quarta-feira, 22 de julho de 2015

Sobre a morte e morrer: Capítulos 6/7 do texto "Além do Princípio do Prazer." - S. Freud (1920)

Os capítulos 6 e 7 do livro: “Além do princípio do prazer” de S. Freud são riquíssimos. 

O autor utiliza-se da biologia e por vezes a filosofia para teorizar sobre as pulsões de vida e morte compulsão a repetição e o princípio do prazer.  
No texto, Freud aborda a morte sob diversas perspectivas, sempre  em relação a vida:
A imortalidade -  a eternidade -  vida sem a morte;
A mortalidade -  vida e morte complementares;
A morte e o morrer, sendo a primeira como algo imediato e o morrer como algo diário e constante e;
Finalmente as pulsoes de vida e morte: tempo singular das coisas vividas. Temos uma centelha de vida todos os dias e a constância da morte a cada final de hora.

Por ser um texto trabalhoso que exigiu enorme atenção, escolhi percorrê-lo quase parágrafo a parágrafo:

"Até este momento, nossa conclusão é de que uma forte oposição entre as "pulsões do Eu", que impelem em direção a morte, e as pulsões sexuais, que impelem para a continuidade da vida: contudo, em diversos aspectos, esse resultado nos parece pouco satisfatório e a ele se acrescenta ainda mais uma dificuldade.Se, de acordo com a nossa hipótese, as pulsões do Eu originam-se de uma vivificação da matéria inanimada e visam restaurar de novo o estado inanimado, então em rigor, somente a essas pulsões poderíamos atribuir o caráter conservador - ou melhor, regressivo - que havíamos afirmado derivar de uma compulsão á  repetição inerente a todas as pulsões." S. Freud. "Além do Princípio do Prazer." (1920)

Existe  dualidade entre as  pulsões sexuais (vida) e as pulsões do Eu (morte) . Será que vida e morte se opõe? Ou vida e morte se complementam? Parte de nós a partir da pulsões de vida, investem nos objetos, na reprodução e na união, enquanto outra parte guiada pela pulsões de morte visam retornar a um estado anterior - ao nada.(retorno ao inanimado).

A compulsão à repetição é característica da pulsão: como explicá-la nas pulsões de vida, onde a própria ideia da repetição parece contraditória? Contraditória porque a reprodução sexual por si só visa novas sensacoes, um novo ser, e isto parece estar longe da repeticao.

"Entretanto no que tange às pulsões sexuais, observa-se com clareza que elas reproduzem os estados primitivos dos seres vivos, e a meta que almejam alcançar por todos os meios é a fusão de duas células germinativas já diferenciadas entre si em determinados aspectos; porém se essa união não ocorre, a célula germinativa morre, assim como todos os outros elementos do organismo multicelular. Portanto, somente  sob a condição de que essa união ocorra é que a função sexual pode prolongar a vida e conferir-lhe a aparência da imortalidade. Ou seja, no tocante às pulsões sexuais, a dificuldade adicional reside na pergunta: qual poderia ser o evento importante, outrora ocorrido no curso do desenvolvimento da substância viva, que estaria agora sendo repetido por meio da reprodução sexuada ou por meio de sua fase preliminar, que no caso dos protistas é constituída pela cópula de dois indivíduos. Na verdade, não sabíamos responder a essa questão, e por isso seria um grande alívio se toda a nossa construção conceitual se mostrasse por fim equivocada. Nesse caso, cairia então por terra a oposição entre as pulsões do Eu (de morte) e pulsões sexuais (vida), e, com isso, também a compulsão à repetição perderia a importância que lhe havíamos atribuído." S. Freud. "Além do Princípio do Prazer." (1920) 

Como até este momento, não há qualquer explicação sobre a compulsão à repetição na pulsão de vida, Freud escolhe um novo caminho a percorrer ao articular: - Pulsões de vida e morte e a  mortalidade. Os organismos vivem determinados períodos e morrem naturalmente. Sendo assim vida e morte são inerentes a qualquer organismo. 

Será que existem seres eternos que não morrem? A mortalidade é uma certeza?

Weismann 

Pesquisador que investigou as questões sobre a duração da vida e da morte dos organismos. Uma parte da substância viva está submetida a morte, ao retorno a um estado anterior, enquanto outra parte está voltada a reprodução, ao novo (transmissão de si a outras gerações). Enfim existe algo que é mortal (repetição do mesmo) e algo imortal. (reprodução de algo novo sob à referencia do antigo). Até este ponto é uma concepção semelhante a de Freud sobre as pulsões. 

Para este autor a morte é uma aquisição tardia aos organismos vivos. A principio éramos imortais. Uma parte de nós é mortal e outra parte é imortal.

A morte como recurso funcional ao organismo, surgido só depois, com o advento da reprodução. Por que o advento da morte a partir da possibilidade da reprodução? A reprodução como algo que transmite os caracteres hereditários por gerações, possibilitando a imortalidade parcial de cada ser, mas também é o que trouxe a possibilidade da morte. Os organismos são imortais a partir dos seus descendentes, uma imortalidade parcial.

Existem diferenças entre as concepções da morte e de pulsão de morte: 

A morte - algo natural - degeneração, envelhecimento e falência - imediata. Pulsão de morte - constante - tentativa do organismo de um retorno ao inanimado --> algo em nós que pulsa para a morte. É possível pensar na morte sem a vida? ou na vida sem a possibilidade do morrer? 

Alguns autores, e algumas concepções sobre a morte e o morrer: a vida sem a morte - imortalidade e a morte sem a vida - inanimado

Goethe(1883): a morte como consequência direta da reprodução. A reprodução traz a possibilidade de se obter várias gerações de uma mesma coisa, de contar o tempo. Para Hartmann a morte não necessita de um corpo: morte como a "conclusão do desenvolvimento individual". No caso dos protozoários a reprodução coincide com a morte.  Woodruff, pesquisador americano, que comprovou a imortalidade da substância viva  nos animais unicelulares. Demonstrando a imortalidade do ser através das gerações. A imortalidade através dos descendentes. Do ponto de vista destes autores, até mesmos os seres vivos mais simples a imortalidade só é possível parcialmente.

" (...) Ou seja, as forcas pulsionais que conduzem a vida para a morte também poderiam estar operando nos protozoários desde o inicio e seu efeito poderia estar tão encoberto pelas forcas conservadoras da vida que seria muito difícil prova-lo diretamente. Além disso, pelo que sabemos, as observações dos biólogos permitem supor que mesmo entre os protistas existam processos internos que conduzem a morte. Mas, ainda que os protistas se provassem imortais no sentido de Weismann, sua afirmação de que a morte e uma aquisição tardia seria válida apenas no que tange ao sinais visíveis da morte, e não inviabilizaria nenhuma hipótese sobre os processos inerentes que pressionam para a morte. Portanto, nossa expectativa de que a biologia refutasse a existência das pulsões de morte não se realizou, e podemos continuar nos interrogando sobre a possibilidade da existência da pulsão de morte." S. Freud. "Além do Princípio do Prazer." (1920) p. 170
Weismann  faz uma divisão entre o soma e as células germinativas, segundo Freud esta divisão seria análoga as duas concepções de pulsão de morte e de vida:

Células somáticas (do grego σωματικός: sōmatikós, significado: corporal)1 são quaisquer células responsáveis pela formação de tecidos e órgãos em organismos multicelulares2 . Esta classificação engloba todas as células diplóides do corpo humano (inclusive aquelas que não formam tecidos, como as células imunológicas), que se replicam apenas por processo de mitose e que, portanto, não estão envolvidas diretamente na reprodução3 (ver células germinativas).

Nos organismos multicelulares, as células germinativas são células que podem dar origem aos gâmetas, no caso dos animais, o espermatozoide e o óvulo.1
Em muitos animais, incluindo a Drosophila, as células germinativas primordiais diferenciam-se nas primeiras fases de desenvolvimento do embrião, migram para a região onde se formarão as gónadas e iniciam o processo da gametogénese. Nas plantas, elas só se diferenciam, a partir de células meristemáticas durante o desenvolvimento dos órgãos sexuais, como a flor, nas angiospérmicas.

E. Hering  fala sobre dois processos opostos em ação constantemente nas substâncias vivas: 
A. Construtivo/ assimilatório 
B. Demolidor/dissimilatório.

Schopenhauer(filósofo): a morte como consequência da vida, ou seja, vida e morte se complementam. Dois processos podem ao mesmo tempo se opor e se complementar? Ou seja, a morte como meta final da vida.

"Devemos ousar identificar nessas duas orientações dos processos vitais as nossas duas moções pulsionais, as pulsões de vida e as pulsões de morte? Mas há outra coisa que não podemos ignorar: sem percebermos, aportamos na filosofia de Schopenhauer, para quem a morte seria: "o resultado propriamente dito" da vida e, nesse sentido, sua finalidade, enquanto a pulsão sexual seria a encarnação da vontade de viver. " 
S. Freud. "Além do Princípio do Prazer." (1920) p. 171

"Nesta acepção, cada célula ajudaria a preservar a vida das outras, de modo que a comunidade celular poderia continuar a viver mesmo que algumas células individuais precisassem morrer. Sabemos também que a cópula, isto é, a fusão temporária de dois organismos unicelulares, os mantém vivos e os rejuvenesce. Sendo assim, poderíamos tentar transpor a teoria psicanalítica da libido para a interação entre as células." S. Freud. "Além do Princípio do Prazer." (1920)

"Imaginemos então que as pulsões de vida ou pulsões sexuais atuantes em cada célula tomam as outras células  como objeto e, em parte, neutralizam suas pulsões de morte, isto é, neutralizam os processos que as pulsões de morte desencadeiam nessas células, logrando assim, mante-las vivas. Enquanto isso, outras células, por sua vez, fazem o mesmo pelas primeiras. Entretanto, algumas outras células se sacrificam para exercer essa função libidinosa. Quanto as células germinativas, estas adotariam uma conduta absolutamente "narcísica", para utilizar a expressão que empregamos na teoria da neurose ao descrevermos um indivíduo que retém sua libido no Eu  e que não gasta nenhuma porção dela em investimentos objetais.  As células germinativas precisam guardar para si mesmas uma reserva de sua libido - a atividade de suas pulsões de vida - para utilizá-la posteriormente em sua grandiosa atividade de construção. " S. Freud. "Além do Princípio do Prazer." (1920)

Um grupo de células cuida da preservação do próprio organismo, enquanto outro grupo é responsável pela reprodução. As células que trabalham no sentido da preservação: armazenam libido em si. Freud as chama de narcísicas (analogia com a libido investida no Eu).
Apesar de Freud tentar fazer uma analogia entre psiquismo e a biologia, ao que parece, no campo da biologia cada célula tem função específica. No psiquismo as coisas não acontecem desta maneira: há oposição e há conflito. Em relação à libido, e as pulsões, parece que existe um movimento dialético: quanto mais a libido é investida no objeto, menos se investe no eu e vice e versa.

Segundo Freud  os primeiros investimentos de libido seriam direcionados ao eu, com o intuito da autoconservação e formação do Eu/corpo. Até porque o corpo do bebê é libidinizado por alguém.

Qual a função da libido que permanece investida no eu e não nos objetos após a constituição? Em que momento a libido é voltada aos objetos?

Fome e amor foram os primeiros elementos utilizados para articular libido e pulsão. Ambos fundamentais à nossa humanidade.  Se não nos alimentarmos morremos, e sem amor não nos humanizamos.

Amor no sentido mais radical (se isto existir),  das relações primordiais com o outro, nosso semelhante que nos nutriu com alimento e amor. Essas relações primordiais deixam rastros, que são  demonstrados nas psiconeuroses

A teoria das pulsões trouxe desde os primórdios a diferença entre: pulsão e instinto. Nós humanos somos pulsionais, não somos instintuais. E isso faz toda a diferença.

No instinto há um objeto especifico de satisfação. A reprodução dos animais é calcada numa determinacao biológica.  Os animais geralmente não escolhem seus parceiros.  Nós humanos somos pulsionais. Há um curto circuito em relação a articulação  amor, necessidade e desejo. Nossa satisfação é sempre parcial, somos seres sexuais, escolhemos nossos parceiros. Do nosso próprio jeito de dizer: "fazemos amor", quando fazemos sexo. Sera que fazemos sexo ou amor? Ou as duas coisas, ou nenhuma das duas opcoes?    Cada qual exercita sua sexualidade ou encontra prazer de uma maneira singular. É impossível falarmos de sexualidade humana de uma maneira simples e direta.

Freud após falar da libido e pulsão, propõe um retorno às formulações do eu.  (Neste ponto fico muito confusa em relação a articulação libido e eu, porque não consigo articular esses dois elementos.)

O eu nos primórdios da psicanálise era uma instância protetora do mundo exterior (formações reativas) e do próprio psiquismo  do sujeito (recalque,  censura). A libido em alguns momentos era a energia utilizada nos investimentos objetais, mas tambem podia ser reinvestida pelo eu, num movimento de introversão. Freud para resolver a questão da introversão da libido afirma: o Eu é também um objeto sexual, o mais importante deles. 

"Avançando de modo bem mais lento e ponderado, a investigação psicanalítica pôde constatar com que frequência e regularidade a libido era retirada do objeto e dirigida ao Eu (introversão);  e estudando as primeiras fases do desenvolvimento da libido infantil a psicanálise concluiu que o Eu constituía o verdadeiro e original reservatório da libido. Para chegar até o objeto, teria de partir desse reservatório.” S. Freud. "Além do Princípio do Prazer." (1920)

O reservatório da libido é o Eu? Nota de rodapé: "Esta hipótese é apresentada em pormenor no trabalho de Freud sobre o narcisismo (1914),, também sua posterior nota de rodapé no capítulo III de Eu e o Isso 1923b), na qual essa afirmação é corrigida, e em seu lugar o Isso é descrito como "o grande reservatório da libido." S. Freud. "Além do Princípio do Prazer." (1920)

A libido investida no eu era denominada libido narcísica, apesar de ser a mesma libido investida nos outros objetos. Se o Eu é também um objeto sexual, como explicar a diferenciação entre as pulsões do eu e as pulsões sexuais? Como explicar a oposição nas pulsões? E o que dirá do conflito pulsional na neurose? 

Sobre isso Freud diz: "Com isso a primeira oposição que havíamos suposto existir entre as pulsões do eu e as pulsões sexuais tornou-se uma hipótese insatisfatória. Reconheceu-se que uma parte das pulsões do Eu era de natureza libidinal, e provavelmente haveria também pulsões sexuais, além de outras, agindo no interior do Eu. Todavia, ainda assim justifica-se que mantenhamos nossa formulação de que a psiconeurose essencialmente consiste em um conflito entre as pulsões do Eu e as pulsões sexuais. " S. Freud. "Além do Princípio do Prazer." (1920)

Freud diante destas constatações, conclui que a oposição e o conflito existente entre as pulsões são do ponto de vista tópico. Antes o conflito era do ponto de vista dinâmico ou econômico? O que significa o conflito existente na neurose de transferência ser do ponto de vista tópico? O adoecimento do sujeito é resultado do conflito existente entre as instâncias(pcs/cs e Ics) e nao entre as pulsoes.

"Portanto, agora que ousamos dar esse passo, mas do que nunca se torna necessário acentuar o caráter libidinal das pulsões de autoconservação. É preciso identificar a pulsão sexual com Eros - que tudo preserva - e concluir que a libido narcísica do Eu nasce dos estoques da libido utilizadas pelas células somáticas para aderirem umas às outras. Mas, por outro lado, se seguirmos esse caminho, veremos que de imediato se nos colocará a seguinte questão: se as pulsões de autoconservação também são de natureza libidinal, talvez não exista nenhuma outra pulsão que não seja libidinal. Ou ao menos não conseguimos imaginar nenhuma outra. E concluiremos então que temos de dar razão aos críticos, que desde o início achavam que a psicanálise explicava tudo pela sexualidade, bem como concordaremos com os inovadores, como Jung, que não hesitaram em utilizar o termo libido no sentido de "força pulsional" em geral. Ou não é este o caso? S. Freud. "Além do Princípio do Prazer." (1920)
p.173

As pulsões são de natureza libidinal,  há  uma única libido a serviço das pulsões, inclusive às pulsões de autoconservação. 

As pulsões sexuais são as pulsões de vida que visam se juntar, que investem nos objetos com o sentido da vida/viver. Enfim, de modo geral, a libido é a força pulsional.  Freud mantém a ideia da dualidade pulsional entre pulsão de vida e de morte. Se ha uma libido, ou mais ,parece que isso ficou em aberto neste momento. Talvez isso nao tenha relevancia.  

Freud aborda em seguida a questão do amor e ódio, parece que com o intuito de “juntar” as duas pulsões: no amor há ódio e na vida há morte. Como ocorre o funcionamento das pulsões de vida/morte em relação ao amor (ternura)/ódio (agressão)?

O amor deriva do ódio, e o ódio deriva do amor. Existem componentes sádicos na pulsão sexual (Três ensaios sobre a teoria da sexualidade 1905). Nem só agregar cabe a pulsão sexual. Os componentes sádicos trazem um tom de agressividade aos investimentos objetais. E esses componentes de agressividade podem se tornar constantes, num sujeito, na forma do par masoquismo/sadismo. Ou seja, uma pulsão pode ter funções/componentes opostos. Se não há função definida entre as pulsões de vida e morte, o que dá o tom de agressão  ou de agregar na pulsão de vida?

"Como podemos derivar de Eros, cuja meta é conservar a vida, uma pulsão sádica que visa a prejudicar o objeto? Não seria  sugestiva a ideia de que em verdade esse sadismo seria a pulsão de morte que a libido narcísica logrou afastar do eu de modo que essa pulsão de modo que essa pulsão só consegue manifestar-se no objeto?"
S. Freud. "Além do Princípio do Prazer." (1920) p. 174 - 175

Freud diz que a princípio  um quantum de agressividade voltado para o EU, é projetado ao objeto, numa medida de proteção. A posteriori com uma função sexual. 

"Sabemos que na fase de organização oral da libido o apoderamento do objeto amoroso e o aniquilamento do objeto ainda coincidem."  Há uma ideia de que o bebê frente ao seio materno, ama tanto que quer destruí-lo/comê-lo/desintegrá-lo. (sobre o Narcisismo).  "Posteriormente a pulsão sádica se tornaria então autônoma e, por fim, na fase em que se instala o primado genital com a finalidade de reprodução, a pulsão sádica assumiria uma função que se faz necessária para a realização do ato sexual: enfrentar e lidar com o objeto sexual. De fato, poderíamos dizer que foi o sadismo anteriormente expulso do Eu que indicou aos componentes libidinais da pulsão sexual o caminho em direção ao objeto. Só depois disso é  que esses componentes  poderiam seguir em direção ao objeto. Nos casos  em que o sadismo original não foi mitigado ou fusionado a outros elementos, veremos instaurar-se na vida amorosa a conhecida ambivalência amor-ódio."

O ódio advém do amor ou o amor advém do ódio? Ou são os mesmos elementos? Amor e ódio são nuances de uma mesma coisa, em relação a determinado objeto? 

Sobre o par masoquismo/perversão: "Naquela época, as observações clínicas nos impuseram a conclusão de que o masoquismo, que é uma pulsão parcial complementar do sadismo, devia ser entendida como um redirecionamento do sadismo contra o próprio eu. “(Pulsões e seus destinos. 1915)

Par de opostos: sadismo e masoquismo e o voyerismo e exibicionismo

O masoquismo na realidade é o sadismo que retorna em direção ao próprio eu do indivíduo, O masoquista  se posiciona de uma maneira passiva. 

1.SÁDICO: agride, atormenta (ATIVA)
2.O objeto é abandonado e substituído pelo eu do indivíduo. Com o retorno em direção ao eu.


3.MASOQUISTA: (REFLEXIVO) se posiciona de maneira que atraia para si um SÁDICO para atormenta-lo, agredí-lo (PASSIVA)




Apesar do movimento ser em relação ao mesmo sujeito, quando o investimento é no EU ou quando o investimento é no OBJETO, parece que existe algo que se altera quando o investimento é para um ou pra outro. Essa mudança é em relação a pulsão? Ou em relação a libido? Ou em relação ao posicionamento ativo/passivo? 

"O masoquismo ou o redirecionamento da pulsão contra o próprio eu, seria então, na realidade um retorno a uma fase anterior dessa pulsão, ou seja, uma regressão. Entretanto um ponto a formulação sobre o masoquismo que apresentamos àquela deveria ser corrigido por se mostrar demasiado limitadora, ou seja, além do masoquismo  secundário que retorna ao Eu, poderia também existir um masoquismo primário que emana do Eu, embora naquele momento eu tenha contestado essa possibilidade."
S. Freud. "Além do Princípio do Prazer." p. 175

O masoquismo primário seria a posição inicial ao invés de sadismo? 

1. Masoquismo - investimento é no eu 
2. Sadismo - investimento é no objeto
3. regressão ao eu (Pulsão de morte) Masoquismo de novo

O que seria o  masoquismo primário e secundário?  É possível pensar num retorno a um estado anterior...masoquismo como ação da pulsão de morte ? E as pulsões de vida, neste caso estariam a serviço da pulsão de morte? 

Em que condições as pulsões sexuais conservam a vida, já que a tendência é a morte? A pulsão de vida não conserva, ela funciona como um start/impulso/centelha à vida.

A pulsão de vida é como uma centelha e a pulsão de morte é uma tendencia á toda substância viva.  A fim de comprovar essa afirmativa, Freud novamente se utiliza da biologia: "Mas a questão é como a fusão de duas células apenas levemente diferentes pode produzir essa renovação da vida. Uma resposta mais segura advém do experimento que substituiu a cópula dos protozoários pela ação dos estímulos químicos ou mesmo mecânicos, diremos que esse resultado se produz pelo acréscimo de novas quantidades de estímulos. Isto está em perfeita sintonia com a suposição de que por razões internas o processo vital do indivíduo leva a um nivelamento das tensões químicas, isto é, à morte, ao passo que a união com uma substância viva heterogênea aumenta essas tensões químicas aumenta essas tensões, introduz outras diferenças vitais, que depois precisam ser exauridas através dos processos vitais.  Para que essa heterogeneidade seja operante, deve naturalmente haver um ou diversos níveis ótimos. Nesse sentido um dos motivos mais fortes para acreditarmos na existência das pulsões de morte  reside em nossa concepção de que a tendência dominante da vida psíquica, ou talvez da vida nervosa em geral, seja, tal como o expressa o princípio de prazer, o anseio por reduzir, manter constante e suspender a tensão interna provocada por estímulos (o princípio de Nirvana).
S. Freud. "Além do Princípio do Prazer."  p. 176

Não tenho medo da morte
Gilberto Gil

Não tenho medo da morte
mas sim medo de morrer
qual seria a diferença
você há de perguntar
é que a morte já é depois
que eu deixar de respirar  morrer ainda é aqui
na vida, no sol, no ar
ainda pode haver dor
ou vontade de mijar

a morte já é depois
já não haverá ninguém
como eu aqui agora
pensando sobre o além
já não haverá o além
o além já será então
não terei pé nem cabeça
nem figado, nem pulmão
como poderei ter medo
se não terei coração?

não tenho medo da morte
mas medo de morrer, sim
a morte e depois de mim
mas quem vai morrer sou eu
o derradeiro ato meu
e eu terei de estar presente
assim como um presidente
dando posse ao sucessor
terei que morrer vivendo
sabendo que já me vou

então nesse instante sim
sofrerei quem sabe um choque
um piripaque, ou um baque
um calafrio ou um toque
coisas naturais da vida
como comer, caminhar
morrer de morte matada
morrer de morte morrida
quem sabe eu sinta saudade
como em qualquer despedida

É possível pensar o morrer como fazendo parte da vida diária. É possível pensar no humano tentando retornar a um tempo de inércia, numa tentativa de reencontro com algo supostamente pleno ou ainda manter as coisas como estão. Entretanto é inviável pensar que isto que se repete é exatamente o momento de sofrimento, no tempo de dor.  Como relacionar a pulsão de morte ao tempo de sofrência? 

Freud continua a se questionar: se a repetição é característica geral das pulsões, onde está a repetição na pulsão de vida?  O desenvolvimento das substancias vivas pode ser considerado uma repetição da própria origem da vida? 

 "O sexo então não seria muito antigo, e as pulsões extraordinariamente intensas que buscam promover a união sexual estariam apenas repetindo algo que aconteceu uma vez acidentalmente e que se consolidou desde então por trazer vantagens." S. Freud. "Além do Princípio do Prazer."  p. 177.

Freud recorre a filosofia de Platão para explicar a questão da repetição na pulsão: a necessidade de restabelecer um estado anterior.  Mito desenvolvido no Simpósio por intermédio de Aristofanes.

"No inicio, nosso corpo não era formado como agora; era totalmente diferente. De inicio havia três sexos, não como agora, somente masculino e feminino, mas ainda um terceiro que unia ambos, o sexo masculino-feminino (...)  Porém, tudo nesses seres humanos era duplo, eles tinham, portanto, quatro mãos e quatro pés, dois rostos, dois órgãos genitais, etc. Então Zeus decidiu dividir cada ser humano em duas partes, "como se cortam marmelos para fazer confeito (...). Estando agora o ser inteiro cortado em dois, a saudade impeliu (trieb) as duas metades se juntaram: elas se abraçaram com as mãos, enlaçaram-se uma à outra no desejo de fundir-se em um só ser....(...) S. Freud. "Além do Princípio do Prazer." p177

As substâncias vivas a princípio rompidas em pequenas partículas anseiam reunir-se novamente através das pulsões sexuais?  

Na realidade a tentativa de retorno/regressão a um estado anterior, ao inorgânico não é prerrogativa das pulsões, mas é algo universal. 

Cap VII

Ainda falta determinar a relação existente entre os processos pulsionais de repetição e a soberania do principio do prazer. Será que manter a tensão o mais baixo possível (soberania do Princípio do prazer), não se trata de repetição?

Uma das funções do Aparelho psíquico é capturar e atar (binden) as moções pulsionais que chegam a ele, com o objetivo de transformar o processo primário em secundário, que consiste em transformar a carga de investimento livre/móvel em carga de investimento em repouso/tônica. 

Caso houvesse de fato a soberania do princípio do prazer, não haveria desprazer, entretanto não é bem assim que as coisas acontecem. 

Aparelho psíquico
à desprazer à aumento de tensão à Ação Princípio do prazer.

Existem situações que:  

Processos primário/secundário à Aparelho psíquico à desprazer à aumento de tensão à não suspende a ação do principio do prazeràmanutenção do desprazer.

Esse desprazer não causa aumento de tensão? Esse desprazer é bem vindo?  Ou esse desprazer é sentido como prazer? 

Funções do aparelho psíquico: 

Manter a tensão o mais baixo possível - Soberania do princípio do prazer

Capturar/atar cargas de investimentos livres móveis e transformá-la em cargas de investimento (pulsões) em repouso. (transformação do processo primário em secundário).

Essas duas funções no aparelho psíquico são discordantes,pois a transformação das cargas de investimento causam desprazer e consequentemente aumento de tensão no aparelho psíquico.  Isso não significa que o princípio do prazer é suspenso, essa transformação assegura a soberania do Princípio do prazer. Sendo assim o aparelho psíquico suporta o desprazer. Qual a medida do desprazer suportado no aparelho psíquico? 

Partindo desta aparente discordância no aparelho psíquico entre a produção de desprazer na transformação entre processos primário e secundário e a  manutenção da tensão ao mais baixo possível, Freud fala da diferença entre função e tendência: "O Princípio do prazer é uma tendência que está a serviço de uma função" (p.180)

 A função do princípio do prazer é tornar o aparelho psíquico inteiramente livre da excitação, ou manter a tensão o mais baixo possível ou ainda manter a excitação constante e a tendência "trabalhando" no sentido desta função. Essa função vai de encontro àquela dita anteriormente: retorno ao inorgânico, inércia...Freud diz também de algo que causa uma enorme excitação, para "só depois" regredir ao nada, a baixa excitação...

"Também sabemos que o maior prazer que podemos atingir, o do ato sexual, esta ligado a uma extinção momentânea de uma excitação que havia sido intensificada ao máximo. Igualmente já afirmamos acima que a captura e enlaçamento da moção pulsional é uma função preparatória que visa a providenciar a eliminação definitiva da excitação no fluxo do prazer durante o processo de escoamento(abfuhr) dos estímulos acumulados. " S. Freud. "Além do Princípio do Prazer. (1920)"

No próprio aparelho psíquico é "produzido" um aumento de excitação, para "só depois" diminuir essa tensão ao mais baixo possível. 

As cargas de investimentos livres/móveis próprias ao processo primário causam no aparelho psíquico maior carga de excitação do que as cargas de investimentos em repouso/tônicas (processo secundário). O processo primário produz sensações mais intensas, que aqueles oriundos do processo secundário.

"Processo primário: modo de funcionamento caracterizado, no plano econômico, pelo livre escoamento da energia e pelo livre deslizamento no sentido. O inconsciente é o lugar por excelência, desse processo, cujos mecanismos específicos são o deslocamento e a condensação, como os modos de passagem de uma representação a outra. Os processos secundários, que são o verdadeiro suporte do pensamento lógico e da ação controlada. Os processos primários, ao contrário, correspondem a um pensamento livre, imaginativo, no qual o movimento dos significantes não sofre o peso  dos conceitos, como é o caso justamente dos sonhos." (Chemama R. Dicionário de Psicanálise)

Das afirmações anteriores sobre o princípio do prazer, da transformação das cargas de investimento (processo primário e secundário) e aumento e baixa de excitação Freud chega à algumas conclusões e as denomina como nada simples: "(...)o anseio por prazer manifesta-se com muito mais intensidade no início da vida psíquica do que posteriormente, mas por não ter meios para evitar frequentes interrupções, ele só ocorre de forma limitada. Em uma fase mais madura do desenvolvimento, quando a soberania do princípio do prazer já estiver muito mais  assegurada, veremos contudo, que o princípio do prazer, tal como as outras pulsões não terá podido escapar de ser domado* (bandigung).     De qualquer maneira, aquilo que no processo de excitação determina as sensações de prazer e desprazer deve  estar presente no processo secundário da mesma maneira que no processo primário. 

* Algo que pode ser freado, mas nunca dominado

Outra afirmação importante de Freud neste final de texto: "O princípio de prazer parece, de fato, estar a serviço da pulsão de morte. Embora lhe caiba vigiar os estímulos (Reize) de origem externa - que são tomados como perigos pelos dois tipos de pulsões -, ele se volta particularmente para o perigo representado pelo aumento da quantidade  de estímulos procedentes de dentro, os quais visam a dificultar a tarefa da vida. Por sua vez, este tema também se articula com diversas outras questões às quais no momento não temos como responder. É preciso, contudo, que sejamos paciente e aguardemos até que tenhamos outros recursos de investigação e que se abram novas oportunidades para prosseguirmos com outros estudos." S. Freud. "Além do Princípio do Prazer." (1920) p.182

 O que Freud quer dizer quando diz que o princípio do prazer parece estar a serviço da pulsão de morte? O Além do princípio do prazer se situa onde? O princípio do prazer e o mais além do princípio do prazer se misturam de tal forma que parecem ser da mesma ordem, buscando o mesmo fim - remover a tensão. 

Em uma entrevista ao jornalista americano George Sylvester Viereck, em 1926 e publicada na íntegra no volume “Psychoanalysis and the Future”, número especial do “Journal of Psychology”, Nova Iorque, em 1957, Freud tece algumas considerações ao que ele discute no seu livro “Além do Princípio do Prazer”. A entrevista foi publicada em português, pela primeira vez, no volume 15 da Revista Ide, em 1998, e reimpressa recentemente no Jornal da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre. É nessa entrevista que Freud afirma: “Ainda prefiro a existência à extinção. Talvez os deuses sejam gentis conosco, tornando a vida mais desagradável à medida que envelhecemos. Por fim, a morte nos parece menos intolerável do que os fardos que carregamos. (...) A velhice, com suas agruras, chega para todos. Eu não me rebelo contra a ordem universal”.

Em um trecho adiante, quando perguntado sobre a persistência da sua personalidade após a morte, Freud responde: “Não penso nisso. Tudo o que vive perece. Por que deveria o homem constituir uma exceção? (...) No que me toca, estou perfeitamente satisfeito em saber que o eterno aborrecimento de viver finalmente passará. Nossa vida é necessariamente uma série de compromissos, uma luta interminável entre o Eu e seu ambiente. O desejo de prolongar a vida excessivamente me parece absurdo. (...) É possível que a morte em si não seja uma necessidade biológica. Talvez morramos porque desejamos morrer. Assim como amor e ódio por uma pessoa habitam em nosso peito, ao mesmo tempo, assim também toda a vida conjuga o desejo de manter-se e o desejo da própria destruição”.