, pois lá de fora ele dá um espetáculo insuportável, e com berros e murros na porta nos perturba a conferência mais do que antes. Em tais conjunturas poderíamos felicitar-nos se o nosso honrado presidente, Dr. Stanley Hall, quisesse assumir o papel de medianeiro e pacificador. Iria parlamentar com o nosso intratável companheiro e voltaria pedindo-nos que o recebêssemos de novo, garantindo-nos um comportamento conveniente daqui por diante. Graças à autoridade do Dr. Hall, condescendemos em desfazer a repressão, voltando a paz e o sossego. Eis uma representação muito apropriada da missão que cabe ao médico na terapêutica psicanalítica das neuroses." Freud S. Cinco lições de Psicanálise   Sigmund Freud - SEGUNDA LIÇÃO. (1909)

"Agora, para dizê-lo sem rebuços: chegamos à convicção, pelo exame dos doentes histéricos e outros neuróticos, de que o recalque das ideias, a que o desejo insuportável está apenso, malogrou. Expeliram-nas da consciência e da lembrança; com isso os pacientes se livraram aparentemente de grande soma de dissabores. Mas o impulso desejoso continua a existir no inconsciente à espreita de oportunidade para se revelar, concebe a formação de um substituto do recalcado, disfarçado e irreconhecível, para lançar à consciência, substituto ao qual logo se liga a mesma sensação de desprazer que se julgava evitada pela repressão. Esta substituição da ideia reprimida — o sintoma — é protegida contra as forças defensivas do eu e em lugar do breve conflito, começa então um sofrimento interminável. No sintoma, a par dos sinais do disfarce, podem reconhecer-se traços de semelhança com a ideia primitivamente recalcada. Pelo tratamento psicanalítico desvenda-se o trajeto ao longo do qual se realizou a substituição, e para a recuperação é necessário que o sintoma seja reconduzido pelo mesmo caminho até a ideia recalcada." Freud S. Cinco lições de Psicanálise   Sigmund Freud - SEGUNDA LIÇÃO. (1909)

Uma vez restituído à atividade psiquica consciente aquilo que fora recalcada —  resistências foram desfeitas — o conflito psíquico que desse modo se originara e que o doente quis evitar, alcança, orientado pelo médico, uma solução mais feliz do que a oferecida pelo recalque. Há várias dessas soluções para rematar satisfatoriamente conflito e neurose as quais, em determinados casos, podem combinar-se entre si:
-  A personalidade do doente se convence de que repelira sem razão o desejo e consente em aceitá-lo total ou parcialmente.
-  O mesmo desejo é dirigido para um alvo irrepreensível e mais elevado (o que se chama "sublimação" do desejo),

- Ou, finalmente, reconhece como justa a repulsa. O mecanismo de recalque e  substituído por um julgamento de condenação com a ajuda das mais altas funções mentais do homem — o controle consciente do desejo é atingido.




Pronunciadas por ocasião das comemorações do vigésimo aniversário da Fundação da Clark University, Worcester, Massachusetts, setembro de 1909
Tradução de Durval Marcondes e J. Barbosa corra, revista e modificada por Jayme Salomão


(Do Livro: Os Pensadores, Abril Cultural, 1974, págs. 11 a 44)

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