Cinco Lições de Psicanálise
De Sigmund Freud
SEGUNDA LIÇÃO
Na segunda lição, Freud continua abordando
os mecanismos da histeria, mas agora sob
a perspectiva de Charcot, Janet, Breuer
e as suas próprias concepções.
Charcot não era propenso as concepções
psicológicas, para ele os traumas histéricos
de origem psíquica eram equivalentes aos traumas físicos. Já Pierre Janet, discípulo
de Charcot articulou os mecanismos da histeria com os aspectos psíquicos e físicos
envolvidos. Hipóteses de Janet: divisão psíquica e dissociação da personalidade. Janet parte de duas visões ao abordar a
histeria: o papel da hereditariedade e da degeneração. Neste autor a histeria é uma forma de alteração
degenerativa do sistema nervoso, que se manifesta pela fraqueza congênita do
poder de síntese psíquica. O que isso significa? Freud explica:
"Os pacientes histéricos seriam,
desde o princípio, incapazes de manter com um todo a multiplicidade dos
processos psíquicos, e daí a dissociação psíquica." Freud S. Cinco lições
de Psicanálise Sigmund Freud - SEGUNDA LIÇÃO. (1909)
Exemplo citado por Freud
sobre dissociação psíquica descrita
por Janet:
"Se me for permitida uma comparação
trivial mais precisa, direi que o paciente histérico de Janet lembra uma pobre
mulher que saiu a fazer compras e volta carregada de pacotes. Não podendo só
com dois braços e dez dedos conter toda a pilha, cai-lhe primeiro um embrulho;
ao inclinar-se para levantá-lo, cai-lhe outro, e assim sucessivamente.
Contrariando, porém, esta suposta fraqueza mental dos pacientes histéricos,
podem observar-se neles, além dos fenômenos de capacidade diminuída, outros,
por assim dizer compensadores, de exaltação parcial da eficiência." Freud
S. Cinco lições de Psicanálise Sigmund Freud - SEGUNDA LIÇÃO. (1909)
Continua Freud explicando a dissociação
psíquica, agora, a partir da paciente
do Dr. Breuer: "Durante o
tempo em que a doente de Breuer esquecera a língua materna e outros idiomas
exceto o inglês, era tal a facilidade com que falava este último, que chegava a
ponto de ser capaz, diante de um livro alemão, de traduzi-lo à primeira vista,
perfeita e corretamente." Freud S. Cinco lições de Psicanálise
Sigmund Freud - SEGUNDA LIÇÃO. (1909)
Enfim, na dissociação psíquica estariam
envolvidos mecanismos como: a memória, esquecimento e seus contrários: rememoração e lembranças.
Esses elementos utilizados de
maneira seletiva, a favor da própria
dissociação. Interessante pensar a
memória como algo disponível ao trabalho psíquico. Eu pensava a memória como
algo totalmente orgânico e fixo.
Freud parte suas pesquisas da dissociação
histérica, para chegar a divisão da consciência. O psiquismo é constituído de
três instâncias ics-cs-pcs (Primeira tópica), sendo que essas instâncias atuam
de maneira conflituosa. Aquilo que é insuportável à consciência torna-se inconsciente.
E a memória estaria a serviço destas instancias, visando evitar o aumento de
tensão no aparelho psíquico, decorrente do
conflito entre os conteúdos.
Dr. Breuer através da utilização da
hipnose com seus doentes percebeu que era possível diminuir a dissociação
psíquica, e consequentemente alcançar rememoração do evento
traumático, o extravasamento do
quantum afetivo que foi subjugado, e
finalmente a catarse que levavam o doente ao apaziguamento de
seus sintomas. Freud por sua vez buscou outro método
para trabalhar com suas doentes, pois a hipnose não foi um procedimento que ele se adaptou. Será que sem
a hipnose seria possível rememorar, ou diminuir a
dissociação ou se ter acesso as ligações patogênicas?
Ou a própria catarse?
"Como não podia modificar à vontade o
estado psíquico dos doentes, procurei agir mantendo-os em estado normal. Parecia isto a
princípio empresa insensata e sem probabilidade de êxito. Tratava-se de fazer o
doente contar aquilo que ninguém, nem ele mesmo, sabia. Como esperar
consegui-lo? O auxílio me veio da recordação de uma experiência de Bernheim,
singularíssima e instrutiva, a que eu assistira em Nancy [em 1889]. Bernheim
nos havia então mostrado que as pessoas por ele submetidas ao sonambulismo
hipnótico e que nesse estado tinham executado atos diversos, só aparentemente
perdiam a lembrança dos fatos ocorridos, sendo possível despertar nelas tal
lembrança, mesmo no estado normal. Quando interrogadas a propósito do que
havia acontecido durante o sonambulismo, afirmavam de começo nada saber; mas se
ele não cedia, insistindo com elas e assegurando-lhes que era possível lembrar,
a recordação vinha sempre de novo à consciência. Procedi do mesmo modo com
os meus doentes. Quando chegávamos a um ponto em que nos afirmavam nada mais
saber, assegurava-lhes que sabiam, que só precisavam dizer, e ia mesmo
até afirmar que a recordação exata seria a que lhes apontasse no momento em que
lhes pusesse a mão sobre a fronte." Freud S. Cinco lições de Psicanálise
Sigmund Freud - SEGUNDA LIÇÃO. (1909)
O saber sobre as doenças e as
possibilidades de tratamento e suposta cura – até
este momento (1909) era um privilegio dos médicos, Freud subverte essa ideia quando diz ao doente que
ele sabe de si, do seu mal estar, apesar
de ignorar que sabe.
Apesar de o doente ser
"sabido" daquilo que o faz
adoecer e que bastava um quantum de
esforço para rememorar, existia algo nele que não queria saber sobre os seu mal
estar. Freud então descobre a resistência: "Vi confirmado, assim, que as
recordações esquecidas não se haviam perdido. Jaziam em poder do doente e
pronta a ressurgir em associação com os fatos ainda sabidos, mas alguma força
as detinha, obrigando-as a permanecer inconsciente." Freud S. Cinco
lições de Psicanálise Sigmund Freud - SEGUNDA LIÇÃO. (1909)
A resistência é uma força que mantém a lembrança patogênica inacessível
(inconsciente), trata-se da mesma forca que faz o caminho inverso: expulsa da consciência o patógeno, através
da ação do recalque. Qual é esse agente
patógeno? Por que os agentes patógenos devem ser expulsos da consciência? "Trata-se em todos os casos do
aparecimento de um desejo violento, mas em contraste com os demais desejos do
indivíduo e incompatível com as aspirações morais e estéticas da própria
personalidade. Produzia-se um rápido conflito e o desfecho desta luta interna
era sucumbir ao recalque a ideia que aparecia na consciência trazendo em si o
desejo inconciliável, sendo a mesma expulsa da consciência e esquecida,
juntamente com as respectivas lembranças." Freud S. Cinco lições de
Psicanálise Sigmund Freud - SEGUNDA LIÇÃO. (1909)
Exemplo:
"A paciente era uma jovem que perdera recentemente o
pai, depois de tomar parte, carinhosamente, nos cuidados ao enfermo — situação
análoga à da doente de Breuer. Nascera, quando a irmã mais velha se casou, uma
simpatia particular para o novo cunhado, que se mascarava por disfarce de
ternura familiar. Esta irmã adoeceu logo depois e veio a falecer durante a
ausência da minha doente e de sua mãe. Estas foram chamadas urgentemente, sem
notícia completa do doloroso acontecimento. Quando a moça chegou ao leito da
morta, correu-lhe na mente, por um rápido instante, uma ideia mais ou menos
assim: "Ele agora está livre, pode desposar-me." Freud S. Cinco
lições de Psicanálise Sigmund Freud - SEGUNDA LIÇÃO. (1909)
Há desejo proibido inconciliável entre as instancias: desejo
sexual pelo cunhado, marido da irmã. A ideia que surge: “Ele agora está livre e
pode desposar-me” é recalcada (demonstra
o desejo/a possibilidade de realizar).
A ideia que
surge é recalcada e a mulher adoece: "A jovem adoeceu com graves sintomas histéricos e quando
comecei a tratá-la tinha esquecido não só aquela cena junto ao leito da irmã,
como também o concomitante sofrimento indigno e egoísta. Mas recordou-se de
tudo durante o tratamento, reproduziu o incidente patogênico com sinais de
intensa emoção, e curou-se." Freud S. Cinco lições de Psicanálise
Sigmund Freud - SEGUNDA LIÇÃO. (1909)
RELAÇÃO
RECALQUE E RESISTÊNCIA
"Imaginem
que nesta sala e neste auditório, cujo silêncio e cuja atenção eu não saberia
louvar suficientemente, se acha no entanto um indivíduo comportando-se de modo
inconveniente, perturbando-nos com risotas, conversas e batidas de pé,
desviando-me a atenção de minha incumbência. Declaro não poder continuar assim
a exposição; diante disso alguns homens vigorosos dentre os presentes se
levantam, e após ligeira luta põem o indivíduo fora da porta. Ele está agora
"reprimido" e posso continuar minha exposição. Para que, porém, se
não repita o incômodo se o elemento perturbador tentar penetrar novamente na
sala, os cavalheiros que me satisfizeram a vontade levam as respectivas
cadeiras para perto da porta e, consumada a repressão, se postam como
"resistências". Se traduzirmos agora os dois lugares, sala e
vestíbulo, para a psique, como "consciente" e "inconsciente",
os senhores terão uma imagem mais ou menos perfeita do processo de
repressão." Freud S.
Cinco lições de Psicanálise Sigmund Freud - SEGUNDA LIÇÃO. (1909)
Confusão na tradução: Freud em seu texto utiliza repressão quando quer dizer recalque, é isso mesmo? Qual a diferença entre recalque e repressão? Recalque e repressão são conceitos utilizados com clareza por Freud em seus
escritos na língua alemã. Porém, a interpretação dos tradutores disseminou no campo
psicanalítico divergências em relação ao significado e utilização desta terminologia. Em alemão se escreve Verdrängung, do verbo verdrängen.
Segundo Hans (1996), a palavra é traduzida por recalque ou repressão.
Em Freud a
divisão psíquica é decorrente de um conflito entre forças psíquicas contrárias, uma luta ativa da parte dos dois
agrupamentos psíquicos, esses conflitos são frequentes, mas nem todo conflito psíquico leva a divisão. São
necessárias condições para resultar a
divisão.
Surgem novas questões sobre recalque e
sintoma: Como do recalque advém o sintoma? O sintoma esta relacionado aquilo
que foi recalcado? Por que algo que foi recalcado transforma-se em sintoma? A
ideia do recalque não seria justamente manter este elemento fora da
consciência? Ou não?
Freud e seus exemplos maravilhosos, agora
sobre o recalque e sintoma: "Suponhamos que com a expulsão do perturbador
e com a guarda à porta não terminou o incidente. Pode muito bem ser que o
sujeito, irritado e sem nenhuma consideração, continue a nos dar que fazer. Ele
já não está aqui conosco; ficamos livres de sua presença, dos motejos, dos
apartes, mas a expulsão foi por assim dizer inútil, pois lá de fora ele dá um
espetáculo insuportável, e com berros e murros na porta nos perturba a conferência
mais do que antes. Em tais conjunturas poderíamos felicitar-nos se o nosso
honrado presidente, Dr. Stanley Hall, quisesse assumir o papel de medianeiro e
pacificador. Iria parlamentar com o nosso intratável companheiro e voltaria
pedindo-nos que o recebêssemos de novo, garantindo-nos um comportamento
conveniente daqui por diante. Graças à autoridade do Dr. Hall, condescendemos
em desfazer a repressão, voltando a paz e o sossego. Eis uma representação
muito apropriada da missão que cabe ao médico na terapêutica psicanalítica das
neuroses." Freud S. Cinco lições de Psicanálise Sigmund Freud - SEGUNDA
LIÇÃO. (1909)
"Agora, para dizê-lo sem rebuços:
chegamos à convicção, pelo exame dos doentes histéricos e outros neuróticos, de
que o recalque das ideias, a que o desejo insuportável está apenso, malogrou. Expeliram-nas da consciência
e da lembrança; com isso os pacientes se livraram aparentemente de grande soma
de dissabores. Mas o impulso
desejoso continua a existir no inconsciente à espreita de oportunidade para se
revelar, concebe a formação de um substituto do recalcado, disfarçado e
irreconhecível, para lançar à consciência, substituto ao qual logo se liga a
mesma sensação de desprazer que se julgava evitada pela repressão. Esta
substituição da ideia reprimida — o
sintoma — é protegida contra
as forças defensivas do eu e em lugar do breve conflito, começa então um
sofrimento interminável. No sintoma, a par dos sinais do disfarce, podem
reconhecer-se traços de semelhança com a ideia primitivamente recalcada. Pelo
tratamento psicanalítico desvenda-se o trajeto ao longo do qual se realizou a
substituição, e para a recuperação é necessário que o sintoma seja reconduzido
pelo mesmo caminho até a ideia recalcada." Freud S. Cinco lições de
Psicanálise Sigmund Freud - SEGUNDA LIÇÃO. (1909)
Uma vez restituído à atividade psiquica
consciente aquilo que fora recalcada —
resistências foram desfeitas — o conflito psíquico que desse modo se
originara e que o doente quis evitar, alcança, orientado pelo médico, uma
solução mais feliz do que a oferecida pelo recalque. Há várias dessas soluções
para rematar satisfatoriamente conflito e neurose as quais, em determinados
casos, podem combinar-se entre si:
- A
personalidade do doente se convence de que repelira sem razão o desejo e
consente em aceitá-lo total ou parcialmente.
- O
mesmo desejo é dirigido para um alvo irrepreensível e mais elevado (o que se
chama "sublimação" do desejo),
- Ou, finalmente, reconhece como justa a
repulsa. O mecanismo de recalque e
substituído por um julgamento de condenação com a ajuda das mais altas
funções mentais do homem — o controle consciente do desejo é atingido.
Pronunciadas por ocasião das comemorações do vigésimo aniversário da Fundação da Clark University, Worcester, Massachusetts, setembro de 1909
Tradução de Durval Marcondes e J. Barbosa corra, revista e modificada por Jayme Salomão
(Do Livro: Os Pensadores, Abril Cultural, 1974, págs. 11 a 44)
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