Minha leitura: Fixação em Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII
(1916-1917)
“Em minha conferência
anterior, expressei o desejo de que nosso trabalho pudesse prosseguir com base
não em nossas dúvidas, mas sim em nossas descobertas.”
“A construção de um sintoma
é o substituto de alguma outra coisa que não aconteceu.”
S. Freud
Na conferência anterior “ O Sentido
dos Sintomas”, Freud apresentou dois casos de pacientes neuróticas obsessivas, as
quais apresentavam rituais que tomavam grande parte de sua rotina. Algo exaustivo,
que provocava sofrimento, mas que não se conseguia abrir mão. Duas mulheres
enclausuradas em sua doença psíquica. Elas pareciam fixadas em algum ponto de
sua vida. A partir de determinada marca traumática deixaram de viver a vida e
passaram a repetir o sintoma. Interessante que na conferência:
Fixação em traumas – o inconsciente, Freud demonstra que o inconsciente exerce
grande influência na vida psíquica, noções como singularidade e realidade
psíquica permeiam o texto. Ao mesmo tempo Freud traz o tempo
(passado-presente-futuro) articulado à ideia de
fixação em traumas que faz com que o sujeito passe o tempo parado nele. Duas mulheres “presas no tempo”:
Primeiro caso: A mulher e o
ritual da noite de núpcias:
“O que havia lançado destino sobre nossa
primeira paciente era o casamento que ela, na vida real, havia abandonado. Por
meio de seus sintomas, continuava a manter seu relacionamento com o marido.
Pudemos compreender seus anseios que imploravam por ele, que o desculpavam que
o colocavam num pedestal, e que lamentavam a perda dele. Embora fosse jovem e
desejável para outros homens, havia tomado todas as precauções, reais e
imaginárias (mágicas), para permanecer fiel a ele. Não se mostrava a estranhos
e negligenciava sua aparência pessoal; ademais, sempre que se sentava numa
cadeira, era incapaz de levantar-se rapidamente, recusava-se a assinar seu nome
e não podia dar nenhum presente, com fundamento na suposição de que dela
ninguém devia receber nada.” Fixação em
Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)
Segundo caso: A jovem e o seu
“estranho” ritual de dormir:
“O mesmo efeito se produzia na
vida de nossa segunda paciente, a jovem, por meio de uma ligação erótica com
seu pai iniciada nos anos anteriores à puberdade. A conclusão que ela mesma
tirou foi não poder casar-se enquanto estivesse tão doente. Entretanto
suspeitamos que ficara assim tão doente para não ter de casar e para permanecer
com o pai.” Fixação em Traumas – O
inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)
“Em cada uma de nossas pacientes, a análise
nos mostra que elas foram conduzidas de
volta a um determinado período do seu passado, através dos sintomas de sua
doença, ou pelas consequências desses sintomas. Na maior parte dos casos, com
efeito, escolheu-se, para este fim, uma fase muito precoce da vida – um período
de sua infância ou, até mesmo, por mais que isso pareça risível, um período de
sua existência como criança de peito.” Fixação
em Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)
Freud citou as neuroses traumáticas: de guerras ou de
eventos (batidas de trem, ou assalto), onde os pacientes retornavam imaginariamente
ao exato momento do evento traumático. Tanto nas neuroses espontâneas como nas
traumáticas havia a fixação em uma determinada cena, e posteriormente a
repetição do evento supostamente traumático. Na neurose traumática a repetição
do evento se dava pelos sonhos (Nota de
rodapé: este ponto especial desempenhou seu papel na primeira exposição de
Freud sobre a “compulsão a repetição”, alguns anos mais tarde. Ver Além do
princípio do prazer em 1920).
O paciente através de sua
produção inconsciente (sonhos) era
transportado ao exato momento da “situação traumática”, nem um pouco antes para
poder evitá-la, e nem depois para se sentir aliviada com o final. Por que o
sujeito reproduzia justamente a parte mais sofrida da situação traumática? No
intuito de reviver? Ou na tentativa de dominar a cena?
Segundo Freud a fixação e a
repetição do traumático estariam relacionadas ao aspecto econômico do aparelho
psíquico. Uma determinada experiência, que causaria no sujeito a intensificação
da energia, e a dificuldade na elaboração deste quantum energético. O efeito disso
no aparelho psíquico: uma poderosa excitação. Resultando no sujeito,
perturbações permanentes em relação à energia. O aparelho psíquico trabalharia no sentido de
manter a tensão psíquica no mais baixo possível, esta carga de tensão que
excederia seria enviada e armazenada no inconsciente, entretanto mesmo em outra
instância, essa excitação da carga se manteria pressionando a advir. Isso
causaria a neurose?
“(...) No segundo caso – o da jovem com uma
fixação em seu pai – já nos mostra que a fórmula não proporciona compreensão
suficiente. Por um lado, uma menininha estar de tal forma apaixonada por seu
pai é algo tão comum e tão frequentemente superado, que o termo “traumático”
aplicado a este fato, perderia todo o seu significado; e, por outro lado, a
história da paciente demonstrou-nos que numa primeira instância, sua fixação
erótica parecia haver-se dissipado sem causar qualquer dano, e foram somente
alguns anos mais tarde que reapareceram nos sintomas da neurose obsessiva.” Fixação em Traumas – O inconsciente: S.
Freud. Conferência XVIII (1916-1917)
A
neurose obsessiva e a desconexão entre evento traumático e ato obsessivo:
"Por mais que a paciente repetisse seu ato
obsessivo, não sabia que este derivava da experiência porque havia passado. A
conexão entre o ato e a experiência estava oculta para ela, apenas podia muito
fielmente, responder que não conhecia aquilo que a fazia executar seu ato.” Fixação em Traumas – O inconsciente: S.
Freud. Conferência XVIII (1916-1917)
Somente no decorrer do tratamento
que a paciente fez a conexão entre o passado (experiência) e presente (ato
obsessivo). “O elo entre a cena após sua infeliz noite de núpcias e o motivo
afetuoso da paciente constituíram, tomados em conjunto, o que temos chamado de
“sentido” do ato obsessivo. Mas, enquanto executava o ato obsessivo, este
sentido lhe tinha sido desconhecido em ambas as direções – tanto o porquê como
o para quê. Os processos psíquicos, portanto, tinham estado em operação dentro
dela e o ato obsessivo era o efeito deles; ela se apercebia deste efeito num
estado mental normal, porém nenhum dos predeterminantes deste efeito vieram ao
conhecimento da sua consciência.” Fixação
em Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)
Freud no texto fez uma analogia
entre essa “desconexão” presente na neurose obsessiva, e o estado hipnótico provocado
por Dr. Bernhein,(médico que trabalhava com
métodos de hipnose). No hospital sob o comando do médico, as pacientes ainda
hipnotizadas recebiam a ordem que ao acordarem deveriam abrir o guarda-chuva;
Quando acordadas obedeciam exatamente à ordem, entretanto não se lembravam da solicitação
e o ato de abrir o guarda-chuva parecia desconexo e perdido no tempo.
Nos dois casos apresentados por
Freud verificou-se que as pacientes nada sabiam do sentido dos seus sintomas. A
medida que a análise transcorreu percebeu-se que esses sintomas constituíam
derivados de processos inconscientes, justamente por isso esses derivados
inconscientes quando surgiam a consciência geravam a sensação de estranheza.
Um sintoma foi construído porque
algo não aconteceu. Algum processo deveria ter evoluído, mas foi interrompido e
por isso a consciência deixou de receber alguma informação criando-se uma
lacuna na consciência. No inconsciente este elemento permaneceu armazenado e o
sintoma emergiu, como algo semelhante a uma troca.
“Nossa terapia age transformando
aquilo que é inconsciente em consciente, e age apenas na medida que tem
condições de efetuar essas transformação.” Fixação
em Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)
Sempre haverá algo inconsciente,
não existe somente uma interpretação, existe a sobredeterminação.
Ignorância neurótica sobre o sintoma:
“Devo fazer agora, rapidamente,
uma breve digressão, a fim de evitar o risco de os senhores imaginarem que este trabalho terapêutico seja
realizado com muita facilidade. Daquilo que lhes disse até aqui, uma neurose
poderia resultar de uma espécie de ignorância – um não saber acerca de
acontecimentos mentais de que se deveria saber. Isto seria uma aproximação mais
efetiva a algumas conhecidas doutrinas socráticas, segundo as quais até mesmo
os vícios se baseiam na ignorância.” Fixação em Traumas – O inconsciente: S.
Freud. Conferência XVIII (1916-1917)
O Saber sobre o sentido do
sintoma retiraria o neurótico desta imposição a si?
Numa análise, o saber está do
lado do analisando. Uma mesma experiência é vivida de maneira particular por
cada um. Noção de Singularidade e realidade é psíquica. É muito interessante
observar numa análise, como as relações vão se modificando, a mesma história
apresenta várias perspectivas. A ignorância do neurótico não é de falta de
informação, mas sim de outra coisa.
Afinal, como o analista trabalha
com a “ignorância neurótica” ?
“Saber nem sempre é a mesma coisa
que saber: existem diferentes formas de saber, e que estão longe de serem
psicologicamente equivalentes.” Fixação
em Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)
"O paciente sabe, depois disso, aquilo que
antes não sabia – o sentido de seus sintomas; porém tanto quanto sabia. Com
isso aprendemos que existe mais de uma espécie de ignorância. Necessitaremos
ter uma compreensão mais profunda da psicologia, para que esta nos mostre em
que consistem essas diferenças. Malgrado isso, continua, porém verdadeira a nossa tese segundo a qual os
sintomas desaparecem quando seu sentido se torna conhecido.” Fixação em Traumas – O inconsciente: S.
Freud. Conferência XVIII (1916-1917)
Sobre o tratamento psicanalítico (1916-1917)
“(...) a tarefa do tratamento
psicanalítico pode ser expressa nesta fórmula: sua tarefa consiste em tornar
consciente tudo o que é patogenicamente inconsciente.” Fixação em Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII
(1916-1917)
“(...) sua tarefa consiste em preencher todas
as lacunas da memória do paciente, em remover as amnésias. O que
corresponderia à mesma coisa. Com isso queremos dizer que as amnésias dos pacientes neuróticos possuem importante conexão com a
origem de seus sintomas.” Fixação em
Traumas – O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)
O que Freud quis dizer com
amnésias ou esquecimento articulado a formação dos sintomas se nos casos dos
dois exemplos citados por ele, as pacientes tinham lembranças dos supostos
eventos traumáticos que propiciaram os atos obsessivos?
As pacientes de Freud a princípio
não faziam a conexão entre os eventos traumáticos e os atos obsessivos, pareciam
que tinha havido ruptura na conexão entre esses dois tempos (cena vivida e
momento do ato obsessivo), fazendo com a cena fosse repetida. “A única coisa
que podemos considerar surpreendente é que a primeira paciente, ao realizar seu
ato obsessivo em inúmeras ocasiões, nem uma vez sequer percebeu sua semelhança
com a experiência da noite de núpcias, e que a lembrança respectiva não lhe ocorresse
quando se lhe faziam perguntas diretas no sentido de encontrar os motivos do
seu ato obsessivo.” Fixação em Traumas –
O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)
Freud abordou a diferença do uso
da memória no neurótico obsessivo e na histeria. Enquanto na Neurose obsessiva
aparentemente não havia perda de memória, mas sim desconexão entre cena traumática e repetição do evento (ato obsessivo) Na
histeria a amnésia em si já é o sintoma,
com uma perda de memória desde o infantil. Nas palavras de Freud: “Ao analisar
o sintoma, a histérica isoladamente descobre-se geralmente, toda uma sequência
de impressão de eventos que, quando tornam a emergir, são descritos
explicitamente pelo paciente como tendo sido esquecidos até então. Por outro lado,
essa sequência remonta aos primeiros anos de vida, de forma que a amnésia
histérica pode ser reconhecida como continuação imediata da amnésia infantil (...)”Fixação em Traumas – O inconsciente: S.
Freud. Conferência XVIII (1916-1917
O uso da memória e o sentido do sintoma.
Parece que o uso da memória depende dos aspectos inconscientes,
assim como o sentido dos sintomas (“de onde”, “para que” e “finalidade”) e a
memória utilizada à manutenção da realidade psíquica. Enfim, os aspectos inconscientes exercem grande parte
da influência no aparelho psíquico.
Sobre a ênfase do inconsciente no
aparelho psíquico e as posições contrárias a psicanálise, Freud diz:
“Ao enfatizar desta maneira o
inconsciente na vida psíquica, contudo, conjuramos a maior parte dos maus
espíritos da crítica contrária a psicanálise. Não se surpreendam com isso e não
suponham que a resistência contra nós se baseia tão somente na compreensível
dificuldade que constitui o inconsciente ou na relativa inacessibilidade das
experiências que proporcionam provas do mesmo. A origem dessa resistência,
segundo penso, situa-se em algo mais profundo. No transcorrer dos séculos, o
ingênuo amor-próprio dos homens teve de submeter-se a dois grandes golpes
desferidos pela ciência. O primeiro foi quando souberam que a nossa terra não
era o centro do universo, mas o diminuto fragmento de um sistema cósmico de uma
vastidão que mal se pode imaginar. Isto estabelece conexão, em nossas mentes,
com o nome de Copérnico, embora algo semelhante já tivesse sido afirmado pela
ciência de Alexandria. O segundo golpe foi dado quando a investigação biológica
destruiu o lugar supostamente privilegiado do homem na criação, e provou sua
descendência do reino animal e sua inextirpável natureza animal. Esta nova
avaliação foi realizada em nossos dias, por Darwin, Wallace e seus
predecessores, embora não sem a mais violenta oposição contemporânea. Mas a
megalomania humana terá sofrido seu terceiro golpe, o mais violento, a partir
da pesquisa psicológica da época atual, que procura provar ao ego que ele não é
o senhor nem mesmo em sua própria casa, devendo, porém, contentar-se com
escassas informações acerca do que acontece inconscientemente em sua mente. Os
psicanalistas não foram os primeiros e nem os únicos que fizeram essa invocação
à introspeção; todavia, parece ser nosso destino conferir-lhe expressão mais
vigorosa e apoia-la como material empírico que é encontrado em todas as
pessoas. Em consequência, surge a revolta geral contra nossa ciência, o
desrespeito a todas considerações de civilidade acadêmica e a oposição se
desvencilha de todas as barreiras da lógica imparcial. E ademais de tudo isso,
perturbamos a paz deste mundo também de uma outra forma, conforme em breve os
senhores ouvirão.” Fixação em Traumas –
O inconsciente: S. Freud. Conferência XVIII (1916-1917)
PAULA ADRIANA NEVES COUTO
PSICANALISTA
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