sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Minha leitura...e interrogações: O Inconsciente (1915) - S.Freud.

Parte I

O que justifica afirmar a existência do inconsciente:


O conceito de Inconsciente (Unbewusste) é ponto central da teoria psicanalítica, a sua pedra angular, na qual se concentra toda a descoberta freudiana.

Quando se fala em aparelho psíquico em Freud, a ideia é sempre de uma localidade virtual e não anatômica. 

Naquele momento, ou até hoje temos a noção do ser humano como  indivíduo  que se refere àquilo que não pode ser dividido: indivíduo como unidade. Algo que seria "Senhor de si e de seus atos". 

No consultório, ou mesmo na vida diária, vemos que na maioria das vezes não "mandamos" em nossa própria vida. Nos vemos angustiados, inibidos, ou assustados frente a algo que racionalmente nada nos causaria. Ou por vezes, evitamos que aconteça a nossa própria realização.  Na hora H de realizar: esquecemos o compromisso, nos atrasamos, falamos aquilo que não era para ser dito, enfim damos um jeito da "coisa" não acontecer. Ou aquele pensamento que surge do nada:: "para que tentar, se não vou conseguir mesmo" ou "é melhor nem ir, porque nada vai acontecer mesmo."

  
"Todos esses atos conscientes permaneceriam incoerentes e incompreensíveis se insistíssemos na alegação de que só por intermédio da consciência podemos experienciar os atos psíquicos que ocorrem dentro de nós. Entretanto, se pudermos inferir a existência de atos inconscientes e interpolarmos entre esses atos conscientes os atos inconscientes, então tudo isso que antes parecia incompreensível adquirirá um novo ordenamento compreensível e demonstrável. Ora, tal ganho de sentido e coerência por si só justificaria que avançássemos além da experiência imediata. Mas, se, além disso, pudermos construir um procedimento  - fundado na suposição de um inconsciente - capaz de influenciar eficazmente o curso dos processos conscientes, teremos então, uma prova irrefutável da existência do inconsciente. Uma prova assim, não só nos permitiria refutar o argumento de que tudo que ocorre na psique necessariamente é do conhecimento do nosso consciente, como também afirmar que essa exigência não passa de uma pretensão insustentável e arrogante."    S.Freud.  O Inconsciente (1915) 

A noção de inconsciente em Freud traz a ideia do sujeito dividido. Existe algo em nós que nos causa: algo que é estranho e familiar. Estranho porque nos surpreende, mas é familiar porque vem de nós, Temos pensamentos, atos, repetições que parecem "sem sentido", algo que ultrapassa o conhecimento que temos de nós mesmos.  Como se fosse possível conhecer a nós mesmos integralmente. De alguma forma esses atos sem sentido nos dão notícia da nossa divisão. 



Aquilo que é consciente hoje, na realidade permaneceu  no inconsciente em estado de latência por longo período. Qual dispositivo que aciona este conteúdo latente para se tornar consciente manifesto? Não há um dispositivo que promova a relação entre ics e cs, uma instância tem pontos de contato com a outra.  "A respeito de alguns desses estados latentes, pode-se afirmar que a única coisa que os distingue dos estados conscientes é justamente a ausência da consciência." S.Freud.  O Inconsciente (1915) 

Qual a problemática envolta nesta primeira parte do texto "O Inconsciente (1915)"

Como comprovar a existência do inconsciente ou de uma teoria, quando não há algo que comprove de fato sua existência? O aparelho psíquico é virtual, não há uma área anatômica que comprove sua existência. O inconsciente só é comprovável pelos seus efeitos,

Freud tenta tirar de cena a noção de que a consciência é quem "comanda" o aparelho psíquico, ou que consciência e aparelho psíquico seriam sinônimos.

Freud reivindica não só a existência do inconsciente, mas principalmente a prevalência do inconsciente no aparelho psíquico, sendo a consciência uma parte menor, mas não menos importante.. 

Pode ser uma pergunta banal para quem estuda psicanálise há tanto tempo, mas como o inconsciente influencia nossos atos conscientes, no nosso dia a dia, por vezes, nos restringindo ou inibindo? 






Parte II
Os múltiplos sentidos do inconsciente e o ponto de vista tópico:


No inconsciente existem ideias  em estados de latência mas passíveis de advir a consciência e  ideias em estados de latência e recalcadas, essas contrastam do restante dos processos conscientes.  


Não é porque uma ideia esta em estado de latência no inconsciente que não é acessível a consciência. Muito pelo contrário, há contato entre as instâncias: ics e pcs/cs. O que impede uma ideia de advir é o seu conteúdo, que está relacionado a pulsão(meta).  Uma ideia latente e recalcada que contrasta do processo consciente, causaria aumento de tensão no aparelho psíquico e para dirimir este efeito existe a censura entre os sistemas ics e pcs/cs.Se a ideia em estado de latência for rejeitada pela censura, a mesma retorna ao inconsciente permanecendo ali, como conteúdo recalcado.

Interessante pensarmos as três instâncias ou duas instâncias  ICS --PCS/CS como uma engrenagem, onde uma não funcionaria sem a outra. Didaticamente é possível separar, mas as instâncias atuam conjuntamente, mesmo que de maneira contraditória e 
conflituosa. 

"(,,,) Mas passemos agora para definições positivas dos conceitos: a psicanálise afirma que um ato psíquico passa, em geral, por duas fases e que entre ambas há uma espécie de teste (censura). Na primeira fase, o ato psíquico se encontra em estado inconsciente e pertence ao sistema Ics; se no teste ele for rejeitado pela censura, a passagem para a segunda fase ser-lhe-á interditada(...)"  S.Freud.  O Inconsciente (1915)

Há apenas uma censura entre as duas fases. ( Na parte VI Freud fala da censura Pcs-Cs, entretanto trata-se de algo menos radical)

Neste ponto onde Freud se utiliza do termo teste, podemos pensar na questão do sentido utilizado no título da parte II. O sujeito frente a qualquer elemento do inconsciente - "sem sentido", tenta dar sentido, até porque para passar pela barreira da censura, os elementos inconsciente aparecem de maneira disfarçada. É importante pensarmos neste ponto o lugar do analista em relação a esses elementos inconscientes: o analista na presença de qualquer formação do inconsciente, marca a existência deste, tornando este elemento "estranho" enigmático, e decifrável, fisgando o analisante a buscar um sentido àquele elemento que não tinha sentido e assim novos sentidos virão. 

A ideia quando permanece recalcada continua no inconsciente produzindo efeitos sobre o psiquismo. Essa mesma ideia(representante da pulsão) para tornar-se consciente novamente sera preciso que seja traduzida: serão criados novos textos, daquilo anteriormente recalcado no inconsciente. 


O que ocorre com a ideia que estava em estado de latência no inconsciente e que conseguiu ultrapassar a censura advindo ao Pcs/cs? Serão duas ideias em instâncias diferentes, uma no ics e outra no pcs/cs? ou a ideia desaparecerá do ics e permanecerá somente no pcs/cs?


Freud responde à essa questão:


" A primeira das duas possibilidades a que havíamos aludido, ou seja, que a fase Cs de uma ideia que surge na psique é um novo registro desta, situado em outro lugar, é sem dúvida, a mais grosseira, mas também a mais cômoda. A segunda suposição , a de uma mera mudança funcional de estado, é de antemão a mais provável, embora menos plástica e mais difícil de manipular.. A primeira suposição, que é tópica, implica uma separação tópica dos sistemas Ics e Cs, bem como a possibilidade de que uma ideia possa estar simultaneamente presente em dois lugares do aparato psíquico; e mais que essa ideia, sem a inibição imposta pela censura avance regularmente de uma posição para outra, eventualmente sem perder seu primeiro locus ou registro. Isso pode soar estranho, mas de fato apóia-se em experiências da prática psicanalítica." 
 S.Freud.  O Inconsciente (1915)

Se o conteúdo inconsciente latente e  antes recalcado não desaparece no deslocamento entre os sistemas ics e pcs/cs, Qual o sentido de trazê-lo a tona em análise?  Por que  à medida que o sujeito fala em análise, na presença do analista os sintomas se desenlaçam já que as ideias permanecem no inconsciente? 






Parte III
Sentimentos Inconscientes



"Uma pulsão nunca pode tornar-se objeto da consciência, isto só é possível para a ideia (Vortellung) que representa. essa pulsão na psique. Mas em rigor, também no inconsciente essa pulsão só pode ser representada por uma ideia."

Muitas vezes procuramos uma análise porque nos sentimos tristes, culpados, magoados e nem temos um porquê para tanto...Será que esses sentimentos ou sensações podem ser inconscientes?

As ideias (representantes pulsionais) se deslocam entre os sistemas Ics e Pcs/Cs. Existe impulsos pulsionais constituídos de sentimentos e sensações? Se existem, o que ocorre com eles? Também se deslocam entre essas instâncias? 

Uma pulsão nunca se dá por si mesma, nem a nível consciente, nem a nível inconsciente; ela só é conhecida pelos seus representantes: o representante ideativo (vorstellung) e o afeto (affekt).

Os afetos e sentimentos são a mesma coisa? Não; Os sentimentos e sensações:   Amor, ódio, raiva, medo e culpa,  Já o afeto é a expressão qualitativa da quantidade de energia pulsional. Afetos correspondem a processos de descarga, cujas manifestações finais são percebidas como sentimentos. 

Os destinos dos afetos e dos representantes ideativos são diferentes. Os afetos não podem ser recalcados. Portanto não se pode falar em afeto inconsciente; os afetos são sentidos a nível consciente, embora não possamos determinar a origem do afeto ao sentir suas manifestações. Os representantes ideativos são traços de memória.

Por que não podem ocorrer traços de memória afetivos? 

"O afeto não pode ser recalcado (não pertence ao sistema inconsciente), apesar de sofrer as vicissitudes do recalque: o afeto pode permanecer; ser transformado (principalmente em angústia); ou ser suprimido. Suprimir o desenvolvimento do afeto constitui a verdadeira finalidade do recalque e que seu trabalho ficará incompleto se essa finalidade não for alcançada." 

recalcamento provoca uma ruptura entre o afeto e a ideia a qual ele pertence, e cada um deles passam por vicissitudes diversas.

Quais os caminhos que os afetos percorrem? Se os afetos são expressão qualitativa e quantitativa de libido, os sentimentos como: amor, ódio, magoa, inveja são nomeados ou sentidos pelos sistemas Pcs/Cs?  





Parte IV
Tópica e dinâmica do recalque

A proposta desta parte é detalhar o processo de recalque, cuja essência não é aniquilar determinada ideia (Vorstellung) que representa uma pulsão, mas  impedir que essa ideia se torne consciente.

"Até este ponto, concluímos que o recalque é essencialmente um processo que ocorre na fronteira entre os sistemas Ics e Pcs(Cs) e que ele opera sobre as ideias que ai se encontram Podemos agora tentar descrever esse processo de forma mais detalhada. Trata-se necessariamente de uma retirada de carga de investimento." S.Freud.  O Inconsciente (1915) 

Freud em seguida se indaga: a qual sistema essa retirada de carga de investimento pertence Ics ou Pcs/Cs?  No inconsciente a ideia mantém sua capacidade de ação, ou seja, sua carga de investimento é mantida, portanto,foi  no sistema Pcs/Cs que essa retirada de carga ocorreu. 

Freud cita três resultados nesta retirada de investimento: "a ideia fica esvaziada de sua energia,  ou permanece no inconsciente com a carga de energia investida ou ainda uma substituição da carga pré consciente de investimento à uma carga de investimento do inconsciente."  S.Freud.  O Inconsciente (1915) 

"Ao lançarmos essas hipóteses, acabamos por inserir implicitamente - quase que de forma involuntária - a suposição de que a passagem do sistema ics para outro situado próximo a ele não se dá por meio de um novo registro ou inscrição, mas por uma mudança de estado, uma transformação na carga de investimento."   S.Freud.  O Inconsciente (1915) 

Qual o efeito da retirada de carga de investimento de uma determinada ideia no pcs/cs? 

Se o recalque originário  serve como força de atração que puxa as  ideias para o inconsciente e se a ideia permanece investida libidinalmente no inconsciente. Como explicar o Não deslocamento desta ideia ao pré consciente no recalque originário, ou mesmo, como explicar a tentativa de deslocamento somente a posteriori, ou seja, quando há o recalque propriamente dito? 

Resposta de Freud a indagação acima:

"(...) A única hipótese plausível é imaginarmos que exista um contra-investimento de carga  por meio do qual o sistema pré consciente se protege da pressão de retorno ao consciente exercida pela ideia (Vorstellung)."  S.Freud.  O Inconsciente (1915) 

Aquilo que garante o recalque originário é justamente o dispêndio de energia no Ics e o contra investimento de carga que advém do Pcs, No recalque secundário, existe outro mecanismo a ser acrescentado: no Pcs ocorre a retirada de carga de investimento da ideia. 

Freud diz ainda: " É bem possível que essa carga de investimento retirada da ideia seja então utilizada para servir de contra-investimento de carga." S.Freud.  O Inconsciente (1915) 


A descrição do processo psíquico compreende três aspectos metapsicológico: dinâmico, econômico e tópico. 

Através da histeria de Angústia Freud demonstra o funcionamento do recalque articulando-o aos aspectos: tópico (ics e pcs/cs) e econômico(aumento e diminuição da excitação):

Primeira fase: A manifestação de um medo (Angst) que o sujeito não sabe a que atribuir. 


1. Uma manifestação de cunho amoroso (liebesregung) que brota no inconsciente e que tenta  forçar passagem ao Pcs. (manifestação de cunho amoroso - aumento de excitação)


2. Neste instante, uma carga de investimento  advinda do Pcs direciona-se à iniciativa amorosa, como forma de contra investimento. (Propósito de diminuição da excitação)

3. A ideia "original" no pcs  retrai-se diante deste contra investimento - numa tentativa de fuga.  

4. A carga de investimento libidinal inconsciente(pulsão) presente na ideia  que foi rejeitada, não encontrando uma ideia análoga no pcs para que  seja veiculada,  acaba sendo descarregada, irrompendo na forma de medo. 

Segunda fase: A repetição do mesmo processo por algumas vezes - faz com que o psiquismo crie outras maneiras de lidar com esse tipo de medo, até porque isso vai se tornando insustentável ao sujeito.

O trabalho psíquico então consistirá em lidar com este tão indesejado desencadeamento de medo. 



A carga de investimento libidinal inconsciente(pulsão) direciona-se para uma  ideia substitutiva  presente na cadeia associativa, mas distante da ideia, o suficiente para escapar à ação do recalque. - isso ocorre por deslocamento

O medo não é inibido, mas agora pode ser nomeado/representado - com o surgimento no Cs de uma ideia ou representação substituta - racionalização do medo - motivo/sentido. 


Essa ideia substitutiva passou a ter no Cs/pcs o objetivo de contra-investimento de carga, protegendo contra a invasão da ideia recalcada. Essa ideia substitutiva torna-se o ponto de partida para uma liberação desimpedida do afeto do medo

Exemplo citado por Freud:Uma criança com determinada fobia de algum animal, o medo advirá quando:


  • Um movimento do amor recalcado se intensificar, isso ocorre na transição entre o Ics/Pcs - Intensificação da carga de investimento libidinal.
  • Quando percebe a presença do animal que provoca medo, Cs - nomeável - liberação do medo.
O sistema consciente se amplia, criando nomes, sentidos, repertórios para o medo.Já  a excitabilidade oriundas de fontes internas vão ficando em segundo plano. A tendência é o aumento progressivo da fobia.  O medo de animal(exemplo acima) tende a aumentar porque este é "alimentado" pela fonte pulsional. 

"Talvez, ao final, a criança se comporte como se nem possuísse inclinação alguma em relação ao pai, como se tivesse se libertado dele totalmente e como se tivesse mesmo medo do animal. Contudo, apesar de cada vez mais parecer tratar-se somente do medo referente a um animal, esse medo continua a ser alimentado pela fonte pulsional inconsciente. Ele é grande demais e refratário à influência emanada do sistema Cs para não perceber sua origem no sistema inconsciente." S.Freud.  O Inconsciente (1915) 

Terceira fase: A ação do  recalque ainda não terminou , o próximo passo é inibir a ação do medo que passou a irradiar-se na ideia substitutiva. Como assim?  

Na cadeia associativa a qual a ideia substitutiva faz parte existe uma zona de alta excitabilidade. Em qualquer lugar desta cadeia que houver  qualquer excitação, haverá também o desencadeamento do medo e a tentativa de inibição através do contra investimento, Tudo isso serve de proteção contra excitações que chegam à ideia substitutiva. Quando essas excitações vem de fora através das percepções (sensações, sentidos) a proteção é eficiente, já  as excitações vindas do interior(impulsos pulsionais) não existe proteção. 

"Na realidade, a cada aumento de excitação pulsional, será preciso deslocar um pouco mais para fora essa muralha protetora formada em torno da ideia substitutiva. Toda essa construção psíquica, que de forma análoga também é produzida nas outras neuroses, leva o nome de fobia. Esse processo de fuga de carga de investimento  consciente, evitando a ideia substitutiva, resultará ao final nas conhecidas evitações, renúncias e proibições a partir das quais caracterizamos uma histeria de angústia." S.Freud.  O Inconsciente (1915) 

A terceira fase é uma repetição e amplificação no trabalho da segunda fase. 

A carga de excitação oriunda do inconsciente(interna) é "sentida ou percebida" pelo sujeito como algo que vem de fora, como no caso da fobia, o medo do animal por exemplo. Porque quando é algo que vem de fora é possível reagir, ao contrário do que é  interno não existe reação possível. Não tem como fugir de si mesmo. 


 Na histeria de conversão: 

O contra investimento de carga que parte do Cs/Pcs escolhe sobre que parte do representante (vai estar no lugar de algo) pulsional, e onde se concentrará toda a carga de investimento. Diferente da histeria de angústia, Na histeria de conversão ICs e o Pcs/Cs preencherão dupla condição, o local escolhido receberá dupla excitação.  O recalque neste caso será mais fácil de ser sustentado? Sim, pois ambos(ics e pcs/cs) trabalham na mesma direção, só que também ambos trabalham na manutenção do sintoma.

Neurose obsessiva:.

O contra-investimento articula-se como formação reativa* promovendo um primeiro recalque inicial. E sera através dele que mais tarde penetrará e irromperá a ideia recalcada. No caso da neurose obsessiva como na histeria de angústia haverá predominância do contra investimento e não há descarga, diferentemente da neurose de conversão. 

*A formação reativa, um dos mecanismos de defesa descritos por Freud, substitui comportamentos e sentimentos que são diametralmente opostos ao desejo real. A pessoa desenvolve atitudes e modelos de comportamento que estão diretamente opostos aos impulsos subjacentes e que foram recalcados. Trata-se de uma inversão clara e que geralmente não tem consciência do verdadeiro desejo sentido.







Parte V

Características especiais do Sistema Inconsciente




Nesta parte Freud aborda as diferenças entre o Ics e Pcs. 
As características dos processos  inconscientes, não ocorrem nas outras instâncias (Pcs/Cs).

"O núcleo do inconsciente é composto de representantes pulsionais desejosos de escoar sua carga de investimento - em outras palavras, é composto de impulsos de desejo. Contudo, no Ics esses impulsos pulsionais coexistem coordenados entre si, lado a lado, sem que se influenciarem mutuamente, nem se contradizerem. Quando no inconsciente dois impulsos de desejo são ativados ao mesmo tempo  - embora seus objetivos nos possam parecer inconciliáveis - em vez de distanciarem um do outro ou de se anularem mutuamente, comparecem ambos simultaneamente e formam um objetivo intermediário, um acordo de compromisso."  S.Freud.  O Inconsciente (1915) 

"No Ics tudo que podemos encontrar são conteúdos preenchidos com cargas de investimento que podem ser mais ou menos intensa." e é justamente esta carga de investimento libidinal presente no Ics que proporciona mobilidade maior do que a que ocorre no Pcs. Essa mobilidade afetarão as ideias(representantes da pulsão) no Ics através dos processos de  deslocamento/condensação

Deslocamento - uma ideia ou representação pode passar toda a sua carga de investimento para outra ideia.

Condensação - a ideia ou representação pode apropriar-se da carga de investimento de várias outras ideias.


Um exemplo dos processos de condensação e deslocamento pode ser observado no clássico do cinema  "Cidadão Kane" de Orson Welles.  O filme conta a história de um magnata das comunicações no início do século XX, Charles Fortes Kane. A cena inicial mostra-o em seu leito de morte, sussurrando uma palavra: "Rosebud”. A trama do filme se desenrola com a busca do significado de dessa palavra, tarefa que não é realizada. No entanto, na cena final, o espectador descobre que “Rosebud” é o nome de um trenó que pertencia a Kane em sua infância, como se vê na cena onde ele é levado de sua casa por um tutor. O trenó condensava tudo aquilo que Kane perdera, remetendo à sua infância, a companhia materna, seus casamentos, suas amizades. Como esses elementos, pela sua elevada intensidade psíquica, não podiam ser trabalhados psicologicamente por Kane, o trenó, elemento de baixa intensidade psíquica, simbolizava-os. Ocorreu, assim, o processo de deslocamento de intensidade psíquica.

Tanto o deslocamento quanto a condensação são marcas que caracterizam o processo primário, característico do sistema Ics. No Pcs o predomínio é do processo secundário. 

Os processos que ocorrem no Ics não levam em consideração a realidade, pois estão subordinados ao princípio do prazer, cujo requisito e regulação gira em torno do prazer-desprazer(manutenção da homeostase no aparelho psíquico, ou seja manter a tensão psíquica o mais baixo possível).

Características dos processos inconscientes:
  • Ausência de contradição entre seus conteúdos
  • Ausência de dúvida ou negação
  • Atemporal
  • Mobilidade das cargas de investimento: processo primário - deslocamento e condensação.
  • Substituição da realidade externa pela realidade psíquica
  • São incapazes de existência própria, 
  •  Os processos inconscientes só são reconhecidos a partir do sistema Pcs a partir da regressão, ou seja, os processos inconsciente só são identificáveis quando se encontram nas mesmas condições as quais se encontram os sonhos e as neuroses. 
  • O sistema Pcs encobre prematuramente o sistema  Ics tomando para si o controle das vias de acesso a consciência e à motricidade. 
  • Traços de lembranças Ics  - São as marcas nas quais se fixam as vivências no Ics.
  • O Ics por si só é incapaz de implementar uma ação muscular capaz  de atingir uma meta, excetuando-se os reflexos. 

Características dos processos Pcs:

  • Os processos Pcs/Cs trabalham no sentido de inibir a tendência de descarga inerente às ideias(Vorstellung).
  • Ao Pcs cabe viabilizar o trânsito entre os conteúdos das  ideias, de maneira que ela possam comunicar-se e influenciar-se mutuamente. 
  • Cabe ao sistema Pcs/Cs a tarefa de inserir uma ordem temporal nos conteúdos ideacionais.
  • Inserir censura/várias censuras e submeter os conteúdos ideacionais ao teste de realidade. 
  • O Pcs tem papel importante na memória consciente, que são diferentes dos traços de lembranças inconscientes. 

Parte VI
O trânsito entre os dois sistemas

"Seria um equívoco imaginar que o Ics permanece inativo enquanto o trabalho psíquico todo seria realizado pelo Pcs, isto é, que o Ics seja algo já descartado, um órgão rudimentar, um mero resíduo que restou do processo de desenvolvimento. 
Também seria errôneo supor que o trânsito entre os dois sistemas se limite ao ato do recalque, pelo qual o Pcs lograria jogar no abismo do Ics tudo aquilo que lhe parece incômodo. Pelo contrário, o Ics tem muita vitalidade, é capaz de evolução e mantém uma série de outras relações com o Pcs, entre elas também a de cooperação. Podemos dizer, em síntese, que o Ics continua a atuar através de ramificações, os assim chamados derivados, e mais: que ele é susceptível aos efeitos produzidos pela vida, e capaz tanto de influenciar constantemente o Pcs como de ser influenciado por este."  S.Freud.  O Inconsciente (1915) 



Quanto aos derivados das muções pulsionais Ics que manteriam com o Pcs que funcionam como facilitadores e cooperados ao trânsito entre os sistemas. Esses derivados apesar de serem oriundos do Ics são conciliáveis e utilizam aquisições do sistema Cs, ou seja esses derivados têm transito livre entre os sistemas Ics-Pcs-Cs, apesar de jamais tornarem-se Cs. Segundo Freud sobre os derivados: "Portanto, qualitativamente, eles pertencem ao sistema Pcs, mas efetivamente pertencem ao Ics. Sua origem, é que define seu destino." S.Freud.  O Inconsciente (1915) 

Esses  traços  atuam efetivamente. Freud compara os derivados aos mestiços(mistura de raça) que sofrem preconceito, segregados ou discriminados por apresentarem algum mínimo traço de determinada raça. 

"A formação das fantasias das pessoas normais ou neuróticas é análoga a essa mestiçagem, nós reconhecemos tais fantasias como etapas prévias da formação tanto dos sonhos quanto de sintomas; no entanto, mesmo com sua alta organização, permanecem recalcados e, como tais, não podem tornar-se conscientes. Ao se aproximarem da consciência, tais fantasias poderão permanecer inalteradas enquanto não tiverem sido investidas de carga intensa, mas serão rechaçadas assim que a intensidade de investimentos de carga ultrapassar determinado grau. Igualmente bem organizado são os derivados do Ics que denominamos formações substitutivas. Essas formações, porém, logram entrar na esfera da consciência devido a alguma circunstância favorável, como por exemplo, se puderem somar forças com um contra-investimento de carga do Pcs. S.Freud.  O Inconsciente (1915) 

Para que uma formação substituta  advenha ao sistema Pcs/cs  dependerá da carga de intensidade de carga da ideia(representante da pulsão), ou do contra-investimento oriundo do Pcs. 


O que altera a intensidade de carga numa determinada ideia? Neste texto parece que Freud ainda não tem uma resposta para essa questão.


Segunda censura: Pcs - Cs

Grande parte dos processos psíquicos que se apresentam no pcs, na realidade são inconscientes, o que de alguma forma explica a segunda censura colocada por Freud no texto entre os sistemas pcs/cs. 

Na realidade só temos acesso aquilo que é consciente, mas nem tudo do nosso aparelho psíquico é consciente, nem mesmo das nossas percepções ou nosso foco de atenção. As vezes passamos pelo mesmo lugar todos os dias, e num determinado dia percebemos algo jamais visto, mas que sempre esteve lá. De repente queremos comprar determinado carro, ou uma roupa, a sensação é que  a quantidade destes carros aumenta, mas não, o nosso foco de atenção se alterou. 


"Portanto a consciência não mantém uma relação simples nem com os sistemas, nem com o recalque. A verdade é que não apenas o recalcado permanece estranho à consciência, mas também parte das moções que dominam o nosso Eu. Assim, esses elementos que estão no mais forte contraste funcional em relação ao recalcado também permanecem estranhos à consciência. Portanto, se quisermos progredir em direção a uma teoria metapsicológica, teremos de aprender a nos desligar da importância que damos ao sintoma do "estar consciente." " S.Freud.  O Inconsciente (1915) 


Há transito entre os sistemas, apesar de grande parte dos conteúdos são inconscientes. Nem todo o conteúdo Ics é acessível, a acessibilidade dependerá também do Pcs. Existem duas censuras, a primeira é contra o ics e a segunda é contra os derivados situados no Pcs. O que faz uma ideia transitar entre os sistemas, não é a ideia em si, mas a carga de investimento ics e o contra investimento pcs. 


Afinal do que são constituídas essas ideias(representantes da pulsão)?


"No nascedouro da atividade pulsional, há uma comunicação intensa entre os sistemas, como veremos a seguir. Enquanto parte dos processos aqui evocados passa pelo Ics como se estivesse atravessando uma etapa preparatória, para mais adiante alcançar o mais alto desenvolvimento psíquico no Cs, parte é retida no Ics. Contudo, também o Ics é atingido pelas vivências originadas na percepção externa. Em geral, todos os caminhos que seguem do Ics ao Cs estão sujeitos ao bloqueio pelo recalque." S.Freud.  O Inconsciente (1915) 



Parte VII
Identificando o inconsciente

Freud para identificar o inconsciente utiliza como exemplo as psicoses. Por que será isso?
Nas afecções narcísicas (psicoses) há uma oposição entre o eu - objeto. As neuroses são causadas pelo impedimento no acesso ao objeto. O neurótico renuncia ao suposto objeto real (objeto perdido), entretanto a libido retirada do objeto real retrocede em direção a um objeto recalcado que existe na fantasia


Que objeto é esse que o neurótico se vê impedido? Suposto objeto de satisfação, para sempre perdido, mas buscado a vida inteira do neurótico. Como somos seres pulsionais, não temos um objeto que nos satisfaça completamente. A satisfação através de um objeto da fantasia é algo que funciona como defesa ao desamparo ou angústia? Essa satisfação através de um objeto fantasmático relaciona-se ao sintoma neurótico? Como funciona esse arranjo precário do neurótico? Como articular objeto recalcado, fantasia e neurose? 

"No entanto, o exame mais detalhado do processo de recalque nessas neuroses evidenciou que o investimento de carga no objeto geralmente continua a ser mantido com grande energia, o que nos leva a supor que o investimento de carga no objeto geralmente continua a existir  no sistema ics, apesar do recalque. - ou melhor como consequência dele. " S.Freud.  O Inconsciente (1915) 

Na esquizofrenia (psicose) - a libido retirada do objeto não investe em novos objetos, se recolhe ao Eu. Há uma desistência no investimento de carga no objeto e um restabelecimento de um estado narcísico primitivo, sem objeto. 

"A incapacidade desses pacientes de executar uma transferência - a qual depende da extensão do processo da doença - e a consequente falta de resposta a terapia, assim como sua singular rejeição ao mundo externo, os sinais de haver uma camada de sobreinvestimento de carga aplicada ao próprio Eu e, por fim, sua apatia total, todas essas características clínicas parecem reforçar a suposição de que nesses quadros ocorre uma desistência do sujeito de investir no objeto." S.Freud.  O Inconsciente (1915) 


Na esquizofrenia há uma alteração na fala, que pode demonstrar a relação eu-objeto e as relações mantidas pela consciência. Por vezes os esquizofrênicos quando falam apresentam um linguageiro "rebuscado" e "floreado". As frases ditas por esses pacientes apresentam certa desorganização estrutural, parece que falta sentido naquilo que é dito. Quanto ao conteúdo, há uma prevalência à  referência ao aos órgãos e as inervações. 


"No caso da esquizofrenia, as palavras são submetidas ao mesmo processo que também se transforma os pensamentos oníricos latentes em imagens oníricas. Trata-se do que chamamos de processo psíquico primário. Neste, as palavras são condensadas e transferem integralmente uma à outra suas cargas de investimento deslocando-as. O processo pode chegar ao ponto de uma única palavra assumir a representação de toda uma cadeia de pensamentos, devido às múltiplas relações que mantém com outros elementos. S.Freud.  O Inconsciente (1915) 


A Representação de objeto transformam-se em representação  de palavra e representação de coisa(Ding). Para entender melhor este processo entre representação de palavra e representação de coisa fui buscar conceitualizar alguns destes termos:



  • O termo 'representação' se refere ao modo de apreensão de um objeto ou fenômeno por parte de um sujeito (ou meio de representação, como o caso de um livro, de uma pintura, etc.), o que significa que para que haja um ato de representação é preciso que haja alguém (ou algo) que representa alguma coisa (não necessariamente algo distinto de si mesmo; no caso do sujeito, é possível falar deste como representando a si mesmo). (objeto)

  • (Pulsão) A representação de palavra traduz uma trama de representações inconscientes. A tradução de  um resto, uma perda, um sentido que escapa. Uma  tentativa de captar algo que, por sua natureza, sempre escapa.
  • Essa representação que se traduz em representação de palavra não remete a uma única representação; remete a uma associação de representações. Nesse sentido, o que pode ser levado à palavra (pré-consciente) é um aspecto dessa trama de representações, o qual se liga a algumas palavras, o fio da meada. Essas representações de coisa sofreram as ações do processo primário, por um complexo jogo com outras representações de coisa, de tal maneira que aquilo que aparece ligado à representação de palavra está desfigurado, como as imagens do sonho, por esses processos.
  • Representação consciente = a representação de coisa + representação de palavra correspondente;Representação inconsciente é somente representação de coisa. 


  1. O sistema Ics contém os investimentos de carga referentes à coisa que faz parte do objeto.  O objeto também apresenta os investimento de carga que contém a  coisa. 
  2.  Pcs surge quando essa representação da coisa ao ser vinculada a representação de palavra recebe uma camada de sobreinvestimento de carga.
  3. Esse sobreinvestimento de carga  - que leva a organização psíquica mais elevada e a possibilidade da substituição do processo primário ao processo secundário.



Nas neuroses de transferência - a tradução da representação de palavra é negada pelo recalque;  pois esta deve continuar associada ao objeto. Ou seja, sempre haverá algo que não poderá ser representado. 


No neurótico a palavra representa qualquer coisa, mas sempre haverá algo que não pode ser representado? E o psicótico, como se utiliza da palavra? coisa=palavra ou palavra como coisa?

As representações de palavras e as representações de coisa provém das percepções sensoriais. Por que as representações de objetos não podem tornar-se conscientes por meio de seus próprios resíduos de percepção? Resposta de Freud: "Provavelmente, a resposta é que o pensamento se dá em sistemas muito distantes dos resíduos originais de percepção, que não retiveram mais nada de suas qualidades e necessitam de um reforço através de novas qualidades para se tornarem conscientes." S.Freud.  O Inconsciente (1915) 

Bom, após a leitura deste texto, alguns pontos ficaram mais obscuros do que antes, principalmente ao que diz respeito as representações de palavra e representações de coisa. A relação do sujeito neurótico e os objetos. A utilização da palavra pelo neurótico e psicótico...Questionamentos importantes....que me faz ter vontade de ler e buscar respostas ou novas interrogações?

P. Adriana

paulaadriana.couto@gmail.com







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