Hoje em dia valoriza-se o Eu como se esta instância comandasse todas
nossas ações. Quantas vezes ouvimos: "Se você tiver autoestima as portas do sucesso se abrirão." "Fulano é tão narcisista que não para de olhar-se no espelho", "o problema de fulana de tal é baixa autoestima". Enfim, valoriza-se o "se achar". Já percebi em mim: quanto mais me achava isso ou aquilo , mais ficava cega de mim mesma, e advinha a frustração que me tirava da ilusão de ser alguma coisa.
O narcisista vê apenas si mesmo, o outro é um espelho de si. Por isso o ciúme, a agressividade. Ame-me ou odeia-me. Nosso mundo quando calcado no eu é restrito e insustentável.
Afinal Se nosso Eu fosse tão poderoso , seríamos seres de sucesso pleno, magros, belos sempre. Existe algo em nós, além do eu que comanda nossas ações, nos
divide. Tornamo-nos seres ambíguos, equivocados e repletos de impasses.
Segundo a mitologia existia uma ninfa bela e graciosa tão jovem quanto Narciso,chamada Eco e que amava o rapaz em vão. A beleza de Narciso era tão incomparável que ele pensava que era semelhante a um deus, comparável à beleza de Dionísio e Apolo. Como resultado disso, Narciso rejeitou a afeição de Eco até que esta, desesperada, definhou, deixando apenas um sussurro débil e melancólico. Para dar uma lição ao rapaz frívolo, a deusa Némesis condenou Narciso a apaixonar-se pelo seu próprio reflexo na lagoa de Eco. Encantado pela sua própria beleza, Narciso deitou-se no banco do rio e definhou, olhando-se na água e se embelezando. As ninfas construíram-lhe uma pira, mas quando foram buscar o corpo, apenas encontraram uma flor no seu lugar: o narciso; e então dai o nome narciso a flor.
Narciso era um belo rapaz, filho do deus do rio Céfiso e da ninfa Liríope. Por ocasião de seu nascimento, seus pais consultaram o oráculo Tirésias para saber qual seria o destino do menino. A resposta foi que ele teria uma longa vida, se nunca visse a própria face. Muitas moças e ninfas apaixonaram-se por Narciso, quando ele chegou à idade adulta. Porém, o belo jovem não se interessava por nenhuma delas. A ninfa Eco, uma das mais apaixonadas, não se conformou com a indiferença de Narciso e afastou-se amargurada para um lugar deserto, onde definhou até que somente restaram dela os gemidos. As moças desprezadas pediram aos deuses para vingá-las.
Nêmesis apiedou-se delas e induziu Narciso, depois de uma caçada num dia muito quente, a debruçar-se numa fonte para beber água. Descuidando-se de tudo o mais, ele permaneceu imóvel na contemplação ininterrupta de sua face refletida e assim morreu. No próprio Hades ele tentava ver nas águas do Estige as feições pelas quais se apaixonara.
Narciso de tanto amor a si próprio, morreu de tanto olhar-se, pois quando olhava ao redor buscava seu reflexo na multidão...
"Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho..." (Caetano Veloso - Sampa)