Cinco Lições de Psicanálise
De Sigmund Freud
PRIMEIRA LIÇÃO
"A paciente do Dr. Breuer, uma jovem
de 21 anos, de altos dotes intelectuais, manifestou, no decurso de sua doença,
que durou mais de dois anos, uma série de perturbações físicas e psíquicas mais
ou menos graves. Tinha uma paralisia espástica de ambas as extremidades do lado
direito, com anestesia, sintoma que se estendia por vezes aos membros do lado
oposto; perturbações dos movimentos oculares e várias alterações da visão;
dificuldade em manter a cabeça erguida: tosse nervosa intensa; repugnância
pelos alimentos e impossibilidade de beber durante várias semanas, apesar de
uma sede martirizante; redução da faculdade de expressão verbal, que chegou a
impedi-la de falar ou entender a língua materna; e, finalmente, estados de absence (ausência), de confusão, de delírio e de
alteração total da personalidade, aos quais voltaremos mais adiante a nossa
atenção." Freud S. Cinco lições de Psicanálise Sigmund Freud - PRIMEIRA LIÇÃO. (1909)
Aparentemente, o quadro medico desta paciente tratava-se de uma doença física grave com poucas esperanças de
cura, entretanto, apesar dos sintomas físicos, não havia uma causa orgânica
nos órgãos e não havia também algum problema cerebral.
No
caso da paciente do
Dr.Breuer ficou evidente que se
tratava de um caso
de histeria, não só pela
simulação das afecções físicas, mas também, porque essas afecções surgiram justamente no momento em que o pai que a moça tanto adorava adoeceu gravemente e
morreu. Sendo que ela acompanhou o
processo de doença até a morte dele.
No que diz respeito as lesões cerebrais a medicina até bem pouco tempo atrás era
geralmente impotente. E no caso da histeria, os médicos não sabiam o que fazer. O saber formal adquirido
academicamente não tinha serventia nestes casos, a não ser no momento do diagnóstico, e na constatação de que o paciente apesar dos sintomas físicos aparentes, não tinha qualquer problema orgânico.
Os
médicos não compreendiam a histeria, diante da qual
se sentiam como leigos. Será que o olhar dos médicos diante da histeria se modificou no decorrer do tempo? Ou as histéricas se modificaram? Diante dos sujeitos histéricas os médicos ficavam numa posição nada agradável, pois os histéricos transgridem as leis da medicina. Diante de um quadro de histeria, geralmente os médicos saem de
mansinho e se desinteressam pelo caso. Como Dr. Breuer agiu diante de sua
histérica? Primeiro: o Dr. Breuer não pretendeu curar sua paciente. Segundo: interessou-se em ouvi-la com genuína simpatia.
Sobre essa relação medico-paciente e a disponibilidade do Dr Breuer com a sua paciente histérica. Freud diz: " (...)o que lhe foi provavelmente
facilitado pelas elevadas qualidades de espírito e de caráter da jovem, das
quais ele nos dá testemunho na história clínica que redigiu. Sua carinhosa
observação proporcionou-lhe bem logo o caminho que lhe permitiu prestar à
doente os primeiros auxílios." Freud S. Cinco lições de Psicanálise Sigmund Freud - PRIMEIRA LIÇÃO. (1909)
TALKING CURE:
Num estado de confusão (Absence), os médicos notavam que a doente murmurava algumas palavras que pareciam ter algum sentido, quando relacionadas com as ideias que ficavam ocupando o psiquismo da doente. O médico durante a análise repetia essas palavras propositalmente, com a intenção de que a mulher fizesse associações relacionadas a essas palavras. Sobre o efeito deste manejo na doente, Freud diz:
"A paciente entrou, assim, a
reproduzir diante do médico as criações psíquicas que a tinham dominado nos
estados de absence e que se haviam traído naquelas
palavras isoladas. Eram fantasias profundamente tristes, muitas vezes de
poética beleza - devaneios, como podiam ser chamadas -. que tomavam
habitualmente como ponto de partida a situação de uma jovem a cabeceira do pai
doente. Freud S. Cinco lições de Psicanálise Sigmund Freud - PRIMEIRA LIÇÃO. (1909)
Esse falar (associar) de alguma forma
trazia certo alívio à doente, reconduzindo-a vida normal. Entretanto este bem
estar durava apenas algumas horas. O mal estar das idéias "remoendo"
retornavam em seguida.
Quais palavras especificas eram essas que levavam a novas associações e traziam certo alívio? Esse alívio advinha do efeito catártico das associações? O que são esses estados de confusão, que faziam com que o sujeito permanecesse remoendo algumas ideias promovendo a si próprio mal estar e aumento de tensão no psiquismo?
Este estado de confusão (absence)
é conseqüência da excitação proveniente de fantasias intensamente afetivas. O que Freud
chama de excitações afetivas? Essas tais palavras especificas tem excesso de
carga de excitação? Eram inconscientes ?
A própria paciente, que nesse período da
moléstia só falava e entendia inglês, deu a esse novo gênero de tratamento o
nome de talking cure (cura de conversação),
qualificando-o também, por gracejo, de chimney
sweeping (limpeza
da chaminé).
Quando isso já durava perto de seis semanas, falou, certa vez, durante a hipnose, a respeito de sua dama de companhia inglesa, de quem não gostava, e contou então com demonstrações da maior repugnância que, tendo ido ao quarto dessa senhora, viu, bebendo num copo, o seu cãozinho, um animal nojento. Nada disse, por polidez. Depois de exteriorizar energicamente a cólera retida, pediu de beber, bebeu sem embaraço grande quantidade de água e despertou da hipnose com o copo nos lábios. A perturbação desapareceu definitivamente." Freud S. Cinco lições de Psicanálise Sigmund Freud - PRIMEIRA LIÇÃO. (1909)
Objetivo do trabalho "analítico" neste momento: Catarse
Um dos sintomas da paciente: não bebia água
Hipnose:A paciente rememora a cena: quando vai no quarto de sua dama, está uma noite de calor intenso e a paciente está com muita sede. Quando chega ao quarto vê o cão
tomando água no recipiente. Sente nojo/repugnância. Apesar da sede impõe a si própria, não
beber água.(conflito psíquico) A rememoração da cena faz a paciente voltar a beber água.
Poder falar do
mal estar/ deixar advir as excitações afetivas/dar um suposto sentido a um determinado ato/ fez com que o sintoma terminasse.
Sobre os sintomas, Freud diz: "Registremos apenas uma complicação
que não fora prevista: nem sempre era um acontecimento que deixava atrás de si
os sintomas; para produzir tal efeito uniam-se na maioria dos casos numerosos
traumas, às vezes análogos e repetidos. Toda essa cadeia de recordações
patogênicas tinha então de ser reproduzida em ordem cronológica e precisamente
inversa - as últimas em primeiro lugar e as primeiras por último -, sendo
completamente impossível chegar ao primeiro trauma, muitas vezes o mais ativo,
saltando-se sobre os que ocorreram posteriormente." Freud S. Cinco lições de Psicanálise Sigmund Freud - PRIMEIRA LIÇÃO. (1909)
O que Freud chama de traumas psíquicos? São resíduos de experiencias afetivas que formam os sintomas. A particularidade de cada sintoma relaciona-se a cena traumática que o causara.
Os hieróglifos eram, a princípio, uma escrita feita de imagens escavadas na pedra e representavam tanto a palavra quanto o significado delas nas antigas civilizações, como a dos Egípcios e dos Maias. Supõe-se que a lógica estava na seqüência dos símbolos, e não na abstraç ão em si.
Como os hieróglifos, a linguagem do inconsciente é feita de cenas. São estas cenas recalcadas, encobertas por um discurso lógico racional, que se enunciam na forma de linguisteria nas ambiguidades e equivocidades do sentido.
http://www.isepol.com/asephallus/numero_08/artigo_06_port.html
No caso desta paciente do Dr Breuer: as
impressões patogênicas eram oriundas do período onde ela se dedicava aos
cuidados do pai doente. "Os histéricos
sofrem de reminiscências." Afinal, o que são reminiscências? São recordações ou lembranças.
O sintoma histérico é formado por resíduos e/ou símbolos mnêmicos de experiências traumáticas.
O sintoma histérico é formado por resíduos e/ou símbolos mnêmicos de experiências traumáticas.
O que são símbolos mnêmicos? Segundo Freud
os monumentos nas cidades são exemplos de símbolos dessa ordem.
"Passeando em Londres, verão, diante de uma das maiores estações da
cidade, urna coluna gótica ricamente ornamentada - a Charing Cross." Freud faz uma comparação entre a presença de monumentos nas cidades/cidadãos comuns e os traços mnêmicos/neuróticos: "Mas que
diriam do londrino que ainda hoje se detivesse compungido ante o monumento
erigido em memória do enterro da rainha Eleanor, em vez de tratar de seus
negócios com a pressa exigida pelas modernas condições de trabalho, ou de
pensar satisfeito na jovem rainha de seu coração? Ou de outro que em face do Monument chorasse a incineração da cidade
querida, reconstruída depois corri tanto brilho? Como esses londrinos pouco
práticos, procedem, entretanto, os histéricos e neuróticos: não só recordam
acontecimentos dolorosos que se deram há muito tempo, como ainda se prendem a
eles emocionalmente; não se desembaraçam do passado e alheiam-se por isso da
realidade e do presente. Essa fixação da vida psíquica aos traumas patogênicos
é um dos caracteres mais importantes da neurose e dos que têm maior
significação prática." Freud S. Cinco lições de Psicanálise - PRIMEIRA LIÇÃO. (1909)
Dois outros elementos da observação de Breuer podem indicar questões referentes aos mecanismo da neurose/histeria como o do seu restabelecimento: A doente de Breuer em quase todas as situações rememoradas teve de subjugar uma poderosa emoção, em vez de permitir sua descarga por sinais apropriados de emoção, palavras ou ações.
"No trivialíssimo incidente relativo ao cãozinho de sua dama de companhia, por consideração a esta ela não deixou sequer transparecer a sua profunda aversão; velando à cabeceira do pai, estava sempre atenta para que o doente não lhe percebesse a ansiedade e a penosa depressão. Ao reproduzir posteriormente estas mesmas cenas diante do médico, a energia afetiva então inibida manifestava-se intensamente, como se estivera até então represada. Além disso, o sintoma - resíduo desta cena - atingia a máxima intensidade quando durante o tratamento ia-se chegando à sua causa, para desaparecer completamente quando esta se aclarava inteiramente." Freud S. Cinco lições de Psicanálise - PRIMEIRA LIÇÃO. (1909)
Diante do medico era necessário, além da paciente narrar e rememorar o acontecido/traumático, a exteriorização deste excesso afetivo subjugado anteriormente. Eram justamente essas emoções de grandezas variáveis que regulavam a doença e a cura. (objetivo neste momento é o alívio pela catarse).
Dois outros elementos da observação de Breuer podem indicar questões referentes aos mecanismo da neurose/histeria como o do seu restabelecimento: A doente de Breuer em quase todas as situações rememoradas teve de subjugar uma poderosa emoção, em vez de permitir sua descarga por sinais apropriados de emoção, palavras ou ações.
"No trivialíssimo incidente relativo ao cãozinho de sua dama de companhia, por consideração a esta ela não deixou sequer transparecer a sua profunda aversão; velando à cabeceira do pai, estava sempre atenta para que o doente não lhe percebesse a ansiedade e a penosa depressão. Ao reproduzir posteriormente estas mesmas cenas diante do médico, a energia afetiva então inibida manifestava-se intensamente, como se estivera até então represada. Além disso, o sintoma - resíduo desta cena - atingia a máxima intensidade quando durante o tratamento ia-se chegando à sua causa, para desaparecer completamente quando esta se aclarava inteiramente." Freud S. Cinco lições de Psicanálise - PRIMEIRA LIÇÃO. (1909)
"Tinha-se de admitir que a doença se
instalava porque a emoção desenvolvida nas situações patogênicas não podia ter
exteriorização normal; e que a essência da moléstia consistia na atual
utilização anormal das emoções "enlatadas". Em parte ficavam estas
como carga contínua da vida psíquica e fonte permanente de excitação para a
mesma; em parte se desviavam para insólitas inervações e inibições somáticas,
que se apresentavam como os sintomas físicos do caso. Para este último
mecanismo propusemos o nome de "conversão histérica". Freud S. Cinco lições de Psicanálise - PRIMEIRA LIÇÃO. (1909)
e |
SOBRE OS SINTOMAS:Os sintomas tem serventia na neurose.
Onde existe um sintoma, existe também urna amnésia, uma lacuna da
memória, cujo preenchimento suprime as condições que conduzem à produção do
sintoma._
"Em estado normal ela ignorava
totalmente as cenas patogênicas ou pelo menos havia rompido a conexão
patogênica. Sob hipnose era possível, depois de considerável esforço, trazer
tais cenas à memória, e por este trabalho de evocação os sintomas eram
removidos." Freud S. Cinco lições de Psicanálise - PRIMEIRA LIÇÃO. (1909)
Pronunciadas por ocasião das comemorações do vigésimo aniversário da Fundação da Clark University, Worcester, Massachusetts, setembro de 1909
Tradução de Durval Marcondes e J. Barbosa corra, revista e modificada por Jayme Salomão
(Do Livro: Os Pensadores, Abril Cultural, 1974, págs. 11 a 44)
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