PAULA ADRIANA NEVES COUTO
PSICANALISTA
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tel: (11) 9 7656-7297
Consultório: Av. Leôncio de Magalhães, 1138 - Jdim São Paulo
Próximo ao Metrô Jdim São Paulo
Freud tinha o desejo de expor e compartilhar suas ideias, e entre as várias obras
que escreveu para esse fim se destacam as Conferências introdutórias à psicanálise, publicadas em 1916-1917. Durante muitos anos deu
séries de conferências na Universidade de Viena, onde era “professor
extraordinário”, e resolveu publicar em livro a última dessas séries.
Essas conferências são divididas em três partes. Após capturar a atenção do leitor com a explicação
psicanalítica para fenômenos insólitos, mas comuns a todas as pessoas, que são
os atos falhos (na primeira parte) e os sonhos (na segunda), Freud expõe sua
abordagem das neuroses e apresenta a terapia psicanalítica (terceira parte).
Primeira
parte: Os atos falhos
Segunda
parte: Os sonhos
Terceira parte: Teoria geral das neuroses
- Iniciarei minhas leituras pela Conferência que aborda as neurose.
Conferência XVI – Psicanálise e Psiquiatria:
“Não desejo suscitar convicção;
desejo estimular o pensamento e derrubar preconceitos. Se, em decorrência da
falta de conhecimento do material, os senhores não estão em condições de emitir
um julgamento, não deveriam nem acreditar, nem rejeitar. Deveriam ouvir
atentamente e permitir que atue nos senhores aquilo que lhes digo. Não é tão
fácil adquirir convicções; ou se estas são alcançadas facilmente, logo se revelam sem valor e incapazes de
resistência. A única pessoa que tem o direito de possuir uma convicção é alguém
que, como eu, tenha trabalhado, por muitos anos, o mesmo material e que assim
agindo, tenha tido, por si próprio, as mesmas
e surpreendentes experiências. De que servem então, na esfera do
intelecto essas convicções súbitas essas
conversões-relâmpago, essas rejeições instantâneas? Não está claro que o ‘coup de foudre’, amor a primeira
vista, deriva de esfera bem diferente, da esfera das emoções? Nem mesmo dos
nossos pacientes exigimos que devem
convencer-se da verdade da psicanálise, no tratamento, ou aderir a ela. Tal
atitude frequentemente levanta nossas suspeitas. A atitude que neles achamos
mais desejável é a de um benévolo ceticismo. Assim,
também os senhores devem esforçar-se por deixar que os pontos de vista
psicanalíticos amadureçam tranquilamente nos senhores, junto com a visão
popular ou psiquiátrica, até surgir a oportunidade de ambas se influenciarem
reciprocamente, de uma competir com a outra e de se aliarem no rumo de uma
conclusão.” S. Freud. Conferências Introdutórias sobre a
Psicanálise. Conferência XVI – Psicanálise e Psiquiatria (1917)
O primeiro capítulo da
conferência XVI é justamente uma separação entre psicanálise e
psiquiatria. Qual a necessidade de diferenciar
a psicanálise e psiquiatria justamente quando Freud irá esmiuçar a neurose?
Talvez porque a neurose esteja na vida cotidiana, em nossas palavras óbvias e
em nossas repetições e o sintoma como
uma representação de todas essas coisas que precisam ser ditas. É difícil ouvir os pacientes com suas obviedades
e nos detalhes do dia a dia. Em relação à neurose existem diferenças
fundamentais entre psicanálise e psiquiatria: na constituição da própria
neurose, naquilo que é considerado sintoma e principalmente no manejo com os pacientes.
Freud construiu uma teoria calcado
no seu trabalho como clínico: “Por outro
lado, não devem, de modo algum, supor que aquilo que lhes apresento como conceito psicanalítico seja um sistema
especulativo. Pelo contrário é empírico
- seja uma expressão direta das
observações, seja um processo consistente em trabalha-las exaustivamente . Se
esse trabalho exaustivo foi executado de uma maneira adequada e fundamentada,
isto se verá no decorrer de futuros progressos da ciência, e realmente posso
afirmar, sem jactância , após um período de quase vinte e cinco anos e tendo
atingido uma idade razoavelmente avançada (60 anos), que essas observações são
o resultado de trabalho especialmente difícil, intensivo e aprofundado.
Frequentemente tive a impressão de que nossos opositores relutavam em levar em conta essas origem de nossas teses, como se
pensassem que se tratava apenas de noções determinadas subjetivamente, às quais
qualquer um podia opor outras, de sua própria escolha. Essa conduta dos nossos
opositores não me é completamente compreensível, Talvez se deva ao fato de que,
como médico, habitualmente se tem tão pouco contato com pacientes neuróticos e se presta tão pouca atenção ao que dizem esses
pacientes que não se pode . imaginar a possibilidade de que se possa derivar
algo de valioso de suas comunicações. – Isto é, a possibilidade de efetuar
acuradas observações a respeito delas.” .”
S. Freud. Conferências Introdutórias
sobre a Psicanálise. Conferência
XVI – Psicanálise e Psiquiatria (1917)
Freud construiu sua obra aos olhos de seus
leitores, não aguardou estar pronto para apresentar a psicanálise, assumiu o
risco de tempos em tempos revisá-la, construir, desconstruir e quando
necessário reconstruí-la. “Também posso declarar que, no transcorrer do meu
trabalho tenho modificado minhas opiniões em alguns pontos importantes tenho-as alterado e substituído por outras ,
novas – e, em todas essas ocasiões, naturalmente, tornei isso público. E o
resultado dessa sinceridade? Algumas pessoas jamais tomaram conhecimento de
quaisquer de minhas autocorreções, e continuam, até hoje, a criticar-me por
hipóteses que, para mim, há muito cessaram de ter o mesmo significado. Outros
me reprovam justamente por estas modificações e, por causa delas, consideram-se
indigno de confiança. (...).” S.
Freud. Conferências Introdutórias
sobre a Psicanálise. Conferência
XVI – Psicanálise e Psiquiatria (1917)
Até este momento a principal modificação de Freud em relação a
teoria psicanalítica foi o abandono da ideia de que a etiologia de neurose
seria um trauma concreto (teoria da sedução). Ao invés disso, Freud instituiu a
importância das fantasias , as pulsões e
a sexualidade na etiologia das neuroses. Esta mudança é fundamental a compreensão e estudo da psicanálise.
AÇÃO SINTOMATICA NAS NEUROSES:
ACASO – Será que existe algo que
ocorre ao acaso na neurose? Ou qualquer ato é intencional/tem causa? Todo ato
equivocado é um sintoma? Todo sintoma é uma doença? Como o psiquiatra percebe
esta cena? E o psicanalista?
Freud exemplifica a questão do
acaso e intenção através de um paciente que ao se deslocar da sala de espera à
sala de atendimento se equivoca e esquece a porta aberta. Tendo que o analista
solicitar ao paciente o fechamento da porta. Geralmente as salas de atendimento
têm uma acústica bem cuidada, onde manter a porta fechada é prioridade. Será
que o paciente mesmo sem querer teve a intenção de deixar a porta aberta? Sendo
isso, qual essa intenção? Ou foi um simples equívoco?
Será que para o psiquiatra esse equívoco é tido como um sinal? Ou
simplesmente obra do acaso?
Ao psicanalista quer dizer algo
do sujeito. “Assim a omissão do paciente
não é determinada pelo acaso ou por falta de propósito; e na realidade, ela não
é destituída de importância, pois conforme verificaremos, elucida a atitude do recém-chegado
para com o médico.” .” S. Freud. Conferências Introdutórias sobre
a Psicanálise. Conferência XVI – Psicanálise e Psiquiatria (1917)
Esse equívoco quer dizer algo
para o psicanalista: decerto tem um sentido, motivo, ou intenção, mas também é algo que o paciente não sabe de
si, mas que é particular e Inconsciente. Geralmente para o psiquiatra esse ato
é um simples equívoco.
RECORTE DE UMA SITUAÇÃO VIVIDA POR UM PACIENTE (EXEMPLO FORMULADO POR
FREUD):
Quem solicitou o atendimento:
Genro – jovem oficial de regresso a casa em período de breve licença. Paciente:
mulher de 53 anos que apesar de viver um momento feliz encontrava-se amargurada
por conta de uma ideia absurda.
Essa mulher vivia um casamento
feliz de trinta anos. Ela e o marido casaram-se por amor, suas duas filhas
também estavam casadas. O marido era um homem bom, fiel e próspero e ainda
mantinha-se trabalhando.
Determinado dia, essa mulher recebe
uma carta anônima, a qual acusava seu excelente marido de infidelidade com uma determinada
jovem. Apesar de acreditar que essa situação seria absurda e mentirosa, acreditou também no teor da carta e adoece de
ciúme. A mulher tem convicções opostas (Ideias contraditórias, mas que aparentemente
convivem conjuntamente). Como isso é possível?
CONSTRUÇÃO DA CENA:
Essa mulher tinha uma empregada
doméstica, com a qual conversava
bastante e contava suas intimidades. Essa empregada por sua vez tinha inimizade
com uma jovem, simplesmente porque essa outra havia prosperado na vida, diferente dela que
mantivera na mesma situação, empregada doméstica.
Um dia patroa e empregada estavam
conversando sobre a infidelidade de outro casal conhecido, quando a futura paciente de Freud, diz a sua empregada que o pior infortúnio que
poderia acontecer em sua vida seria a traição do marido.
No dia seguinte a patroa recebe uma carta anônima, onde o marido dela é
acusado de infidelidade justamente com a jovem odiada pela empregada. A partir disso, a patroa ligou os fatos demitindo
a empregada, mantendo a jovem acusada de
traição trabalhando. Entretanto a mulher mesmo que supostamente acreditando no
marido, por vezes acreditava na traição, e se via corroída de ciúmes daquela
jovem. Geralmente isso ocorria quando a encontrava na rua, ou alguém falava o
nome dela.
Ao que parece, a mulher acreditou
na traição do marido. Mesmo sabendo que isso seria impossível. Frase e situação
ambígua: como se acredita e se sofre por algo que se sabe que é impossível? Parece que essa mulher
construiu uma cena para sofrer.
Diante deste recorte Freud se
questiona: Qual a atitude que um psiquiatra adotaria neste caso? No caso do
paciente que deixa a porta aberta, ao psiquiatra isso seria obra do acaso, sem
intenção e sem interesse psicológico. No caso da mulher ciumenta esse
procedimento não poderia ser mantido porque há sofrimento dos envolvidos.
O psiquiatra começaria a
caracterizar o sintoma partindo de algum aspecto essencial. (A medicina parte
do sintoma):
A mulher atormentada por ciúme, a
ideia em si não é absurda, pois existem muitos homens que traem. Sendo assim, isso
não caracteriza o aspecto essencial de uma doença psíquica, porque este tormento
poderia ser vivido de fato.
Existe outro aspecto importante que talvez
possa ser essencial: essa mulher quando
recebeu a carta anônima sugerindo a traição do marido, o que ela faz? Manda a
empregada embora e mantém a jovem trabalhando na fábrica, enfim, demonstrando
que sabe da invenção. Entretanto continua sofrendo com esta estória inventada.
Delírio de ciúme: “Ideias
desse tipo, inacessíveis a argumentos lógicos baseados na realidade, são,
segundo o consenso geral, descritas como delírios. A boa senhora portanto, estava sofrendo de delírios de
ciúme. Este é, sem dúvida, o aspecto essencial deste caso mórbido.“ .” S.
Freud. Conferências Introdutórias
sobre a Psicanálise. Conferência
XVI – Psicanálise e Psiquiatria (1917)
Qual a leitura do psiquiatra diante
do delírio? O delírio não cessa mediante referências da realidade. O delírio não
surgiu da realidade. O que é o delírio? O delírio pode ter diversos conteúdos,
por que neste caso o delírio foi de ciúme?
Frente a essas questões o
psiquiatra investigaria a história familiar da paciente buscando antecedentes
do distúrbio psíquico em outros familiares (predisposição hereditariedade). A
partir da hipótese da transmissão hereditária: Será que esse problema (delírio)
surgiria de qualquer maneira nesta mulher? Ou seria um capricho, ou “birra”? Ou
ainda, caso não houvesse antecedentes familiares da doença, ocorreria o
delírio? Enfim, o psiquiatra frente a um caso como este se contenta em fornecer
diagnóstico e prognóstico incerto. Isso daria conta de sanar o mal estar desta
paciente? Qual o manejo do psiquiatra diante do delírio?
“Pode a psicanálise ir além, em
um caso destes? Sim, ela realmente pode. Espero conseguir mostrar-lhes que,
mesmo num caso assim, tão difícil de abordar, ela pode descobrir algo que
possibilite uma primeira compreensão. E antes de mais nada, eu atrairia a
atenção dos senhores para o detalhe notório de que a própria paciente positivamente
provocou a carta anônima, tendo, agora, dado apoio a seu delírio, ao informar à
empregada intrigante, no dia anterior, que lhe causaria a maior infelicidade se
seu marido tivesse um caso amoroso com uma jovem.” .” S.
Freud. Conferências Introdutórias
sobre a Psicanálise. Conferência
XVI – Psicanálise e Psiquiatria (1917)
- A patroa incute na empregada à ideia de enviar a carta anônima.
- A ideia do delírio já estava presente independente da carta anônima. Na forma de medo de ser traída. Freud ainda coloca: medo ou desejo de ser traída ou trair?
Freud acrescenta outras indicações após duas sessões analíticas:
“A paciente, na realidade,
conduziu-se de maneira bastante não cooperativa quando, após haver contado sua
história. Perguntei-lhe por seus outros pensamentos, ideias e lembranças. Disse
que não lhe ocorria nada à mente, que já me havia dito tudo; e depois de duas
sessões, a tentativa de tratamento
comigo realmente teve que ser interrompida, pois declarou que já se sentia bem
e estava segura de que a ideia patológica não retornaria. Naturalmente ela
disse isto apenas devido à sua resistência e ao receio da continuação da
análise. Não obstante, durante essas duas sessões, fez algumas observações que
permitiram, e realmente exigiram, uma interpretação especial; e essa
interpretação lançou viva luz sobre a gênese de seu delírio de ciúme.” .” S.
Freud. Conferências Introdutórias
sobre a Psicanálise. Conferência XVI
– Psicanálise e Psiquiatria (1917)
Essa mulher estava apaixonada por
um homem jovem, o genro que a trouxe
para análise. Ela mesma não tinha noção de que estava apaixonada por este
homem, essa afeição se disfarçava pelo fato de serem familiares. A possibilidade
de sentir ou viver esta paixão era inadmissível a consciência, permanecendo
inconsciente, mas pressionando á
advir.
O alívio encontrado surgiu na
construção do delírio de ciúme (deslocamento): Ao invés dela viver está paixão
com um homem mais jovem, o seu marido a trai com uma jovem. De alguma maneira,
pelo menos do ponto de vista moral ela resolve sua dor. Não só ela é infiel, mas seu marido também é.
“A fantasia da infidelidade de
seu esposo agiu assim como uma compressa fria em sua ferida ardente. O amor que
ela própria abrigava não se lhe tornara consciente; porém, seu reflexo especular, que lhe deu tal vantagem, agora se tornou
consciente como uma obsessão e um delírio.” . S. Freud. Conferências Introdutórias
sobre a Psicanálise. Conferência
XVI – Psicanálise e Psiquiatria (1917)
“Naturalmente nenhum argumento em contrário podia surtir qualquer
efeito, pois o argumento era dirigido contra a imagem especular, e não contra a
imagem original que deu à outra sua força e que permanecia oculta, inviolável,
no inconsciente.” . S. Freud. Conferências Introdutórias sobre
a Psicanálise. Conferência XVI – Psicanálise e Psiquiatria (1917)
Baseado nas indicações acima é
possível chegar a algumas constatações:
O delírio tem um sentido e motivos fundamentais. Ajustou-se
ao contexto de uma experiência emocional da paciente.
O delírio tem serventia – como
reação a um processo psíquico inconsciente. Esse delírio é uma espécie de
consolação, de alguma forma foi almejado.
Entretanto Justamente por conta dos aspectos inconscientes,
o uso da lógica, de dados da
realidade não causam efeitos.
No caso desta paciente, o fato de ser um
delírio de ciúmes foi determinado pela experiência que esta por trás da doença.
A própria paixão pelo genro, as triangulações
envolvidas e a maneira como essa mulher lida com seus afetos, investimentos e
fantasias são resultados da neurose.
Em relação aos dois saberes:
existe algum sinal de contradição ou oposição
entre a psiquiatria e a psicanálise? Saberes diferentes, mas que
aparentemente não se opõe.
Segundo Freud: “A psiquiatria não
emprega os métodos técnicos da psicanálise; toca superficialmente qualquer
inferência acerca do conteúdo do delírio, e ao apontar para a hereditariedade,
dá-nos uma etiologia geral e remota, em vez de indicar, primeiro, as causas
mais especiais e próximas. Mas existe uma contradição uma oposição nisso? Não é
o caso de uma suplementar a outra? O fator hereditário contradiz a importância
da experiência? Ambas as coisas não se combinam da maneira mais efetiva? Os
senhores não existir nada na natureza do trabalho psiquiátrico que possa
opor-se à investigação psicanalítica. O que se opõe à psicanálise não é a
psiquiatria, mas os psiquiatras. A psicanálise relaciona-se com a psiquiatria aproximadamente
como a histologia se relaciona com a anatomia: uma estuda as formas externas
dos órgãos, a outra estuda sua estruturação em tecidos e células. Não é fácil
imaginar uma contradição entre essas duas espécies de estudo, sendo um a
continuação do outro. Atualmente, como sabem, a anatomia é considerada por nós
como fundamento da medicina científica. Houve, todavia, época em que era tão
proibido dissecar um cadáver humano, a fim de descobrir a estrutura interna do
corpo, como hoje (1916) parece ser o exercício da psicanálise, esclarecer
acerca do mecanismo interno da mente. É de se esperar que, em futuro não muito
distante, perceber-se-á que uma psiquiatria cientificamente fundamentada não
será possível sem um sólido conhecimento dos processos inconscientes profundos
da vida psíquica.” .” S. Freud. Conferências Introdutórias sobre
a Psicanálise. Conferência XVI – Psicanálise e Psiquiatria (1917)