terça-feira, 28 de outubro de 2014

Proposta de grupo de estudos

Grupo de Estudos:
A constituição da sexualidade  -  Sigmund Freud
Amor & Desejo

“ Tudo é mistério no amor;
Suas flechas, sua aljava, sua infância;
Não é obra de um dia esgotar essa ciência.
Portanto não pretendo aqui tudo explicar;
Quero apenas dizer, a minha maneira... ”
Jean de La Fontaine
L´Amour el la folie


Quando nos debruçamos sobre o  desenvolvimento psicossexual humano  abordamos a entrada do sujeito na linguagem/cultura. A via dessa entrada é o amor e o desejo. Algo que nos  impulsionará ou não sobre as coisas do mundo: escolhas, encontros e desencontros. 
Somos constituídos a partir de um encontro com outro (mãe ou cuidador), calcado por diversos desencontros com este mesmo outro.  


Textos:
Conferência XXII             Revisão da teoria dos Sonhos  (1932-1936)
Sobre o narcisismo (1914)
O sentido dos sintomas
A vida sexual dos seres humanos
As pulsões e suas vicissitudes (1917)
Mais além do princípio do prazer (1920)
A organização genital infantil (1923)
O Ego e o Id (1923)
A dissolução do complexo de Édipo (1924)
Algumas consequências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos (1925)
Fetichismo (1927)
Feminilidade (1932)
Comentadores:
O pai e sua função em psicanálise (1991)  Joel Dor
O que quer uma mulher? (1987)  Serge André
O amor é o crime perfeito (2001) Jean Claude Lavie
Abandonarás teu pai e tua mãe (2000) Philippe Julien
Constituição do sujeito e estrutura familiar (2003) Michele Roman Faria


Paula Adriana Vieira das Neves Couto

Praticante de psicanálise, especialização em psicanálise e linguagem:  uma Outra psicopatologia PUC – SP e participação em diversas atividades voltadas a psicanálise.

A quem se destina: estudantes de psicologia, psicanalistas, profissionais de educação  e interessados no tema.
Dia e hora:                                                   
Segunda Feira -   19:00 – 20:00 ou;
Sábado– 10:00 – 11:00

Investimento: R$ 30,00 por encontro. O pagamento pode ser feito no próprio dia.
Inscrições: Confirme sua participação através do e-mail: paulaadriana.couto@gmail.com ou paulaadriana.couto@bol.com.br

Local:  Avenida Voluntários da Pátria, 2525 – cj 75 Santana – São Paulo SP – Próx. ao metro Santana
Telefone: (11)3715-8494

O Recalque (1915)








Verdrängung: Recalque 


A palavra recalque significa “rebaixamento de terra ou paredes” (p. 358). O radical calcar é conceituado como “calcar a terra, o terreno= pressionar-pisar-apertar” (p. 358), podendo também ser utilizado como “oprimir, vexar, desprazer” (HANS, 1996, p. 358). 
Roudinesco e Plon (1998) acrescentam que o termo refere-se “ao ato de fazer recuar ou de rechaçar alguém ou alguma coisa” (p. 647). Os mesmos autores afirmam que também pode ser utilizado como sinônimo de recusa ao acesso a um país ou lugar específico. 



De uso quase que exclusivo da psicanálise,o recalque é  definido como sendo o movimento que o aparelho psíquico promove para despejar da consciência as representações que podem gerar desprazer. Além disso, o aparelho psíquico disponibiliza energia para executar a tarefa de manter o conteúdo que foi despejado afastado da consciência (HANS, 1996; Kusnetzoff, 1982). O mecanismo do recalque não dispõe de força suficiente para erradicar as fontes pulsionais do aparelho psíquico, mas para empurrá-las de volta, “desalojar do centro da cena” (p. 363), mantendo-as fora da consciência, no inconsciente. O recalque mantém-se existente e necessário, pois as fontes pulsionais, uma vez recalcadas, movimentam-se constantemente buscando um caminho para acessar a consciência e o mundo externo, onde irá encontrar a satisfação. A função do recalque é gerar contra-investimentos para manter o material recalcado no inconsciente (HANS 1996). 

TEXTO: REPRESSÃO (1915)

A meta de toda pulsão é ser satisfeita,cujo objetivo é a obtenção do prazer num órgão. O aparelho psíquico frente a qualquer aumento de tensão oriundo da sensação de  desprazer trabalha no sentido de baixar a tensão ao nível mais baixo. O recalque é outro destino que passa um impulso pulsional, além da reversão ao seu oposto, o retorno em direção ao próprio eu do indivíduo e a sublimação.  


O recalque (Verdrangung), compreende o movimento de tornar inoperante determinado impulso pulsional em alguma instância psíquica. Este impulso é prazeroso em alguma instância, mas causa desprazer em outra. 

"Um dos destinos que uma pulsão pode sofrer é a tentativa de  tornar-lo inoperante. O impulso pulsional então passa para o estado de recalque (Verdrangung)" Freud. S. A Repressão  (1915)

O indivíduo frente a qualquer estímulo externo, e a possibilidade de obter desprazer ao invés de prazer, tem como ação: fugir. Em contrapartida, frente a um estímulo interno (impulso pulsional) que cause aumento de tensão, não existe a possibilidade de fuga, pois não há como fugir de si próprio. O destino neste caso é tornar o impulso pulsional inoperante. Frente a este tipo de impulso há duas possibilidades: 1. recalque e o 2. julgamento/condenação. 

Qual tipo de impulso pulsional  que  é recalcado, já que existem outros destinos? 

O impulso pulsional que é recalcado tem a particularidade de proporcionar prazer em alguma instância(pcs/cs), mas que transforma-se em desprazer. A pulsão é uma pressão constante que tem como finalidade a satisfação, obtenção de prazer num determinado órgão por algum objeto mesmo que parcial.  Pelo visto o impulso pulsional que é recalcado preenche pelo menos num nível o quesito de proporcionar prazer. 

Como ocorre a transformação do prazer da satisfação  em desprazer?

Freud utiliza-se de dois exemplos para demonstrar a transformação do prazer em desprazer: dor e fome. Frente a estes estímulos há o aumento de tensão. Apesar de cumprirem certas condições não dizem respeito a pulsão/recalque:

Tanto a dor como a fome  advém de maneira imperativa, Já a pulsão é uma força constante
Ambos causam desprazer desde o primeiro momento, e cessam quando são satisfeitos por algum objeto. Esses dois exemplos de estímulos (dor e fome) parecem  não ser exemplos de representantes pulsionais. Freud então, se dirige a clínica psicanalítica para abordar a ação do recalque.

O recalque é um mecanismo defensivo que  não está presente desde o início no indivíduo. Ele somente surgirá quando houver uma cisão entre a atividade psíquica consciente e inconsciente. A essência do recalque é  simplesmente de afastar determinada coisa do consciente, mantendo-a à distância. 

Antes do recalque propriamente dito, há um primeiro recalque, onde os representantes psíquicos tem acesso negado no consciente. Neste primeiro momento ocorre  a fixação do representante da pulsão no inconsciente, não há alteração nos derivados psíquicos. O recalque propriamente é uma pressão posterior, onde aqueles primeiros derivados psíquicos do representante recalcado são afetados, assim como, todos os elementos mesmo que, originaram-se em outra parte.


O que ocorre,  que todos os elementos que tenham determinada conexão se juntem e sejam afetados pelo recalque?

Justamente a ligação associativa entre os elementos e o  recalque primário. Todos esses elementos da cadeia associativa ficarão fixados no inconsciente. Essa ideia é muito interessante, pois fala da importância do primeiro recalque, das marcas da primeira infância, assim como, do meu ponto de vista, diz da primazia da instância inconsciente sob as outras instâncias psíquicas, ou no mínimo há cooperação entre as instâncias. E a pulsão no limite entre somático e psíquico e relacionado a linguagem. 

Sobre a ação do recalque na neurose, Freud diz:

"Sob a influência do estudo das psiconeuroses, que coloca diante de nós os importantes efeitos da repressão, inclinamo-nos a supervalorizar sua dimensão psicológica e a esquecer,demasiado depressa, o fato de que a repressão não impede que o representante instintual continue a existir no inconsciente, se organize ainda mais, dê origem a derivados, e estabeleça ligações. Na verdade, a repressão só interfere na relação do representante instintual com um único sistema psíquico, a saber, o do consciente." Freud. S. A Repressão  (1915)

O recalque é um  também um modo de manter a tensão no aparelho psíquico a baixo. Por outro lado, esse representante pulsional recalcado no inconsciente, se mantém vivo se prolifera, se desenvolve e sem a via da fala para expressar ou sem qualquer interferência. Ele é "nutrido" por novos representantes. 

Diz Freud: 
"(...) Ele (representante pulsional) prolifera no escuro, por assim dizer, e assume formas extremas de expressão, que uma vez traduzidas e apresentadas ao neurótico irão não só lhe parecer estranhas mas também assustá-lo, mostrando-lhe o quadro de uma extraordinária e perigosa força da pulsão. Essa força falaz do instinto resulta de um desenvolvimento desinibido da fantasia e do represamento ocasionado pela satisfação frustrada."Freud. S. A Repressão  (1915)

No recalque não são  todos os elementos que são retirados do consciente via inconsciente. A ideia que a partir do primeiro recalque todos os elementos que fazem parte da mesma associação são recalcados secundariamente não é verdadeira. Por que? Freud responde:

"Se esses derivados se tornarem suficientemente afastados do representante reprimido - quer devido à adoção de distorções, quer por causa do grande número de elos intermediários inseridos -, eles terão livre acesso ao consciente. Tudo se passa como se a resistência do consciente contra eles constituísse uma função da distância existente entre eles e aquilo que foi originalmente reprimido." Freud. S. A Repressão  (1915)

Numa sessão de psicanálise, a partir da  associação livre do analisante, quando não há intenção ou crítica na fala, esses conteúdos advém, e traduzem conscientemente os representantes pulsionais e  seus derivados remotos e distorções. Essas associações se movimentam até o ponto, onde o analisante encontre um pensamento que tenha relação com o  recalcado, Frente a proximidade do recalcado, uma nova  tentativa de recalque advirá.  Nos sintomas, o recalcado também advém a consciência, neste mesmo movimento.  O sintoma é um "derivado do recalcado", constituído de linguagem, pois é acessível a medida que o sujeito associa livremente.  

O recalque atua de forma particular, em relação ao representante pulsional. Entretanto o recalque não é o único caminho a este "estilo" de representante. A idealização é um exemplo disso.  

A idealização não  faz parte do conteúdo que foi recalcado, mas é constituída pelos representantes pulsionais originais que não sofreram ação do recalque. Esses representantes pulsionais se  mantiveram conscientes, isolados e apresentaram  uma forma bastante distorcida e que se relacionam aos objetos. Sendo assim, um representante pulsional original pode ser dividido em duas partes: uma que sofre recalque e outra parte  passa pela idealização (narcisismo).

O uso dos chistes também é outra maneira dos representantes pulsionais tornarem-se acessíveis ao invés de repudiados, Só que não pela via da distorção, mas sim pelo desprazer/prazer.  O recalque, neste caso é removido temporariamente, reinstalando-se imediatamente. 

Sobre as características do recalque: 

Seu funcionamento é individual, extremamente móbil, não ocorre de uma única vez e  seus resultados não são  permanentes.

Essas características me faz pensar que o representante pulsional passa por pressão dupla: do inconsciente para se tornar acessível ao consciente e do consciente para mante-lo inconsciente?  Qual energia mantém o recalque ou os representantes pulsionais? 

Para responder a essa questão, Freud diz:

"O recalque exige um dispêndio persistente de força, e se esta viesse a cessar, o êxito da repressão correria perigo, tornando necessário um novo ato de repressão. Podemos supor que o reprimido exerce uma pressão contínua em direção ao consciente, de forma que essa pressão pode ser equilibrada por uma contrapressão incessante. Assim, a manutenção de uma repressão acarreta ininterrupto dispêndio de força, ao passo que sua eliminação, encarada de um ponto de vista econômico, resulta numa poupança.Incidentalmente, a mobilidade da repressão também encontra expressão nas características psíquicas do estado do sono, o único a tornar possível a formação de sonhos. Com o retorno à vida de vigília, as catexias repressivas absorvidas são mais uma vez expulsas." Freud. S. A Repressão  (1915)

Sem prejuízo ao recalque, os impulsos pulsionais podem estar ativos ou inativos. Um determinado impulso pode ser fortemente investido ou não. Quanto mais investido, mais ativo será e quanto menos investido, menos ativo. Quanto mais ativo psiquicamente este impulso, mais se movimentará entre as instâncias, pois está "atividade" estimulará todos os processos à penetração ao consciente por vias indiretas. Da mesma maneira, os derivados não recalcados, na medida que são investidos, também se movimentam. 

O combustível que proporciona o movimento dos impulsos pulsionais e da própria mobilidade entre as instâncias, é o  próprio investimento nestes representantes pulsionais e conflito entre as instâncias: quanto mais ativo um representante, mais intensidade será a tentativa para recalcá-lo e o contrário também, quanto menos investido, menos ativo, mais disfarçado, consequentemente não precisará do recalque para se manter inoperante. Enfim é justamente a atividade que necessita da ação do recalque.   

Freud a partir de sua observação na clínica, faz uma separação entre o representante pulsional: parcela ideacional(ideia, imago) e o afeto nele envolvido. E diz que este último não é recalcado. E o que ocorrem com os afetos que estão envolvidos a um representante (ideia)?.


O objetivo de tornar um representante pulsional recalcado é torná-lo inoperante, graças a ação do  recalque não há desprazer. O que acontece é que nem sempre o recalque é totalmente eficaz, principalmente porque o afeto não é recalcado, Sendo assim, uma ideia que representa uma pulsão pode ter três destinos: Ser inteiramente suprimido, sem qualquer vestígio dele. Apareça como um afeto, com certa nuance, ou transformado em angústia. A angústia não causa desprazer? Se a ação do recalque não conseguir impedir que surja  desprazer ou angústia, O recalque falhou,

A partir da falha no recalque surgirão: sintomas e as formações substitutas. Que serão constituídos justamente pela parcela ideacional.  

Freud levanta algumas questões sobre as formações substitutas e os sintomas: "Qual é o mecanismo através do qual esse substituto é formado? Ou será que devemos, também aqui, distinguir vários mecanismos? Além disso, sabemos que a repressão deixa sintomas em seu rastro. Podemos então supor que a formação de substitutos e a formação de sintomas coincidem, e, admitindo que isso aconteça de um modo geral, será o mecanismo formador de sintomas o mesmo que o da repressão?"Freud. S. A Repressão  (1915)

As formações substitutas não são constituídos pela ação do recalque. Existem diversos mecanismos que constituem essas formações. Tanto nas formações substitutas como no recalque há retirada do investimento da libido. Já os sintomas, seriam o retorno do recalcado, o sintoma existe porque o recalque falha. Será? 

Freud exemplifica a ação do recalque e das formações substitutas/sintomas a partir de um caso de histeria de angústia, numa fobia de animais.

Neste caso  há ao mesmo tempo uma atitude libidinal em relação ao pai e um medo em relação a ele, portanto um conflito psíquico. O impulso pulsional é recalcado.  Esse impulso desaparece da consciência. O pai não aparece mais como um objeto da libido. Substituindo o pai, encontramos num lugar correspondente um animal que se presta, de modo mais ou menos adequado, a ser um objeto de angustia.  

PAI                                     ANIMAL
OBJETO DA LIBIDO       OBJETO DE ANGÚSTIA


Há um deslocamento do pai ao animal por meio de uma cadeia de conexões - parcela ideacional do representante pulsional. (formação do substituto)

A parcela quantitativa não desapareceu, mas foi transformada em angústia. 

"(...)resultado é o medo de um lobo, em vez de uma exigência, de amor feita aos pais. As categorias empregadas aqui não bastam, naturalmente, para explicar de forma adequada nem mesmo o caso mais simples de psiconeurose: há sempre outras considerações a levar em conta. Deve-se descrever uma repressão, tal como a que ocorre numa fobia animal, como sendo radicalmente destituída de êxito. Ela apenas remove e substitui a idéia, falhando inteiramente em poupar o desprazer. É também por esse motivo que o trabalho da neurose não cessa. Prossegue até uma segunda fase, a fim de atingir seu mais importante e imediato propósito. O que se segue é uma tentativa de fuga - a formação da fobia propriamente dita, de um grande número de evitaçõesdestinadas a impedir a liberação da ansiedade. Uma pesquisa mais especializada permite-nos compreender o mecanismo pelo qual a fobia alcança sua finalidade." Freud. S. A Repressão  (1915)

Na histeria de conversão o recalque se dá de maneira distinta da histeria de angústia. Há o desaparecimento da quota de afeto na histeria de conversão, a partir do mecanismo denominado por Charcot:  ‘la belle indifférence des hystériques‘.



A "‘la belle indifférence des hystériques" é uma expressão francesa cunhada por Pierre Janet para caracterizar a falta de preocupação exibida por pacientes histéricos diante de uma grave disfunção corporal. O paciente aparenta calma exteriormente mesmo que o sintoma produzido seja incapacitante.











A parcela ideacional do representante pulsional é totalmente retirada da consciência; como um substituto e como um sintoma. No corpo existe  uma inervação superforte (somática): sensorial ou motora na forma de excitação ou inibição. Essa inervação superforte é parte do próprio representante pulsional recalcado, que se tornou assim pelo processo de condensação. Todo investimento é centralizado num mesmo local.   

"Evidentemente, essas observações não trazem à luz o mecanismo completo de uma histeria de conversão; o fator regressão, em especial, a ser considerado em outra conexão, também tem de ser levado em conta. Na medida em que a repressão na histeria [de conversão] só se torna possível pela extensa formação de substitutos, ela pode ser julgada inteiramente destituída de êxito; contudo, ao lidar com a quota de afeto - a verdadeira tarefa do recalque -, ela geralmente significa um êxito total." Freud. S. A Repressão  (1915)

O recalque na  histeria se dá de duas maneiras: em duas fases no caso da histeria de angústia, onde a parcela ideacional se desloca na cadeia associativa e a parcela afetiva é transformada, constituindo a fobia. Na histeria de conversão, ocorre o desaparecimento da quota de afeto, a partir do mecanismo: a bela indiferença histérica e a parcela ideacional  é totalmente retirada  como um substituto e como um sintoma. O recalque é completado pela formação do sintoma (super-inervação em alguma parte do corpo) através do processo de condensação.

Como ocorre o recalque na neurose obsessiva?
A princípio há um conflito entre as instâncias: impulso hostil contra alguém que é amado. Uma tendência sádica foi substituída por uma afetiva.


Na neurose obsessiva num primeiro momento o recalque é cercado de exito, a partir da rejeição do conteúdo ideacional, fazendo com que o afeto desapareça. Disto advém uma formação substitutiva, sob a forma de maior consciência. Isso seria uma forma de supereu? Freud até este momento não havia construído o conceito de supereu, mas talvez seja uma tentativa de construção. Essa maior consciência pode existir  justamente pela  ambivalência em que o impulso sádico ao ser recalcado é introduzido. 


No entanto, o recalque que tinha tido exito não se firma e fracassa, tornando-se mais acentuado. A ambivalência que havia permitido que o recalque ocorresse através da formação de reação é justamente o ponto que consegue retornar. 
- Parcela afetiva  retorna, em sua forma transformada, como: angustia social, angustia moral e autocensura ilimitadas;

- Parcela ideacional: a ideia rejeitada a principio, é trocada por um substituto por deslocamento para algo menor, indiferente.

"O fracasso na repressão do fator quantitativo afetivo põe em jogo o mesmo mecanismo de fuga, por meio de evitação e proibições, tal como vimos em funcionamento na formação de fobias histéricas. A rejeição da idéia oriunda do consciente é, contudo, obstinadamente mantida, porque provoca a abstenção oriunda da ação, um aprisionamento motor do impulso. Assim, na neurose obsessiva, o trabalho da repressão se prolonga numa luta estéril e interminável." Freud. S. A Repressão  (1915)

Finalmente, em Freud o recalcado constitui o componente central do inconsciente. "O recalcado se sintomatiza", diz o fundador da psicanálise. Ou seja, pelo recalque, os processos inconscientes só se tornam conscientes através de seus derivados - os sonhos ou os sintomas neuróticos


O próximo texto a ser estudado será: O sentido dos sintomas. Que talvez me dê a possibilidade de articular pulsão/recalque/inconsciente. Só depois tentarei articular o amor/sexualidade/desejo em Freud.  

 Vamos lá!


Adriana


Referências:

Hanns, L. ALberto. Obras psicológicas de Sigmund Freud. Volume I. 1996.



quinta-feira, 9 de outubro de 2014

As pulsões e seus destinos (1915)

Antes de escrever sobre o texto: As pulsões e seus destinos (1915) é importante situar algumas questões que envolvem o conceito: Pulsão.

O termo pulsão (Trieb, no original alemão) surgiu na obra de Freud pela primeira vez nos Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade, em 1905. Trata-se de um conceito que não se relaciona a algo descritivo ou encarnado. Como disse Freud: “A teoria das pulsões é, por assim dizer,nossa mitologia.”

Freud ao abordar o conceito de pulsão faz paralelos com o conceito de Instinto que designa um comportamento hereditário fixado e que possui um objeto específico. Um cão com fome come ração e isso o satisfaz. Nós humanos temos fome de algo que vai além da comida. Nós escolhemos parceiros, Nós nem sempre sabemos o que queremos, por vezes queremos aquilo que realmente não queremos, Enfim, nossas satisfações vão "além" das necessidades, O que nos torna humanos, nos desnaturaliza. Somos seres pulsionais.

Como na Música: Comida - Titãs:

Bebida é água!
Comida é pasto!
Você tem sede de que?
Você tem fome de que?...

A gente não quer só comida
A gente quer comida
Diversão e arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída
Para qualquer parte...

A gente não quer só comida
A gente quer bebida
Diversão, balé
A gente não quer só comida
A gente quer a vida
Como a vida quer...

A gente não quer só comer
A gente quer comer
E quer fazer amor
A gente não quer só comer
A gente quer prazer
Pra aliviar a dor...

A gente não quer
Só dinheiro
A gente quer dinheiro
E felicidade
A gente não quer
Só dinheiro
A gente quer inteiro
E não pela metade...

Diversão e arte
Para qualquer parte
Diversão, balé
Como a vida quer
Desejo, necessidade, vontade
Necessidade, desejo, eh!
Necessidade, vontade, eh!
Necessidade...


Texto: As pulsões e suas vicissitudes:

Freud começou a escrever o presente artigo em 15 de março de 1915; este e o seguinte (‘Repressão’) foram concluídos em 4 de abril. Interessante que inicia este artigo discutindo sobre a construção de uma teoria científica.
A ciência possui uma verdade, que é construída a partir de dados reais: a descrição de fenômenos ou deduções. Entretanto uma ideia para ser considerada científica: deve ser estruturada em conceitos básicos claros e bem definidos. Esses primeiros dados são agrupados, classificados e correlacionados.
Uma determinada ideia científica inicia-se do interesse de alguém por algum tema. Levantam-se hipóteses a serem aceitas ou refutadas. Enfim, até uma ideia tornar-se ciência passa por indefinições que são fundamentais, para a construção de um determinado saber. Na ciência há verdades e não cabe indefinições, já, no saber,a verdade é singular e própria de cada um,  justamente porque  cabe indefinições.
Freud na construção da teoria psicanalítica, partiu de sua experiência clínica e tentou construir uma ciência. Entretanto Freud não construiu uma verdade, porque nesta não cabe furos, Freud construiu um saber, calcado em indefinições, o que torna seu texto interessante e instigante. Os conceitos psicanalíticos foram se modificando no decorrer de sua obra, mas sem perder sua ideia principal: inconsciente, pulsão, conflito psíquico e a possibilidade de acesso ao inconsciente a partir da fala. Mesmo o sonho só é acessível quando contado por alguém e este encontra alguma verdade singular.
Freud é médico e pesquisador, a ciência tem um lugar privilegiado para este autor. Talvez essa introdução sobre o trabalho científico surja, justamente pela obscuridade do tema ao qual Freud vai abordar: pulsão e os seus destinos. Além disso, os textos deste período são uma tentativa do autor de construir sua metapsicologia. 

A metapsicologia freudiana traz os princípios, os modelos teóricos e os conceitos fundamentais da clínica psicanalítica. É um método de abordagem de acordo com o qual todo processo psíquico é considerado em relação com três coordenadas: dinâmicatopográfica e econômica.

A pulsão é um conceito limite entre o psíquico e o somático. Trata-se de  um estímulo aplicado no psiquismo. Do ponto de vista fisiológico, a pulsão é um estímulo diferente dos demais que surgem no psiquismo, justamente por  não atuar fisiologicamente. 
Como atua o estímulo pulsional? O estímulo pulsional não surge do mundo exterior, mas de dentro do próprio organismo. Para removê-lo é exigido ações diferentes do que se teria com um estimulo advindo de fora e de impacto único, nestes casos a ação muscular, por vezes reflexa o removeria. 
O impacto da pulsão é constante. Não há como fugir de um impacto que surge de dentro do próprio organismo. Freud utiliza o termo necessidade para caracterizar ação que satisfaz a pulsão.

"O que elimina uma necessidade é a ‘satisfação’. Isso pode ser alcançado apenas por uma alteração apropriada (‘adequada’) da fonte interna de estimulação." As pulsões e seus destinos  (1915)

A necessidade é um impulso irresistível que, de alguma forma, faz com que os atos não possam falhar. Também é aquilo a que é impossível ser indiferente, ignorar ou resistir; a carência das coisas que são imprescindíveis para sobreviver; a falta continuada de géneros alimentares que leva a pessoa a desfalecer; e o risco ou perigo em que se necessita de ajuda imediata. Leia mais: Conceito de necessidade - O que é, Definição e Significado http://conceito.de/necessidade#ixzz3FSMKkpuE


"O sistema nervoso é um aparelho que tem por função livrar-se dos estímulos que lhe chegam, ou reduzi-los ao nível mais baixo possível; ou que, caso isso fosse viável, se manteria numa condição inteiramente não-estimulada. Não façamos objeção por enquanto à indefinição dessa ideia e atribuamos ao sistema nervoso a tarefa - falando em termos gerais - de dominar estímulos. Vemos então até que ponto o modelo simples do reflexo fisiológico se complica com a introdução das pulsões."

Como o próprio organismo "trabalha" no sentido de manter a tensão o menor possível?

A primeira hipótese seria da regulação do estímulo/tensão pelo aspecto econômico. O princípio do prazer/desprazer, regulando o aumento/diminuição da tensão no aparelho psíquico. A via do prazer significaria a diminuição de estímulos e consequentemente da tensão, a partir do livre fluxo de energia(libido) 
O desprazer estaria ligado a um aumento de estímulos e de tensão que requer outros meios à sua liberação/satisfação, para tanto as pulsões tomam diversos destinos  cujo a meta é sempre satisfação e consequentemente a diminuição da tensão no interior do organismo. 

As características das pulsões: pressão, Meta (finalidade), objeto e fonte.

Por impulso [Drang]: A pulsão sempre exerce pressão. Importante pensarmos que a pulsão exerce uma pressão constante e sempre ativa, mesmo quando posiciona-se passivamente.

A Meta ou finalidade [Ziel] é sempre de satisfação. Há um aumento de tensão, esta tem que ser satisfeita. As pulsões são provenientes de diversos órgãos, as metas são diversas. A finalidade última é sempre de satisfação.

"A experiência nos permite também falar de pulsões que são ‘inibidas em sua finalidade’, no caso de processos aos quais se permite progredir no sentido da satisfação pulsional, sendo então inibidos ou defletidos. Podemos supor que mesmo processos dessa espécie envolvem uma satisfação parcial." As pulsões e seus destinos  (1915)

O objeto [Objekt] é a coisa da qual a pulsão é capaz de atingir sua finalidade. Os objetos são variáveis. Não existe um objeto específico que satisfaça a pulsão. O objeto precisa apenas ser adequado para satisfazer. O objeto da pulsão é sempre parcial pela própria constituição humana.  Por exemplo o bebê tem fome, por um tempo chupa chupeta ou os dedos. É importante que o objeto seja parcial, pois é isso que nos movimenta.

"O objeto não é necessariamente algo estranho: poderá igualmente ser uma parte do próprio corpo do indivíduo. Pode ser modificado quantas vezes for necessário no decorrer das vicissitudes que o instinto sofre durante sua existência, sendo que esse deslocamento do instinto desempenha papéis altamente importantes." As pulsões e seus destinos  (1915)

Por fonte [Quelle] As diferentes pulsões se originam no corpo e atuam no psiquismo. As pulsões são qualitativamente semelhantes. Seus efeitos no interior do psiquismo são calcados na quantidade de excitação, e da fonte da qual é proveniente.
As pulsões são distinguidas em dois grupos: as pulsões do eu (autoconservação); e as pulsões sexuais. No texto Sobre o narcisismo: uma introdução(1914) Freud propõe o eixo do movimento pulsional entre uma libido do eu(narcisista) e uma libido para os objetos. Existindo uma dualidade pulsional, um ponto de conflito entre os interesses do eu e os objetais. Nessa dualidade o eixo é de retração ou de investimento. Sendo que a neurose de transferência seria originária deste conflito entre as pulsões do eu e sexuais.

Abaixo segue uma reflexão de Freud sobre o conflito entre as pulsões do eu e sexuais:

"A biologia ensina que a sexualidade não deve ser colocada em pé de igualdade com outras funções do indivíduo, pois suas finalidades ultrapassam o indivíduo e têm como seu conteúdo a produção de novos indivíduos - isto é, a preservação da espécie. Ela mostra, ainda, que dois conceitos, ao que tudo indica igualmente bem fundamentados, podem ser adotados quanto à relação entre o ego e a sexualidade. De um ponto de vista, o indivíduo é a coisa principal, sendo a sexualidade uma das suas atividades e a satisfação sexual uma de suas necessidades; ao passo que, de outro ponto de vista, o indivíduo é um apêndice temporário e passageiro do idioplasma quase imortal, que é confiado a ele pelo processo de geração. "As pulsões e seus destinos  (1915)

Segundo Freud as pulsões que observáveis são as sexuais. As pulsões sexuais são numerosas. Originam-se de múltiplas formas orgânicas. O que isso significa?

Surgem das diversas zonas erógenas. Importante este ponto, pois a princípio o recém nascido é um corpo biológico, a ser libidinizado por um cuidador, geralmente a mãe exerce esta função. Na medida que é  investido e libidinizado por alguém, o bebê é inserido no campo da linguagem. "A mãe dá banhos de afeto, palavras e toques na criança."  O corpo biológico torna-se um corpo erogenizado/libidinizado. A articulação corpo/linguagem.
As pulsões sexuais a princípio atuam independentemente e bem depois são reunidos numa síntese, cuja Meta (finalidade) é o prazer do órgão. Somente quando são reunidas numa síntese é que estarão a serviço da reprodução tornando-se pulsões sexuais.

As pulsões sexuais quando surgem apoiam-se às pulsões de autoconservação(Eu), das quais se desligam pouco a pouco e vão em busca de objetos externos a partir das trilhas construídas pela pulsão do eu que as direciona pelos seus representantes  (Traços mnêmicos?) no aparelho psíquico.

Parte das pulsões sexuais mantém-se junto as pulsões do eu fornecendo-lhes libido.  
As pulsões sexuais agem de maneira agrupada e agem em sacrifício uma pelas outras, são capazes de realizações e mudam de objeto prontamente. Pelo fato de mudarem de objeto, nem sempre o objetivo é sexual. Como no caso da sublimação. 

As pulsões sexuais no decorrer do seu desenvolvimento passam por diversos destinos:

Reversão a seu oposto. 
Retorno em direção ao próprio eu (self) do indivíduo.
Repressão.
Sublimação.

Neste texto Freud abordou: a reversão a seu oposto e o retorno em direção ao próprio eu.

As modificações que passam as pulsões são decorrentes da existência de forças motoras que impedem a satisfação sem alterar seu destino ou a modificação é resultante da defesa à própria pulsão.

A reversão da pulsão a seu oposto ocorre pelaTrata-se da alteração parcial da meta: A meta da pulsão é sempre de satisfação, a mudança é do posicionamento do ativo ao passivo.

Par de opostos: sadismo e masoquismo e o voyerismo e exibicionismo

O masoquismo na realidade é o sadismo que retorna em direção ao próprio eu do indivíduo, O masoquista  se posiciona de uma maneira passiva. 

1.SÁDICO: agride, atormenta (ATIVA)
2.O objeto é abandonado e substituído pelo eu do indivíduo. Com o retorno em direção ao eu.
3.MASOQUISTA: (REFLEXIVO) se posiciona de maneira que atraia para si um SÁDICO para atormenta-lo, agredí-lo (PASSIVA)

verbos “reflexivos”:  a ação se reflete no próprio sujeito que a pratica. 

Sobre a terceira fase, o masoquismo propriamente dito:

"Uma pessoa estranha é mais uma vez procurada como objeto; essa pessoa, em conseqüência da alteração que ocorreu na finalidade instintual, tem de assumir o papel do sujeito." As pulsões e seus destinos  (1915)


Como a dor/desprazer resultante do par sádico e masoquista pode levar à satisfação sexual? 

Freud responde a esta questão afirmando que as sensações de desprazer e dor invadem as excitações sexuais. (ponto de vista orgânico) e produzem um estado prazeroso.  O masoquista encontra prazer nestas excitações sexuais. Já a posição sádica o prazer é oriundo da identificação com a posição masoquista, não pela via da dor, mas da excitação sexual proporcionada. 

No par escopofilia/exibicionismo o olhar(pulsional)olho(biológico) estão envolvidos. O usufruir através do olhar da exibição do próprio corpo e de ser olhado por um outro. Neste par de opostos ocorre a mudança do objeto, ao passo que a finalidade permanece inalterada: satisfação  

1. Olhar como uma atividade dirigida para um objeto estranho. Atividade
2. desistência de olhar para outro e volta o olhar para si. Passividade
3. A pessoa se exibe para ser olhada. (reflexiva)

Sobre a parte três,  pessoa se exibe para ser olhada.  Freud diz:

"A Introdução de um novo sujeito diante do qual a pessoa se exibe a fim de ser olhada por ele. Também aqui dificilmente se pode duvidar de que a finalidade ativa surge antes da passiva, de que o olhar precede o ser olhado."As pulsões e seus destinos  (1915)

Nos dois pares de opostos ocorre o retorno em direção ao eu do indivíduo e a transformação da atividade em passividade convergem ou coincidem.

Entretanto, no caso da escopofilia/exibicionismo  o olho do próprio indivíduo já está em cena no momento do auto-erotismo. Tempo primeiro, antes do tempo da atividade propriamente dita. O investimento da pulsão escopofílica só passa a investir em objetos externos pela via da comparação e por uma parte análoga do corpo do outro. 


A explicação de Freud sobre o início da escopofilia/exibicionismo: 

"Essa fase preliminar é interessante porque constitui a fonte de ambas as situações representadas no par de opostos resultante, uma ou outra dependendo do elemento modificado na situação original. O que se segue poderia servir de quadro diagramático do instinto escopofílico:

() Alguém olhando para um órgão sexual =  Um órgão sexual sendo olhado por alguém

() Alguém olhando para um objeto estranho (escopofilia ativa)

() Um objeto que é alguém ou parte de alguém sendo olhado por uma pessoa estranha (exibicionismo)"  As pulsões e seus destinos  (1915)

No sadismo não esta presente esta fase preliminar, do auto-erotismo,  desde o inicio no sadismo a pulsão investe em determinado objeto estranho.

"Podemos dividir a vida de cada instinto numa série de ondas sucessivas isoladas, cada uma delas homogênea durante o período de tempo que possa vir a durar, qualquer que seja ele, e cuja relação de umas com as outras é comparável à de sucessivas erupções de lava. Podemos então talvez figurar a primeira erupção original do instinto como se processando de forma inalterada, sem experimentar qualquer desenvolvimento. A onda seguinte seria modificada desde o início - sendo transformada, por exemplo, de ativa em passiva -, e seria então, com essa nova característica, acrescentada à onda anterior, e assim por diante. Se fôssemos então proceder a um levantamento do impulso instintual desde seu começo até um determinado ponto, a sucessão de ondas que descrevemos inevitavelmente apresentaria o quadro de um desenvolvimento definido do instinto. " As pulsões e seus destinos  (1915)


A
 reversão de seu conteúdo.
A transformação amor e ódio

Até este momento os destinos da pulsão relacionavam-se a  reversão da pulsão em seu oposto, ou seja  uma modificação em alguma das características da própria pulsão: meta ou objeto. Entretanto a mudança da pulsão em seu contrário é observado no  amor e ódio.


"O caso de amor e ódio adquire especial interesse pela circunstância de que se recusa a ajustar-se a nosso esquema dos instintos. É impossível duvidar de que exista a mais íntima das relações entre esses dois sentimentos opostos e a vida sexual, mas naturalmente relutamos em pensar no amor como sendo uma espécie de instinto componente específico da sexualidade, da mesma forma que os outros que vimos examinando. Preferiríamos considerar o amor como sendo a expressão de toda a corrente sexual de sentimento, mas essa idéia não elucida nossas dificuldades e não podemos ver que significado poderia ser atribuído a um conteúdo oposto dessa corrente." As pulsões e seus destinos  (1915)

É impossível pensar somente no ódio como reverso do amor, pois além dele a indiferença, a insensibilidade que também podem ser avessos do amor. Por que será que pensamos no ódio como avesso do amor? (Talvez a resposta esteja na figura acima)

 Não há só amor no amor e nem só ódio no ódio. Esses afetos são partilhados.

Dois outros aspectos em relação ao amor:Amar a si próprio e ser amado representam ainda posições em relação ao amor relacionados ao narcisismo.Amar - ativo e ser amado - passivo.

Três polaridades psíquicas: 

Nossa atividade psíquica é dominada por três polaridades e suas antíteses:

  • Sujeito (eu) - Objeto (mundo externo),
  • Prazer - Desprazer, e
  • Ativo - Passivo.

A antítese Sujeito(eu)-objeto (externo) ocorre desde o princípio no organismo vivo: frente a qualquer estímulo externo o organismo se defende, já quando o estímulo é interno(do próprio organismo) e pulsional o organismo não consegue se defender pela via mais simples(fuga, estímulo motor). Essa antitese sujeito(eu) - objeto fornece o caráter dinâmico do aparelho psíquico.

O trabalho psíquico é movido também pela polaridade/antítese prazer-desprazer. A tentativa do aparelho psíquico de manter a tensão ao menor nível possível. Trata-se do ponto de vista econômico. 

A pulsão impõe pressão constante no aparelho psíquico, cuja meta é de satisfação de alguma parte do corpo. Frente a isso, pensamos sempre no caráter ativo do funcionamento. Em contrapartida, em relação a polaridade sujeito(eu)/objeto é passivo. Na medida que recebe estímulos, e ativa quando reage a eles. Enfim, as três polaridades se articulam com o intuito de manter a homeostase;

As polaridades/antíteses e o amor/ódio:

Apesar do amor e ódio se apresentarem numa total oposição. O ódio não é o avesso do amor, o ódio está relacionado ao desprazer vivido no organismo. O desprazer vivido em algum órgão trás o ódio.

Segundo Freud: "(...)pode-se afirmar que os autênticos modelos da relação de ódio não provém da vida sexual, mas da luta do Eu por sua conservação e afirmação." As pulsões e seus destinos  (1915)

O amor é oriundo da capacidade do eu em obter prazer auto-eroticamente. Amor e ódio são narcísicos, mas não são consequências um do outro. A partir da instauração do prazer advindo das sensações que isso proporciona, somos levados a ampliar nossas buscas, visando sempre prazer e repudiar o desprazer. Utilizando-nos destes primeiros objetos incorporados e marcados como referência.

A apropriação dos objetos pela via narcísica: eu/amor/prazer não se dá automaticamente, mas sim por estágios, são eles:

1. Incorporação/devoramento - apoderamento. É ambivalente pela própria natureza, ou seja apropria-se do objeto mesmo que este venha aniquilado/ destruído. Essa fase mal se distingue do ódio, no que diz respeito a destruição/aniquilação, o que importa é assimilar o objeto.

A inveja talvez seja um exemplo da articulação ódio/amor e narcisismo, porque por vezes vemos a pessoa tentar destruir aquilo que mais ama. Porque quer ser aquilo( só um sobrevive) que aquele que conquistou. Não é o objeto que se almeja, mas é quem conquistou. 

2. Apenas com a organização genital o amor se torna o contrário do ódio.

"O ódio, enquanto relação com objetos, é mais antigo que o amor. Provém do repúdio primordial do ego narcisista ao mundo externo com seu extravasamento de estímulos. Enquanto expressão da reação do desprazer evocado por objetos, sempre permanece numa relação íntima com os instintos autopreservativos, de modo que os instintos sexuais e os do ego possam prontamente desenvolver uma antítese que repete a do amor e do ódio. Quando os instintos do ego dominam a função sexual, como é o caso na fase da organização anal-sádica, eles transmitem as qualidades de ódio também à finalidade instintual."As pulsões e seus destinos  (1915)

A terceira antítese do amar é a transformação do amar, em ser amado. Que diz respeito a atuação da polaridade atividade e passividade.

"Podemos resumir dizendo que o traço essencial das vicissitudes sofridas pelos instintos está na sujeição dos impulsos instintuais às influências das três grandes polaridades que dominam a vida mental. Dessas três polaridades podemos descrever a da atividade-passividade como a biológica, a do ego-mundo externo como a real, e finalmente a do prazer-desprazer como a polaridade econômica." As pulsões e seus destinos  (1915)